STJ 2024 - Crime Tributário é Tipo Penal de Mão Própria - Absolvição do Advogado Consultor Jurídico e Contadora - Impossibilidade de Condenação Singular :"Prestador de Serviços sem Poder Decisório nas Empresas" - ferimento ao art. 386, inciso VII do CPP
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
RECURSO ESPECIAL Nº 1566266 - RS (2015/0287060-1)
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INCISO I, DA LEI N. 8.137/1990. CRIME PRÓPRIO. SUJEITO ATIVO DO TIPO. SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. AGRAVANTE ATUOU COMO CONSULTOR JURÍDICO TRIBUTÁRIO DE PESSOA JURÍDICA. ABSOLVIÇÃO DOS ADMINISTRADORES DA EMPRESA E DA CONTADORA NA ORIGEM. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DEFINIDO NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. PRESTADOR DE SERVIÇO SEM PODER DE DECISÃO E DE GESTÃO DA EMPRESA. IMPOSSIBILIDADE DE SUA CONDENAÇÃO SINGULAR, SEM A PRESENÇA DE AGENTE COM A QUALIFICAÇÃO ESPECIAL EXIGIDA PELO TIPO PENAL. ABSOLVIÇÃO DO AGRAVANTE. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
DECISÃO
Trata-se de agravo regimental interposto por XXXXXXXXXXXXXR, contra decisão de fls. 2.467/2.470 que rejeitou os embargos de declaração opostos em face da decisão de fls. 2.432/2.449, que deu parcial provimento ao recurso especial para redimensionar a pena-base em 2 (dois) anos e 3 (três) meses.
O agravante foi denunciado juntamente com XXXXXXXXXXXX, pela prática do crime do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990. De acordo com a denúncia, os agentes teriam sonegado contribuições para o PIS e a COFINS, em favor da empresa ESTOFAXXXXXXXXXXA, por meio da prestação de informações falsas, relativas a supostos créditos tributários, no Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon) e na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), totalizando o valor consolidado, em fevereiro de 2012, de R$ 8.173.597,81 (oito milhões cento e setenta e três mil quinhentos e noventa e sete reais e oitenta e um centavos).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento às apelações (fls. 2.178/2204), confirmando a sentença que julgara parcialmente procedente a denúncia (fls. 1.862/1.878), para condenar o agravante à pena de 5 (cinco) anos de reclusão em regime inicial semi-aberto e 282 (duzentos e oitenta e dois) dias-multa, pela prática do delito inscrito no art. 1º, inciso I c/c art. 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/90, na forma do art. 71 do Código Penal. Os demais acusados tiveram mantida a sentença absolutória, proferida com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Os embargos de declaração que se seguiram foram parcialmente providos (fls), para esclarecer que não houve ofensa ao princípio da correlação ante a condenação isolada do recorrente, com a absolvição dos demais denunciados.
A defesa interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição, por afronta aos arts. 158 e 384 do Código de Processo Penal, aos arts. 14, 17, 23, inciso III, 59, 65, inciso III, alínea d, 68 e 171 do Código Penal, e aos arts. 1º e 12 da Lei n. 8.137/1990 (fls. 2.285/2.315).
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região apresentou contrarrazões ao recurso especial (fls. 2.336/2.361).
O recurso especial foi parcialmente provido, para redimensionar a pena-base em 2 (dois) anos e 3 (três) meses (fls. 2.432/2.449).
Os embargos de declaração opostos pela defesa foram rejeitados (fls. 2.467/2.470).
No agravo regimental, a defesa reiterou a tese de afronta ao princípio da correlação porque a denúncia teria descrito a atuação em conluio de todos os causados. Advogou que o crime em comento seria próprio, de forma que apenas o devedor fiscal poderia figurar como autor (fls. 2.477/2.479).
O Ministério Público Federal opinou, como custos legis, pelo parcial conhecimento do recurso e, ne ssa extensão, pelo seu desprovimento (fls. 2.504/2.519).
É o relatório. DECIDO.
A controvérsia consiste no exame da possibilidade de o recorrente, consultor tributário de pessoa jurídica, ser condenado isoladamente pelo crime inscrito no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90.
