STF Jun24 - Revogação de Prisão Preventiva - Lei de Drogas - Réu Reincidente e Pequena Quantidade
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI 11.343/2006). PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA QUE NÃO SE MOSTRA ADEQUADA E PROPORCIONAL. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS ( CPP, ART. 319). ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(STF - HC: 241013 CE, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 05/06/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 10-06-2024 PUBLIC 11-06-2024)
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Trata-se de Agravo Regimental em face de decisão que concedeu a ordem de Habeas Corpus, impetrado contra decisão proferida pelo Ministro RIBEIRO DANTAS, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 909.445/CE.
Consta dos autos, em síntese, que o paciente foi preso em flagrante, convertido em preventiva, pela prática do crime de tráfico de drogas.
Buscando a revogação da custódia, a defesa impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que denegou a ordem.
Colhe-se do voto condutor:
Consta nos autos originários que, no dia 13/03/2024, no município de Ipaumirim/CE, o paciente foi flagrado transportando drogas, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, na companhia da adolescente R.L.S, praticando o crime descrito no art. 33 c/c art. 40, VI, ambos da Lei 11.343/06.
Fumus comissi delicti verificado nos autos de origem, notadamente através dos depoimentos testemunhais, auto de apresentação e apreensão e laudo provisório de constatação de substância entorpecente.
Em relação ao periculum libertatis, constata-se que há
necessidade da constrição para a garantia da ordem pública, como bem ressaltou a autoridade impetrada, diante do risco concreto de reiteração delitiva.
Em que pese tratar-se de pouca droga apreendida ( 30g de maconha - fls. 6 dos autos de origem), como bem ressaltou a autoridade impetrada, verifica-se que o paciente responde a outras ações penais, assim como possui em seu desfavor sentença condenatória definitiva, com execução de pena em andamento (fls. 29/32), o que revela sua periculosidade específica.
Assim, faz-se necessário reconhecer a incidência da Súmula nº 52 do TJCE ao presente caso, a qual enuncia: "Inquéritos e ações em andamento justificam a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública nos termos do art. 312 do CPP não se aplicando o enunciado sumular n.º 444 do STJ ."
Por essas razões, entendo que a prisão preventiva da paciente está devidamente justificada para resguardar a ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. A respeito do que se trata a garantia da ordem pública, assim tem conceituado a melhor doutrina:
[...]
Na sequência, nova impetração, desta vez dirigida ao Superior Tribunal de Justiça, não conhecida pelo Ministro Relator .
Na petição inicial, o impetrante sustentou, em suma, a ausência dos pressupostos autorizadores da prisão preventiva. Destacou que, embora o decreto de prisão preventiva tenha mencionado a reiteração delitiva, a quantidade de drogas apreendida associada a crimes sem violência e grave ameaça não justifica a medida mais extrema da prisão. Requereu, assim, a concessão da ordem, para revogar o decreto prisional, com ou sem imposição de medidas cautelares diversas.
Concedi a ordem.
Neste Agravo Regimental, o Ministério Público Federal sustenta, em síntese: o eminente Relator deteve-se na conduta delitiva em si, destacando a reduzida quantidade de droga apreendida. Desconsiderou, contudo, os fundamentos adotados pelas instâncias originárias para a decretação e manutenção da custódia cautelar do paciente, expressas ao destacar o efetivo risco de reiteração delitiva. Ao final, requer o provimento do recurso, para que seja restabelecido o decreto de prisão do paciente.
É o relatório.
04/06/2024 PRIMEIRA TURMA
AG.REG. NO HABEAS CORPUS 241.013 CEARÁ
VOTO
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR):
Não há reparo a fazer, pois o Agravo Regimental não apresentou qualquer argumento apto a desconstituir os fundamentos apontados, pelo que se reafirma o seu teor:
Incidiria, como regra, óbice ao conhecimento da ordem impetrada neste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, uma vez que se impugna decisão monocrática de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, determinando a extinção do Habeas Corpus ajuizado naquela Corte (HC 151.344-AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 21/3/2018; HC 122.718/SP, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 3/9/2014; HC 121.684-AgR/SP, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 16/5/2014; HC 138.687-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 1º/3/2017; HC 116.875/AC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 17/10/2013; HC 117.346/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 22/10/2013; HC 117.798/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 24/4/2014; HC 119.821/TO, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 29/4/2014; HC 122.381-AgR/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 9/10/2014; RHC 114.737/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/4/2013; RHC 114.961/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 8/8/2013).
De fato, o exaurimento da instância recorrida é, como regra, pressuposto para ensejar a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, conforme vem sendo reiteradamente proclamado por esta CORTE (HC 129.142, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES,
Primeira Turma, DJe de 10/8/2017; RHC 111.935, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 30/9/2013; HC 97.009, Rel. p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 4/4/2014; HC 118.189, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 24/4/2014).
