STJ Jun24 - Busca e Apreensão Nula por Falta de Fundamentação - Ferimento ao Art. 315 do CPP - Tipos da Lei de Licitações e Contrato

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2590387 - GO (2024/0085884-0) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA

DECISÃO Trata-se de agravo em recurso especial interposto por ROBSON XXXXXXXXXXcontra decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, que inadmitiu o recurso especial com base no óbice da súmula 83 do STJ. 

Os recorrentes estão sendo investigados pela prática dos crimes licitatórios dispostos nos arts. 90, 92, 93 e 96, da Lei nº 8.666/93 e do crime de associação criminosa (art. 288 do CP) por terem, supostamente, contribuído, o primeiro na qualidade de analista de sistemas e a segunda na qualidade de diretora de gestão corporativa, para o direcionamento dos Pregões Eletrônicos nº 58/2019 e 13/2020, realizados pela empresa pública Saneamento de Goiás - SANEAGO para contratação de empresa especializada na prestação de serviços de gerenciamento logístico por meio de almoxarifado virtual, para que a empresa BRS Suprimentos Corporativos S/A fosse a vencedora.

 Ao longo da investigação, o Delegado de Polícia representou, dentre outras medidas, pela realização de busca e apreensão domiciliar de 21 pessoas, dentre as quais os recorrentes (Apenso 1 - e-STJ fl. 05). A busca e apreensão foi deferida pelo Magistrado de primeira instância (apenso 1 - e-STJ fls. 705-706). Contra esta decisão foram interpostas apelações, às quais o Tribunal a quo negou provimento (e-STJ fls. 3797-3810). 

Contra essa decisão, a defesa interpôs recurso especial argumentando, em síntese, que houve contrariedade ao art. 240, §1º, alíneas a, b, c, d, e, f, g, e h do CPP, uma vez que "a decisão vergastada, apesar de citar dispositivos que disciplinam a matéria afeta a busca e apreensão e destacar a possibilidade de seu deferimento, não apresenta razões concretas e objetivas que justifiquem a necessidade, razoabilidade e estrita legalidade das cautelares" (e-STJ fl. 3828) e porque "não há a indicação das fundadas razões (de forma concreta), de decisão adequadamente motivada ou da delimitação do objeto. 

Não se demonstra a imprescindibilidade in concreto da medida para o processamento dos fatos e resta demonstrada a inequívoca prática da pescaria probatória" (e-STJ fl. 3841). O Tribunal a quo inadmitiu o recurso especial argumentando que "tem se que o entendimento lançado no acórdão recorrido – no que se refere à regularidade da busca e apreensão efetiva danos autos – vai ao encontro da orientação firmada pelo Tribunal da Cidadania, o que ,por certo, faz incidir o óbice da Súmula 83 daquela Corte Superior" e que "o recurso especial não é sede própria para apreciação de eventual ofensa a preceitos constitucionais, por se tratar de matéria da competência do Supremo Tribunal Federal" (e-STJ fl. 6403). 

A defesa interpôs, assim, o presente agravo em recurso especial argumentando não incidir o óbice da súmula 83 do STJ (e-STJ fls. 6411-6438). O Ministério Público Estadual apresentou contraminuta de agravo argumentando que o recurso não deve ser conhecido pelo óbice da súmula 182 do STJ (e-STJ fls. 6442- 6445). 

O Ministério Público Federal, em seu parecer, também entendeu pelo não conhecimento do agravo pelo óbice da súmula 182 do STJ, mas pugnou pela concessão de ordem de habeas corpus de ofício, uma vez que "o juízo apenas concordou com a representação policial, concluindo estarem presentes indícios de materialidade e autoria delitivas, sem fazer referência aos elementos de informação até então colhidos nem abordar de forma individualizada a situação de cada investigado ou a relevância dos locais indicados para realização das buscas" (e-STJ fl. 6467).

 É o relatório. Decido. 

