STJ Abr24 - Crimes Tributário - Determinação para o TJSP Suspender a Ação Penal - Ação Cível Determinou a Inexigibilidade do Crédito
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
HABEAS CORPUS Nº 902246 - SP (2024/0110905-7)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de RXXXXXXXXA, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 1504977-29.2022.8.26.0506).
Consta dos autos que os pacientes foram condenados como incursos no art. 1º, incisos II e IV, c/c art. 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/1990, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, às penas de 4 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 21 dias-multa.
Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, requerendo, preliminarmente, a suspensão da ação penal, em razão do deferimento de tutela antecipada para suspender a exigibilidade crédito tributário objeto da ação penal, nos autos da Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 1000685-60.2023.8.26.0300. Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença condenatória. O acórdão transitou em julgado em 6/2/2024 (e-STJ fl. 740).
No presente habeas corpus, a defesa aduz, em síntese, a ilegalidade do indeferimento do pedido de suspensão da ação penal. Pondera que "[n]ão é admissível que os pacientes iniciem a prestação de pena (com prisão em regime semiaberto) em um caso no qual a exigibilidade do débito está suspensa e, ainda, há grande probabilidade de anulação do crédito" (e-STJ fl. 21).
Pugna, liminarmente, pela suspensão do início do cumprimento da pena até o julgamento final deste writ, com o recolhimento dos mandados de prisão expedidos. No mérito, requer a anulação da condenação dos pacientes, com determinação da suspensão do processo penal até o julgamento da Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 1000685-60.2023.8.26.0300.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, verifico que a decisão proferida na esfera cível, em sede de tutela antecipada, refere-se à suspensão da exigibilidade do crédito tributário constituído pelo Auto de Infração e Imposição de Multa n. 4.121.796-2 (e-STJ fl. 692). Há, portanto, coincidência entre o crédito tributário objeto da ação anulatória cível e o relativo à Ação Penal n. 1504977-29.2022.8.26.0506. Confira-se (e-STJ fl. 636):
A acusação é a de que Rodrigo Ribeiro dos Santos e Gerson Gomes da Silva, no período compreendido entre os meses de julho a dezembro de 2015 e de janeiro a junho de 2016, agindo em concurso, na condição de sócios e administradores da empresa "RG Cooper Indústria e Comércio de Condutores Elétricos Ltda.", suprimiram R$2.224.382,60 (dois milhões, duzentos e vinte e quatro mil, trezentos e oitenta e dois reais e sessenta centavos) de ICMS devido à Fazenda do Estado de São Paulo, conforme AIIM nº 4.121.796-2, utilizando documentos que sabiam ou deviam saber serem falsos, fraudando, assim, a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos em operações de qualquer natureza, em documentos e livros exigidos pela lei fiscal, ocasionando grave dano à coletividade em virtude do montante do tributo sonegado (fls. 62/63).
Pois bem.
A liminar em habeas corpus, bem como em recurso em habeas corpus, não possui previsão legal, tratando-se de criação jurisprudencial que visa a minorar os efeitos de eventual ilegalidade que se revele de pronto.
A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que "havendo lançamento definitivo, a propositura de ação cível discutindo a exigibilidade do crédito tributário não obsta o prosseguimento da ação penal que apura a ocorrência de crime contra a ordem tributária, tendo em vista a independência das esferas cível e penal". (AgRg no REsp 1.390.734/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 21/3/2018).
Ademais, diante da ausência de jurisprudência consolidada acerca da extensão dos efeitos causados pela suspensão da exigibilidade dos créditos tributários, nos termos do art. 151, inciso V, do Código Tributário Nacional, na seara penal, a cautela recomenda que o mérito da impetração seja apreciado pelo respectivo órgão fracionário após a manifestação do Ministério Público Federal.
Por outro lado, em caso similar ao dos presentes autos, em decisão monocrática da lavra do eminente Ministro Rogério Schietti Cruz (PET no HC n. 654.532/SP, DJe de 16/5/2023), foi concedida ordem para suspender o início da execução penal até que a questão prejudicial discutida na esfera cível fosse definitivamente solucionada.