Na espécie, o agravante foi denunciado juntamente com os sócios administradores e a contadora da empresa pela prática de declaração falsa à Receita Federal do Brasil, de forma a reduzir valores dos tributos federais devidos. Confira-se, a propósito, trecho da denúncia transcrito pelo acórdão recorrido:
Consta da denúncia que os réus XXXXXXXXXX, na condição de administradores, XXXXXXXXXX, na condição de contadora, e Luiz AXXXXXXXXr, na qualidade de consultor da empresa Estofados Sulandês Ltda., no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2008, suprimiram tributos federais mediante a prestação de informações falsas à Receita Federal do Brasil, gerando um crédito tributário no valor de R$ 8.173.597,81, consolidado em fevereiro de 2012. Narra a inicial acusatória (evento 1, suprimidas as notas de rodapé):
'Os denunciados JXXXXXXXX CUSTÓDIO, na condição de responsáveis legais da empresa ESTOFADOS SULANDÊS LTDA., CNPJ 87.836.292/0001-85, estabelecida na Rodovia RS 122, km 58, s/n, em Farroupilha/RS, no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2008, sonegaram, em comunhão de esforços e vontade, contribuições para o Programa de Integracao Social ( PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), tendo prestado informações falsas no Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (Dacon) e na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), no intuito de diminuir o montante de contribuições a ser pago.
Para tanto, os denunciados JXXXXXXXXXXXX no claro intuito de sonegar os verdadeiros valores devidos das contribuições para PIS e COFINS, inseriram informações falsas em declarações prestadas à Receita Federal do Brasil através das seguintes fraudes: a) entre as competências de 01/2006 a 12/2006, a empresa informou e apurou no Dacon os valores corretos das contribuições, sendo que, posteriormente, em DCTF, o valor devido foi drasticamente reduzido com a utilização de créditos teoricamente originários de ação judicial4 b) entre as competências de 01/2007 a 12/2008, o procedimento adotado foi o de fazer coincidir as informações prestadas no Dacon com aquelas posteriormente fornecidas em DCTF, inserindo já no Dacon os créditos sem lastro contábil.
Concorreu para a prática criminosa a denunciada XXXXXX GRASSELLI, tendo em vista que, na condição de contadora e prestadora de serviço contratada pela empresa ESTOFADOS SULANDÊS LTDA, permaneceu prestando informações que sabia inverídicas, em Dacon e DCTF, consistente na existência de supostos créditos de PIS e COFINS aptos a serem compensados, embora sabendo-os inexistentes, frente a total ausência de amparo contábil para tanto, com o intuito de manter a Receita Federal do Brasil em erro e reduzir o pagamento das referidas contribuições.
Ressalta-se que a denunciada XXXXXXXXXXX não está sujeita à subordinação hierárquica perante os proprietários da empresa ESTOFADOS SULANDÊS LTDA, uma vez que inexiste vínculo empregatício entre as partes e esta, na condição de prestadora de serviços, possuía autonomia para decidir se deveria ou não prestar informações notoriamente inautênticas nos sistemas da Receita Federal do Brasil.
Também concorreu para a perpetração do delito em comento o denunciado LXXXXXXXXXX, posto que, na condição de consultor e prestador de serviço contratado pela empresa ESTOFADOS SULANDÊS LTDA, convenceu os denunciados JXXXXXXXO a efetuarem a compensação das contribuições de forma fraudulenta6 e era o responsável por fornecer para a denunciada NADXXXXXXXXXXXI, através de e-mail7 os valores a serem por esta lançados a título de compensação nos sistemas da Receita Federal do Brasil.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, confirmando a sentença, assentou que o agravante "na condição de consultor e prestador de serviço contratado pela empresa ESTOFADOS SULANDÊS LTDA, convenceu os denunciados JXXXXXXX e ELXXXXXXXXXXX a efetuarem a compensação das contribuições de forma fraudulenta e era o responsável por fornecer para a denunciada NXXXXXXXXXXLI, através de e-mail, os valores a serem por esta lançados a título de compensação nos sistemas da Receita Federal do Brasil" (fl. 2269).
O tipo penal do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90 constitui crime próprio, que exige do sujeito ativo a condição especial de sujeito passivo da obrigação tributária (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Legislação Criminal Especial - Volume Único. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023, p. 238; NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 718 e 727; LEBRE, Marcelo. Introdução ao direito penal econômico. Curitiba: InterSaberes, 2021, p. 112).
Dessa forma, com esteio no art. 121 do Código Tributário Nacional, o agente do crime deve ser contribuinte ou responsável pela obrigação tributária, ou seja, a pessoa obrigada ao pagamento do tributo.
Considerando que pessoa jurídica não figura como agente em crime contra a ordem tributária, a responsabilização criminal recairá sobre aqueles sujeitos com poder, de fato ou de direito, de gestão e/ou decisão, como diretores, gerentes e representantes da empresa, nos termos do art. 135 do CTN.