O agravo em recurso especial é tempestivo e infirmou os argumentos da decisão do TJ-GO de óbice da súmula 83 do STJ e de discussão da matéria exclusivamente constitucional, razão pela qual, nos termos do art. 253, parágrafo único, inc. II, a, do RISTJ, conheço do agravo e passo ao exame do recurso especial. 

O recurso não merece ser conhecido. Em que pese trata-se de recurso tempestivo e com correta representação processual, os recorrentes não indicaram corretamente os dispositivos de lei federal supostamente violados, incorrendo em deficiência de fundamentação, o que faz incidir o óbice da súmula nº 284 do STF. 

A deficiência de fundamentação fica evidente na medida em que as razões recursais indicam o art. 240, §1º do CPP como preceito violado pelo acórdão, mas ao longo de toda a peça tratam tão somente da deficiência de fundamentação da decisão do Magistrado de primeira instância que deferiu a medida de busca e apreensão. 

De um lado, o dispositivo de lei federal indicado não disciplina como se deve fundamentar uma decisão judicial, mas sim elenca os requisitos legais para que se defira uma medida de busca e apreensão.

 De outro lado, o acórdão recorrido, ao entender a decisão de primeira instância como fundamentada, não negou vigência ou contrariou tal dispositivo. 

 Aos recorrentes caberia ou a demonstração de que o acórdão recorrido manteve hígida a busca e apreensão mesmo ausentes dos requisitos do art. 240, §1º do CPP, situação que se amoldaria a uma negativa de vigência ou contrariedade a este dispositivo, ou a indicação de outro dispositivo de lei federal, que disciplina especificamente a forma de fundamentação das decisões judiciais, e a demonstração de que o acórdão, ao entender a decisão de primeira instância fundamentada, teria contrariado tal dispositivo. 

Porém, diante da não indicação correta dos dispositivos de lei federal supostamente violados, o recurso não comporta conhecimento, nos termos da súmula 284 do STF. 

Nos termos dos arts. 647-A e 654, § 2º, do Código de Processo Penal, no entanto, é possível a concessão da ordem de habeas corpus de ofício, desde que presente flagrante constrangimento ilegal, que implique ameaça de violência ou coação na liberdade de locomoção e, no caso, vislumbro a presença de tal ilegalidade. 

O art. 315, §2º do CPP disciplinou a exigência de fundamentação de decisões judiciais em matéria processual penal, especificamente no que diz respeito à decretação de medidas cautelares. Segundo o mencionado dispositivo, "Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso e III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão...". 

Esta Colenda Corte também tem entendido decisões genéricas como sendo decisões sem a devida fundamentação. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. MERA INDICAÇÃO DO PEDIDO E DA MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PRÓPRIOS. 2. PRÉVIA SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 3. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO 1. Revela-se manifesta a ausência de fundamentação idônea a justificar a medida invasiva, visto que a Juíza de Direito, ao expedir o mandado de busca e apreensão, limitou-se tão somente a se reportar aos documentos que instruíram o pedido e à manifestação do Ministério Público, deixando de acrescer à referida decisão fundamentação própria, evidenciando-se, assim, o seu caráter genérico. - Como é de conhecimento, admite-se a "utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios" (RHC n. 94.488/PA, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 19/4/2018, DJe 2/5/2018) 2. A alegação do agravante, no sentido de que o paciente estaria em situação de flagrante delito, o que Documento eletrônico VDA41933658 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): DANIELA RODRIGUES TEIXEIRA Assinado em: 12/06/2024 18:44:13 Publicação no DJe/STJ nº 3886 de 14/06/2024. Código de Controle do Documento: 5947969d-7917-42b1-aff5-a35ac9631057 autorizaria a busca e apreensão mesmo sem mandado, revela indevida inovação recursal, em manifesta supressão de instância, o que inviabiliza o exame por esta Corte Superior. 3. Agravo regimental conhecido em parte e improvido. (AgRg no HC n. 878.401/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024 - grifos acrescidos).

