STF Ago24 - PIC Aberto Contra Autoridade que Tem Foro de Prerrogativas sem Ciência do TJ - Nulidade da Tramitação Remessa ao Tribunal para Analisar a Nulidade das Provas

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

há 33 segundos

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO AO QUE DECIDIDO NAS ADI´S Nº 7.083/AP E 6.732/GO. PIC INICIADO SEM A NECESSÁRIA AUTORIZAÇÃO DO TJCE. DECRETAÇÃO DE NULIDADE DO PIC. REMESSA DOS PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS AO TJCE PARA ANÁLISE DA JUSTA CAUSA DAS DILIGÊNCIAS PRELIMINARES. MPF: AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. MPCE: AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Esta Suprema Corte assentou, no julgamento das ADIs nº 7.083/AP e 6.732/GO, a necessidade de prévia autorização do Tribunal de Justiça local para instauração de procedimento investigatório de autoridades com prorrogativa de função. 2. No caso presente, o PIC se iniciou e transcorreu sem a necessária autorização, em afronta ao que decidido por esta Corte. 3. Agravo regimental interposto pelo MPF, a que se nega provimento. Agravo regimental interposto pelo MPCE parcialmente provido para remeter os procedimentos investigatórios ao TJCE para análise da justa causa das diligências preliminares, mantida a decretação de nulidade do PIC.

(STF - Rcl: 66128 CE, Relator: Min. ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 19/08/2024, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 19-09-2024 PUBLIC 20-09-2024)

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VOTO

O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA (RELATOR):

• O recurso interposto pelo MPF não merece prosperar. O recurso interposto pelo MPCE merece parcial provimento.

2. Pela decisão agravada, julguei procedente a reclamação, nos seguintes termos (e-doc. 109):

(...) 16. Percebe-se, da leitura acima, que o Procedimento Investigativo Criminal se iniciou e transcorreu sem a necessária autorização judicial do Tribunal de Justiça competente - no caso, o TJCE -, violando o que decidido nas decisões paradigmas. Instaurado o PIC em 14/11/2022 (e-doc. 3, p. 31), o TJCE somente proferiu decisão no feito, que é justamente a decisão ora reclamada, em 23/11/2023 (e-doc. 3, p. 27), a partir do requerimento de medida cautelar proposto em 24/03/2023 (e- doc. 5).
17. E ao ser instada, a autoridade reclamada proferiu decisão em que acolheu em parte os pedidos cautelares formulados pelo MPCE, sem se pronunciar, porém, acerca da autorização e supervisão do PIC iniciado há muito tempo , o que lhe incumbia (inclusive de ofício).
18. Observe-se que, na hipótese dos autos, o MPCE não se limitou a promover simples diligências preliminares, não qualificáveis como "investigação", a fim de averiguar minimamente a plausibilidade da suspeita que recaía sobre pessoa detentora de foro especial. Se assim fosse, seria até possível afastar a violação do que decidido pela Suprema Corte (nesse sentido, por exemplo: RCL nº 66.034/CE, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22/03/2024). Os autos, contudo, informam ter havido uma série de diligências verdadeiramente investigativas, sendo exemplo, entre outras, a vigilância na residência do investigado, conforme documento do Núcleo de Apoio Técnico à Investigação - NATI, do MPCE (e-doc. 6).

19. Ressalte-se que, diferentemente do que alegado pelo MPCE, a supervisão judicial decorrente do foro especial por prerrogativa de função inclui as atividades investigativas do Ministério Público , e não somente da autoridade policial. Nesse sentido, cito trecho da ementa produzida no julgamento da ADI 7.447/PA:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO PARÁ. REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INSTAURAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS. ENVIO IMEDIATO DE PROCEDIMENTOS JÁ INSTAURADOS PARA ANÁLISE SOBRE A JUSTA CAUSA PARA CONTINUIDADE DAS INVESTIGAÇÕES. MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
(...).
4. Medida cautelar confirmada. Ação julgada parcialmente procedente para: (a) atribuindo interpretação conforme ao arts. 161, I, a e b, da Constituição do Pará, e aos arts. 24, XII, 116, 118, 232, 233 e 234 do RITJPA, ESTABELECER a necessidade de autorização judicial para a instauração de investigações penais originárias perante o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, seja pela Polícia Judiciária, seja pelo Ministério Público ; e (b) DETERMINAR o imediato envio dos inquéritos policiais e procedimentos de investigação, tanto da Polícia Judiciária, quanto do Ministério Público, instaurados ao Tribunal de Justiça, para imediata distribuição e análise do Desembargador Relator sobre a justa causa para a continuidade da investigação (...)."
(ADI nº 7.447/PA, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j.
21/11/2023, p. 04/12/2023)
20. Repisem-se, aqui, as palavras do e. Ministro Gilmar Mendes (Inq nº 2.411 QO/MT, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/10/2007, p. 25/04/2008): "A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses do titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições , das quais, por seu turno, depende a higidez do próprio Estado Democrático de Direito".
21. Conforme trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia, relatora de um dos julgados invocados, "Firmou-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal que a abertura das investigações contra autoridades com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal sujeita-se ao prévio controle judicial, a justificar a anulação do ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial contra o parlamentar investigado sem prévia autorização deste Supremo Tribunal" (ADI nº 7.083/AP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 16/05/2022, p. 24/05/2022) .
22. Trata-se de nulidade que, acaso olvidada, tem o potencial de diminuir a força normativa de comandos constitucionais estruturantes da República, ensejar indesejável insegurança jurídica e irradiar sinalização aos operadores no sentido de que erros procedimentais não trarão consequências.
23. Ante o exposto, julgo procedente a reclamação , nos termos do art. 161, parágrafo único, do RISTF, para declarar a nulidade das diligências investigativas do MPCE promovidas sem autorização e supervisão do TJCE, bem como dos elementos probatórios correspondentes , relacionadas ao processo nº 0623688-94.2023.8.06.0000. Sem honorários, conforme entendimento prevalente na Segunda Turma do STF. Prejudicados os pedidos de ingresso no feito

