STF Jun24 - Suspensão de Processo Penal Militar para Aplicação de ANPP

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

HABEAS CORPUS 242.371 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI

DECISÃO:

Vistos.

Trata-se de habeas corpus , com pedido liminar, impetrado em favor de Alvaro Cesar Dorneles de Ornelas Junior, apontando como autoridade coatora o Superior Tribunal Militar, que negou provimento à Apelação Criminal nº 7000718-79.2023.7.00.0000, Relator o Ministro Lúcio Mário de Barros Góes.

O paciente foi condenado à pena de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, como incurso no crime previsto no art. 290, caput , do Código Penal Militar, com o benefício do sursis pelo prazo de 2 (dois) anos.

Neste writ , a Defensoria Pública da União defende a possibilidade de incidência do disposto no art. 28-A do Código de Processo Penal ao processo criminal em tramitação perante a Justiça Militar.

Requer, ao final:

"01. - a concessão da ordem, desde logo, monocraticamente, por Vossa Excelência, na forma do art. 192, caput, do RISTF, para cassar o Acórdão do STM Superior Tribunal Militar, publicado no DJe nº 068/2024, em 24/04/2024, - na Apelação Criminal nº 7000718-79.2023.7.00.0000 que confirmou a Sentença condenatória na Ação Penal Militar nº 7000033-97.2022.7.10.0010/CE, determinando-se o retorno dos autos a instância de origem, da 2a Auditoria da 3a Circunscrição Judiciária Militar, em Bagé/RS, para que tal qual decidido neste Supremo Tribunal Federal, pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes, no Habeas Corpus 218.489/AM, publicado em 12/06/2023, que seja suspenso o processo e eventual execução da pena, abrindo-se vista ao MPM - Ministério Público Militar - para que se manifeste de forma motivada/fundamentada, sobre a viabilidade, ou não, do Acordo de Persecução Penal já que presentes todos os requisitos previstos no art. 28-A, Código de Processo Penal comum;
02. - na eventualidade de a ordem pleiteada não ser concedida de plano, monocraticamente, na forma do art. 192, caput, do RISTF, a Defensoria Pública da União de Categoria Especial pleiteia:
2.1. - concessão da medida liminar para suspender os efeitos do Acórdão hostilizado até o julgamento final da presente impetração;
2.2. - em plenário, a confirmação da liminar e, no mérito, a concessão de ordem tal qual descrito no sequenciado no item 01; e,
03. - que sejam considerados juntados como instrução deste petitório os autos da Apelação Criminal nº 7000718- 79.2023.7.00.0000 e a Ação Penal Militar nº 7000004- 45.2022.7.03.0203/RS que podem ser acessados no sistema e- PROC da Justiça Militar da União; e,
04. - que as intimações desta Corte Suprema sejam feitas a Defensoria Pública da União - DPU -, que tem atuação permanente neste egrégio Tribunal, observando-se as prerrogativas previstas no art. 44, incs I e VI, da Lei Complementar 80/1994, de receber intimação pessoal e de contagem em dobro de todos os seus prazos, destacando a necessidade de informação sobre a data da sessão de julgamento tendo em conta o possível interesse em sustentar oralmente."

É o relatório. Fundamento e decido.

Transcrevo a ementa do aresto questionado (edoc 3, fls. 36-37):

"APELAÇÃO. DEFESA. ART. 290 DO CPM. PRELIMINAR. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.
INVIABILIDADE. REJEIÇÃO. UNANIMIDADE. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO. COMPROVAÇÃO. CADEIA DE CUSTÓDIA. HIGIDEZ. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DELITO DE PERIGO ABSTRATO. CONSTITUCIONALIDADE. INSTITUTOS DAS LEIS Nº 11.343/2006 E Nº 9.099/1995. INAPLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. ARTS. 202 OU 291, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CPM. IMPOSSIBILIDADE. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO. UNANIMIDADE.
A inaplicabilidade do ANPP, no âmbito desta Justiça especializada, está consolidada no Enunciado nº 18 da Súmula de Jurisprudência desta Corte Castrense. Ademais, no caso concreto, em procedimento próprio instaurado para analisar o pedido defensivo, o Representante Ministerial oficiante decidiu pelo seu arquivamento. Preliminar rejeitada. Decisão Unânime.
Embora, em seu interrogatório judicial, o Réu tenha utilizado o direito ao silêncio, as provas documental e testemunhal produzidas nas fases pré-processual e em Juízo não deixam margem a dúvidas quanto à autoria delitiva. A materialidade delitiva, por sua vez, para além das provas testemunhal e documental que instruem os autos, foi confirmada por meio do Laudo de Perícia Criminal Forense. No caso, a cadeia de custódia mostra-se imaculada, não restando qualquer dúvida acerca da sua higidez. O dolo, ademais, mostrou-se presente na conduta do Apelante. Sobre esse aspecto, consoante remansosa jurisprudência desta Corte Castrense, a alegação de ausência de dolo por esquecimento da droga, por exemplo, na carteira, nas vestes ou na mochila, não afasta o elemento subjetivo do tipo penal.
Não procede a tese defensiva de crime impossível, eis que o fato de a quantidade de substância apreendida ser pequena, ter ou não capacidade de causar qualquer dependência, bem como possuir potencial lesivo baixo, não possui o condão de afastar a tipicidade da conduta, estando sedimentado na Jurisprudência desta Corte e do STF que o Princípio da Insignificância Penal não se aplica aos casos de posse de substância entorpecente em local sujeito à Administração Militar.
Consoante a Jurisprudência desta Corte castrense e do Supremo Tribunal Federal, não obstante tratar-se de crime de perigo abstrato, o tipo penal previsto no art. 290 do CPM encontra-se em perfeita consonância com a Constituição Federal de 1988.
Mesmo após as alterações legislativas trazidas pela Lei nº 13.491/2017, o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 e os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 não têm aplicabilidade no âmbito desta Justiça Castrense, ante a especialidade do Direito Penal Militar
A conduta perpetrada pelo Réu subsome-se perfeitamente ao art. 290, caput, do CPM, não merecendo acolhida a tese defensiva de desclassificação do delito para aplicação do preceito secundário dos arts. 202 ou 291, parágrafo único, inciso I, ambos do CPM.
A pretendida substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito não merece prosperar, pois a Jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à inaplicabilidade de penas restritivas de direitos no âmbito da Justiça Militar da União, diante da especialidade do Direito Penal Castrense.
Negado provimento à Apelação. Decisão unânime."
Com efeito, no voto condutor do acórdão, o Ministro Relator destacou o seguinte (edoc. 3, fl. 43):
"No caso concreto, em procedimento próprio instaurado para analisar o pedido defensivo (Procedimento Administrativo nº 134.2022.000021), o Representante Ministerial oficiante decidiu pelo seu arquivamento.
A Defesa refere que a negativa do MPM em celebrar o ANPP ocorreu não pelas circunstâncias do caso concreto, mas por explícita recusa à aplicabilidade do instrumento no âmbito processual penal militar; cita Decisões do STF determinando que ‘as autoridades persecutórias militares explicitem as razões concretas para negativa do ANPP’; considera que, no caso em tela, a recusa ao ANPP não teria seguido os parâmetros legais, vez que a legislação não vedaria sua incidência para crimes militares.
Em que pesem os respeitáveis argumentos, observa-se que, no caso, o órgão acusatório se manifestou motivadamente sobre a inviabilidade da proposta. Tal manifestação, como mencionou o Parquet Milicien , em Contrarrazões, ‘fundou-se em todos os entendimentos vigentes no âmbito administrativo do CSMPM, quanto do E. STM, não havendo que se falar em ilegalidade ou abusividade da decisão proferida’."