No caso, a decisão judicial deferiu a medida de busca e apreensão domiciliar de 21 pessoas nos seguintes termos:

[...]. Inicialmente a Autoridade Policial representa pela Busca e Apreensão em endereços onde, supostamente, estão ocorrendo a prática dos delitos por parte dos investigados. Sem maiores delongas, fácil é verificar que razões assistem à Autoridade Policial em seu requerimento, tendo o Representante do Ministério Público manifestando-se favoravelmente ao pedido. Verifica-se que existem provas da materialidade dos crimes mencionados pela Autoridade Policial, tanto que já efetuadas outras diligências investigatórias, as quais estão relatadas nestes e nos demais autos em apenso, bem como indícios da autoria dos referidos delitos. Os Delegados de Polícia representantes juntaram à presente representação diversos elementos relacionados aos suspeitos, relatando a existência de registros criminais em quantidade elevada por parte dos mesmos. Inclusive, segundo narram, há fortes indícios de envolvimento de agentes públicos, que teriam ciência das fraudes cometidas. Assim, a medida seria cabível para comprovar a extensão do envolvimento destes. Os locais indicados serão objeto de investigação, sendo os mesmos onde foram levantadas informações de que abrigariam a prática das fraudes. Logo, também resta delimitado o objeto da busca. Destaque-se que o Código de Processo Penal, em seu artigo 240, § 1º e alíneas prevê a Busca e Apreensão para descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu, bem como colher qualquer elemento de convicção. É justamente o caso dos autos, nos moldes do parecer ministerial no evento 09, cuja transcrição parcial procedo a seguir: ... Oportuno, nesse momento, também transcrever a referência legislativa acima mencionada como fundamento para o deferimento do pleito policial [...] (apenso 1 - e-STJ fls. 705-706 - grifos acrescidos).

Verifica-se que a decisão em questão se enquadra nas três hipóteses que o Código de Processo Penal elenca como sendo de decisões sem fundamentação, isso porque (i) se limita a indicar os dispositivos legais que autorizam a busca e apreensão, mas não faz menção, em momento algum, a aspectos do caso concreto, que poderiam indicar, por exemplo, as exigidas fundadas razões e algum dos objetivos dispostos nas alíneas do art. 240, §1º do CPP. Ressalte-se que, em se tratando de 21 domicílios caberia ao magistrado indicar as fundadas razões em cada um deles. 

Porém, a decisão não menciona nenhum, fazendo afirmações vagas. (ii) Emprega conceitos jurídicos indeterminados como "provas da materialidade dos crimes"; "fraudes cometidas"; "registros criminais em quantidade elevada", mas não faz a devida subsunção dos fatos concretos a esses conceitos, ou seja, não demonstra quais seriam as tais provas de materialidade, nem mesmo diz a materialidade em relação a qual fato, não indica no que consistiram essas fraudes e, principalmente, não faz a individualização dos tais registros criminais e (iii) como decorrência destas duas primeiras características, essa decisão se prestaria a deferir qualquer medida de busca e apreensão, uma vez que sequer faz menção a quais crimes e quais pessoas serão alvo da medida.

 Portanto, é evidentemente genérica a decisão de deferiu a medida de busca e apreensão domiciliar, impondo flagrante constrangimento ilegal aos recorrentes e de todas as outras pessoas nela elencadas, razão pela qual deve ser considerada nula e as provas decorrentes desta busca devem ser consideradas ilícitas e desentranhadas dos autos, nos termos do art. 157 e §1º do CPP. 

Ante o exposto, conheço do agravo em recurso especial para não conhecer do recurso especial. Concedo, no entanto, a ordem de habeas corpus de ofício para declarar nula a decisão que deferiu a medida de busca e apreensão domiciliar e declarar ilícitas as provas produzidas a partir desta, que deverão ser desentranhadas dos autos. Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao Tribunal e ao juízo de origem. Após, ciência ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 11 de junho de 2024. Ministra Daniela Teixeira Relatora

(STJ -  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2590387 - GO (2024/0085884-0) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA, Publicação no DJe/STJ nº 3886 de 14/06/2024)

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