Veja-se:
Embora o Ministério Público Federal haja se manifestado, em relação ao mérito do habeas corpus - que objetiva o trancamento da ação penal -, pelo não conhecimento da ordem (fls. 178-189), não há como perder de vista que os documentos apresentados pelo peticionário revelam que, de fato, houve o sobrestamento da exigibilidade dos créditos fiscais de que tratam a ação penal (com trânsito em julgado), cuja execução se pretende suspender. Vale dizer, a alegação do requerente está comprovada, conforme cópia da decisão de fls. 205-209.
No particular, sobressai-se o entendimento, pacífico nesta Corte, de que "apesar de a constituição definitiva do crédito tributário revelar a adequada tipicidade do crime tributário, a procedência da ação anulatória, ainda que pendente de recurso, bem como a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151 do CTN, demonstram a plausibilidade de questão prejudicial de competência do juízo cével (RHC n. 113.294/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 30/8/2019).
Assim, ainda que a ação penal haja transitado em julgado, mostra-se prudente a suspensão do início da execução penal até que a questão prejudicial discutida na esfera cível seja definitivamente solucionada, haja vista a sua possível repercussão na própria tipicidade do delito de sonegação fiscal. De fato,"a conclusão alcançada na sentença cível diz com a insubsistência do lançamento do tributo e consequente existência do respectivo crédito ou débito tributário, com repercussão na própria materialidade do delito previsto no art. 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal (HC n. 266.462/SP, Rel. p/acordão Ministra Regina Helena Costa, DJe 12/3/2014).
Diante disso, importa salientar que a discussão sobre o próprio mérito deste habeas corpus, que visa o trancamento da ação penal em razão da ausência de justa causa, fica prejudicada, visto que a controvérsia estabelecida no juízo cível, que deferiu a liminar para suspender a exigibilidade do crédito fiscal em tutela de evidência, possui o potencial de afetar a própria tipicidade da conduta.
Ante o exposto, concedo a ordem para sobrestar o início da execução penal relativamente a ação penal de que tratam os autos (Ação Penal n. 0000756-96.2000.4.03.6108), até que seja dirimida a questão no Juízo cível, ainda que com a desconstituição da liminar deferida.
Com isso, ficam prejudicados os demais tópicos suscitados pela defesa.
Verifico, portanto, que há certa plausibilidade jurídica na tese constante do presente habeas corpus, tendo em vista que a eventual procedência da ação anulatória, desconstituindo o crédito tributário, ou a existência de decisão suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, inciso V, do Código Tributário Nacional, repercute na própria materialidade dos delitos previstos no art. 1º, incisos II e IV, da Lei n. 8.137/1990.
O perigo da demora também está evidenciado, uma vez que já houve o trânsito em julgado do acórdão condenatório (e-STJ fl. 740) e a expedição das Guias de Recolhimento Definitivas (e-STJ fls. 693/696 e 771/774).
Ante o exposto, defiro a liminar pleiteada para sobrestar o início da execução da pena imposta na Ação Penal n. 1504977-29.2022.8.26.0506, enquanto perdurar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao Auto de Infração e Imposição de Multa n. 4.121.796-2, concedida na Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 1000685-60.2023.8.26.0300, ou até o julgamento do mérito do presente habeas corpus, o que ocorrer primeiro.
Consequentemente, deverá o Juízo competente promover o recolhimento imediato dos mandados de prisão expedidos.
Solicitem-se informações ao Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Jardinópolis acerca do andamento da Ação Anulatória de Débito Fiscal n. 1000685-60.2023.8.26.0300 e ao Tribunal de Justiça , a serem prestadas, preferencialmente, pela Central do Processo Eletrônico - CPE do STJ, inclusive o envio da senha para acesso aos dados processuais constantes do respectivo portal eletrônico, tendo em vista a restrição determinada pela Resolução n. 121 do CNJ.
Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para parecer.
Comunique-se, com urgência.
Intimem-se.
Brasília, 09 de abril de 2024.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator
(STJ - HC: 902246, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: 10/04/2024)
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