Como bem apontado pelo Ministro LUIZ FUX, com base em diversos outros precedentes desta Primeira Turma, em regra, a flexibilização dessa norma implicaria afastamento do texto da Constituição, pois a competência deste SUPREMO TRIBUNAL, sendo matéria de direito estrito, não pode ser interpretada de forma ampliada para alcançar autoridades, no caso, membros de Tribunais Superiores, cujos atos não estão submetidos à apreciação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (HC 139.262, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 23/3/2017).
Esta Primeira Turma vem autorizando, somente em circunstâncias específicas, o exame de habeas corpus quando não encerrada a análise na instância competente, óbice superável apenas em hipótese de teratologia (HC 138.414/RJ, Primeira Turma, DJe de 20/4/2017) ou em casos excepcionais (HC 137.078/SP, Primeira Turma, DJe de 24/4/2017), como bem destacado pela Ministra ROSA WEBER.
A presente hipótese apresenta excepcionalidade.
O essencial em relação às liberdades individuais, em especial a liberdade de ir e vir , não é somente sua proclamação formal nos textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de maneira prática e eficiente, a partir de uma justa e razoável compatibilização com os demais direitos fundamentais da sociedade, de maneira a permitir a efetividade da Justiça Penal.
MAURICE HAURIOU ensinou a importância de compatibilização entre a Justiça Penal e o direito de liberdade , ressaltando a consagração do direito à segurança, ao salientar que em todas as declarações de direitos e em todas as Constituições revolucionárias figura a segurança na primeira fila dos direitos fundamentais, inclusive apontando que os publicistas ingleses colocaram em primeiro plano a preocupação com a segurança, pois, conclui o Catedrático da Faculdade de Direito de Toulouse, por meio do direito de segurança, se pretende garantir a liberdade individual contra o arbítrio da justiça penal, ou seja, contra as jurisdições excepcionais, contra as penas arbitrárias, contra as detenções e prisões preventivas, contra as arbitrariedades do processo criminal (Derecho Público y constitucional. 2. ed. Madri: Instituto editorial Réus, 1927. p. 135-136).
Essa necessária compatibilização admite a relativização da liberdade de ir e vir em hipóteses excepcionais e razoavelmente previstas nos textos normativos, pois a consagração do Estado de Direito não admite a existência de restrições abusivas ou arbitrárias à liberdade de locomoção , como historicamente salientado pelo grande magistrado inglês COKE, em seus comentários a CARTA MAGNA, de 1642, por ordem da Câmara dos Comuns, nos estratos do Segundo Instituto, ao afirmar: que nenhum homem seja detido ou preso senão pela lei da terra, isto é, pela lei comum, lei estatutária ou costume da Inglaterra (capítulo 29). Com a consagração das ideias libertárias francesas do século XVIII, como lembrado pelo ilustre professor russo de nascimento e francês por opção, MIRKINE GUETZÉVITCH, essas limitações se tornaram exclusivamente trabalho das Câmaras legislativas , para se evitar o abuso da força estatal ( As novas tendências do direito constitucional. Companhia editora nacional, 1933. p. 77 ss).
No presente caso, não houve a devida compatibilização, em virtude da quantidade de droga apreendida e das circunstâncias e condições em que se desenvolveu a ação, uma vez que o paciente foi preso em flagrante, em 13/3/2024, com base em acusação por tráfico ilícito de entorpecentes em decorrência da apreensão de 30g de maconha.
Em casos similares, esta CORTE tem decidido pela ilegalidade da prisão preventiva: HC 157626, Relator (a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, decisão monocrática, DJe 6/6/2018; HC 135.250, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma,
DJe de 29/9/2016; HC 128.454, Relator Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 29/10/2015; HC 121.537, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 3/2/2015; RHC 118.200, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 3/9/2014; HC 95.790, Relator Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 21/11/2008.
Não estão, portanto, presentes os requisitos necessários para a manutenção da medida extrema, sendo possível sua substituição por medidas cautelares diversas ( CPP, art. 319), que se revelam, na presente hipótese, suficientes para garantir a ordem pública, a aplicação da lei penal e a regular instrução criminal.
Enfim, como nenhum homem ou mulher poderá ser privado de sua liberdade de ir e vir sem expressa autorização constitucional e de acordo com os excepcionais e razoáveis requisitos legais, pois o direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana, como ensinou o grande constitucionalista do Império, Pimenta Bueno ( Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império . Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958. p. 388); o presente Habeas Corpus é meio idôneo para garantir todos os direitos legais previstos ao paciente e relacionados com sua liberdade de locomoção, mesmo que, como salientado pelo Ministro CELSO DE MELLO, na simples condição de direito-meio , essa liberdade individual esteja sendo afetada apenas de modo reflexo, indireto ou oblíquo (Constituição Federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 459).
Diante do exposto, com base no art. 192, caput , do Regimento Interno do STF, CONCEDO A ORDEM para revogar a prisão preventiva decretada contra o paciente nos Autos 0200515-39.2024.8.06.0302 (Comarca de 2º Núcleo Custódia/Inquérito - Iguatu/CE), com a ressalva de que o Juízo competente fica autorizado a impor medidas cautelares diversas ( CPP, art. 319).
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao Agravo Regimental. É o voto.
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