3. Quanto ao alegado pelo MPF (e-doc. 112), primeiro agravante, a análise dos autos revela ter havido uma série de diligências verdadeiramente investigativas, que ultrapassam simples providências preliminares, a exemplo, dentre outras, da vigilância na residência do

investigado, conforme documento do Núcleo de Apoio Técnico à Investigação - NATI, do MPCE (e-doc. 6).

4. Assim, evidente a distinção do caso em apreço da "simples menção ao nome de agente com foro privilegiando, seja em depoimento ou notícia de fato trazidos ao conhecimento do Ministério Público", que remete à jurisprudência invocada - RCL nº 2.101 AgR/DF, de relatoria da Min. Ellen Gracie.

5. Já o segundo agravante (e-doc. 114) - MPCE - postula a modulação dos efeitos da decisão agravada, de modo a evitar a decretação de nulidade do procedimento investigativo.

6. Pois bem. O PIC em questão foi instaurado em 14/11/22 (e-doc. 3, p. 28-31), já sob a égide do entendimento da necessária prévia autorização judiciária para investigação de autoridades com prerrogativa de função (ADIs 7.083 e 6.732). A investigação em tela, portanto, se desenvolveu por mais de 4 meses até que fosse levada à apreciação judicial, o que ocorreu, por meio da decisão reclamada, em 23/11/23. Manifesto o descumprimento daquelas decisões proferidas por esta Corte. judiciária para investigação de autoridades com prerrogativa de função (ADIs 7.083 e 6.732). A investigação em tela, portanto, se desenvolveu por mais de 4 meses até que fosse levada à apreciação judicial, o que ocorreu, por meio da decisão reclamada, em 23/11/23. Manifesto o descumprimento daquelas decisões proferidas por esta Corte.

p. 28-31), já sob a égide do entendimento da necessária prévia autorização judiciária para investigação de autoridades com prerrogativa de função (ADIs 7.083 e 6.732). A investigação em tela, portanto, se desenvolveu por mais de 4 meses até que fosse levada à apreciação judicial, o que ocorreu, por meio da decisão reclamada, em 23/11/23. Manifesto o descumprimento daquelas decisões proferidas por esta Corte.

7. Em 04/12/23, foi publicado o julgamento da ADI nº 7.447, em que esta Suprema Corte julgou parcialmente procedente a ação para:

(a) atribuindo interpretação conforme ao arts.1611, I, a e b, daConstituiçãoo do Pará, e aos arts.244, XII,1166,1188,2322,2333 e2344 do RITJPA, ESTABELECER a necessidade de autorização judicial para a instauração de investigações penais originárias perante o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, seja pela Polícia Judiciária, seja pelo Ministério Público; e

(b) DETERMINAR o imediato envio dos inquéritos policiais e procedimentos de investigação, tanto da Polícia Judiciária, quanto do Ministério Público, instaurados ao Tribunal de Justiça, para imediata distribuição e análise do

Desembargador Relator sobre a justa causa para a continuidade da investigação .

(ADI nº 7.447/PA, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. 21/11/2023, p. 04/12/2023)

8. Assim, diante desta solução empregada, percebo que é possível fazer uma ponderação acerca da decisão ora agravada. Não se trata de modulação de efeitos, mas sim de remessa ao Tribunal competente para que diferencie as diligências de caráter meramente preliminares daquelas investigatórias propriamente ditas, de modo a preservar os interesses envolvidos.

9. Os atos eminentemente investigatórios estão, como afirmei na decisão agravada, eivados de nulidade. Aqueles anteriores ao PIC, no entanto, que têm caráter de diligências preliminares, necessárias para um arcabouço mínimo de evidências aptas a ensejar uma investigação podem ser preservados, desde que firmados pela justa casa, porquanto não abarcados pelas decisões paradigmáticas.

10. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental interporto pelo MPF e, reformando parcialmente a decisão agravada, dou parcial provimento ao agravo regimental interporto pelo MPCE para determinar o envio dos procedimentos investigatórios ao desembargador (a) relator (a) para análise da justa causa daquelas diligências preliminares, sem caráter propriamente investigativos, permanecendo a nulidade decretada do PIC nº 06.2022.00002417-4, referente ao processo nº 0623688-94.2023.8.06.0000 .

É como voto.

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