A moldura fática delineada no acórdão impugnado, contudo, não permite concluir que o agravante se enquadra nessas categorias, porque atuava como prestador de serviços, contratado como consultor jurídico em matéria tributária.
Segundo consta do acórdão, o agravante sequer era o responsável no âmbito da organização empresarial, pela efetiva declaração dos supostos créditos tributários, a qual era atribuição da contadora, com a aprovação dos administradores (fl. 2.190).
O acórdão traz, ainda, a transcrição de e-mails trocados entre funcionária da empresa e o agravante, em que este é questionado sobre informações e orientações repassadas (fls. 2.190/2.191). A análise dessas provas aponta que o poder decisório quanto à declaração e ao recolhimento de tributos não era do agravante, mas, sim, dos administradores da pessoa jurídica, real beneficiária das condutas. O agravante apenas encaminhava informações e argumentos jurídicos para subsidiar as declarações a serem prestadas pela pessoa jurídica ao Fisco.
O conjunto fático-probatório estabelecido no acórdão recorrido não confere certeza quanto à posição do agravante na empresa, não sendo possível afirmar que o agravante detinha poder de mando ou possuía a palavra final sobre a declaração tributária.
Dessa forma, na medida em que o agravante não detinha poder de gestão e decisão, seja no plano jurídico, seja no plano fático, entendo que o mesmo não se qualifica como agente especial do tipo do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, que, conforme frisei anteriormente, constitui crime próprio.
Vale notar, ainda, que a responsabilização penal do agravante pela prática do crime do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90 dependeria de que este estivesse em concurso com o contribuinte ou o responsável tributário. Tratando-se de crime próprio, a caracterização do delito depende da presença de agente com qualificação especial.
Na espécie, os administradores da empresa foram absolvidos por ausência de comprovação do dolo da conduta, de forma que a circunstância especial relativa a figurar como contribuinte ou responsável tributário deixou de se comunicar com o agente, que atuava como mero cons ultor tributário da empresa, sem poder de gestão e decisão sobre aquela.
Registro que a cláusula do art. 11 da Lei n. 8.137/90 alcança aquele que concorre para o crime, tratando da possibilidade de concurso de agentes, como prescreve o art. 29 do Código Penal:
Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.
A interpretação conferida ao dispositivo pelo Superior Tribunal de Justiça confirma esse entendimento:
Em face do disposto nos arts. 11 da Lei 8.137/90 e 29 do Código Penal, épossível a configuração do concurso de agentes na prática do delito do art. 1º, I, da Lei 8.137/90, eis que o fato de não ser o recorrente um dos responsáveis pelo cumprimento da obrigação tributária não o exime da responsabilização criminal, quando demonstrada a sua efetiva participação no crime.
(REsp n. 1.131.680/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relatora para acórdão Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 20/6/2013, DJe de 4/8/2014) (grifei)
Não se desconhece julgado desta Corte Superior no sentido de que o "simples fato de o paciente não pertencer ao quadro societário da pessoa jurídica não inviabiliza a imputação do crime de sonegação fiscal, dado que o liame causal estaria estabelecido em razão de sua qualidade de procurador da empresa, tendo inclusive sua participação sido suficientemente descrita na inicial acusatória" (HC n. 86.309/MS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 8/2/2011, DJe de 28/2/2011). No mesmo sentido: RHC n. 32.897/PR, relator Ministro Campos Marques (Desembargador Convocado do TJ/PR), Quinta Turma, julgado em 7/2/2013, DJe de 19/2/2013).
Ocorre que, nestes precedentes, os sujeitos figuravam como coautores ou partícipes, juntamente com administradores e responsáveis pela gestão e pelo poder de decisão da pessoa jurídica. No caso concreto, como já ressaltei, o agravante, prestador de serviço da pessoa jurídica, foi condenado sozinho, havendo a absolvição dos administradores da empresa.
Consubstancia contrassenso responsabilizar criminalmente o consultor jurídico da empresa, sem poder de decisão sobre a gestão da pessoa jurídica, e, ao mesmo tempo, afirmar a ausência de dolo dos administradores da empresa, sendo esta a verdadeira beneficiária da conduta, porquanto teve reduzida a carga tributária.
Assim, reconsidero a decisão de fls. 2.467/2.470, a fim de declarar a absolvição do agravante, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Ante o exposto, nos termos do art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial para absolver o recorrente da imputação do crime do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 01 de fevereiro de 2024.
Ministro Messod Azulay Neto
Relator
(STJ - REsp: 1566266, Relator: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Publicação: 02/02/2024)
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