No caso, conforme se vê, não se viabilizou o oferecimento do ANPP. Diante desse quadro, verifico a existência de flagrante ilegalidade a

amparar a concessão da ordem.

Explico.

Com efeito, em recentíssimo julgamento, a colenda Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que torna acolhível a pretensão deduzida nesta sede. Vide:

"HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DO ART. 28-A DO CPP AO PROCESSO PENAL MILITAR. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 3º DO CPPM E ART. 28-A, § 2º DO CPP. VEDAÇÃO EM ABSTRATO DA INCIDÊNCIA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL À JUSTIÇA MILITAR. SÚMULA 18 DO STM. AFRONTA A LEGALIDADE ESTRITA. ART. 28, § 2º DO CPP. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DE NORMA QUE LIMITA BENEFÍCIO
PROCESSUAL-PENAL. ORDEM CONCEDIDA PARA POSSIBILITAR A PROPOSITURA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL SE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. 1. A interpretação sistemática dos art. 28-A, § 2º, do CPP e art. 3º do CPPM autoriza a aplicabilidade do Acordo de Não Persecução Penal no âmbito da Justiça Militar. 2. O art. 28- A, § 2º, do CPP comum nada opôs quanto a sua incidência no processo penal militar e, do mesmo modo, a legislação militar admite, em caso de omissão legislativa, a incidência direta da legislação processual comum (Art. 3º do CPPM). 3. A aplicação do art. 28-A do CPP à Justiça Castrense também coaduna-se com a jurisprudência desta Suprema Corte, que, em recentes julgados, compreendeu pela possibilidade de incidência da legislação comum a processos penais militares se verificada compatibilidade com princípios constitucionais. Precedentes. 4. Ausente proibição legal expressa, afronta a legalidade estrita vedar, em abstrato, a incidência do ANPP a toda gama de processos penais militares, como se denota do enunciado 18 da Súmula do STM ("Súmula 18 - O art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União). 5. É certo que especificidades do caso concreto poderão, se devidamente justificadas, ensejar o não oferecimento do acordo ou mesmo sua não homologação pelo Poder Judiciário. 6. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a possibilidade de incidência do art. 28-A do CPP a processos penais militares e determinar que o Juízo a quo abra vista ao Ministério Público, a fim de oportunizar-lhe a propositura do Acordo de Não Persecução Penal, se entender preenchidos os requisitos legais."(HC nº 232.254/PE, Segunda Turma, Relator o Ministro Edson Fachin, DJe de 8/5/24)

No caso concreto, verifico que não se oportunizou o oferecimento do ANPP.

Diante dessas considerações, nos termos do caput do art. 192 do RISTF, concedo a ordem para suspender a ação penal e converter o feito em diligência a fim de oportunizar ao Ministério Público Militar a propositura de Acordo de Não Persecução Penal, caso preenchidos os requisitos legais no caso concreto.

Comuniquem-se, com urgência, pelo meio mais expedito, a autoridade coatora e a 2a Auditoria da 3a CJM, para que adotem todas as providências necessárias ao pronto cumprimento desta decisão.

Publique-se.

Brasília, 10 de junho de 2024.

Ministro DIAS TOFFOLI

Relator

Documento assinado digitalmente

(STF - HC: 242371 RS, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 10/06/2024, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 10/06/2024 PUBLIC 11/06/2024)

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