STJ Jun24 - Fundamentação Per Relationem em Acórdão - Nulidade - TJ Apenas Repetiu o Parecer do MP Sem Justificar
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 199431 - RS (2024/0213483-7) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por DAIANA XXXXXXXXXX contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que denegou a ordem postulada no HC n. 5031118-59.2024.8.21.7000. Consta dos autos que, em 28/1/2024, a recorrente foi presa em flagrante pela suposta prática dos crimes de ameaça, violação de domicílio e resistência, tendo sido a prisão convertida em preventiva no dia seguinte (e-STJ fls. 69/72).
Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte local, alegando "a inadmissibilidade da prisão preventiva, uma vez que a soma das penas carcerárias máximas cominadas aos delitos supostamente cometidos pela paciente não ultrapassa o patamar de 04 (quatro) anos.
Destaca que a paciente é primária e responsável pelos cuidados de dois filhos menores e do irmão interditado. Sustenta, também, que o enquadramento das condutas no âmbito da Lei n. 11.340/2006 configura um desvio de finalidade do Diploma Legal" (e-STJ fl. 48). Contudo, em sessão de julgamento realizada no dia 28/3/2024, Tribunal de origem, à unanimidade, denegou a ordem nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 51):
HABEAS CORPUS. AMEAÇA. RESISITÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. IDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. ABALO DA ORDEM PÚBLICA. MEDIDAS CAUTELARES. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO. EFETIVA NECESSIDADE DA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
Na pressente oportunidade, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul sustenta a nulidade do acórdão impugnado, que não enfrentou as razões do writ originário e, principalmente, utilizou-se das razões do parecer ministerial para denegar a ordem, sem qualquer menção de argumentos próprios Ao final, pugna, liminarmente, pela revogação da prisão preventiva da recorrente.
No mérito, requer seja provido o recurso ordinário "para o fim de sanar a ilegalidade constante do acórdão proferido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, declarando sua nulidade por fundamentação per relationem, de forma deferida desde já a liberdade da paciente, com a revogação da prisão preventiva" (e-STJ fl. 65).
É o relatório. Decido. Acerca do rito a ser adotado para o julgamento deste recurso ordinário, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC N. 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Possível, assim, a análise do mérito do recurso ordinário, já nesta oportunidade. Busca-se, conforme relatado, o reconhecimento de nulidade do acórdão impugnado decorrente de violação do princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais, inscrito no art. 93, IX da Constituição Federal.
Como é cediço, o método de fundamentar as decisões, remetendo-se aos fundamentos constantes de outras peças processuais, constitui técnica de decidir aceita pela jurisprudência do STJ, por constituir medida de economia processual e não malferir os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões (REsp n. 1.443.593/RS, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 2/6/2015, DJe 12/6/2015).
Contudo, a legitimidade da técnica da motivação per relationem, ou aliunde, não exime o magistrado do dever de fundamentação, mediante exposição clara e lógica das razões de decidir (AgRg no HC n. 740.707/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 13/6/2022.) No caso, verifica-se que a Corte local denegou a ordem do habeas corpus lá impetrado, sob a seguinte fundamentação (e-STJ fls. 48/49):
A questão posta a exame no presente writ está solvida com absoluta proficiência no parecer da ilustre Procuradora de Justiça que oficiou no feito, Dra. Irene Soares Quadros, cujos fundamentos, por imelhoráveis, adoto como razões de decidir, até para evitar inútil e fastidiosa tautologia, passando a Documento eletrônico VDA41970135 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): REYNALDO SOARES DA FONSECA Assinado em: 13/06/2024 16:47:50 Publicação no DJe/STJ nº 3886 de 14/06/2024. Código de Controle do Documento: f334ae8b-aed3-4e3c-827a-2f0ca6a42aae transcrevê-los: "A paciente foi presa em flagrante, no dia 28/01/2024, pela prática, em tese, dos crimes de ameaça, violaçao de domícilio e resistência. Consta dos autos, que a paciente foi detida emflagrante no pátio da residência da ex-sogra com uma corrente e pedras nas mãos. A paciente estava transtornada, gritando, xingando e proferindo ameaças contra a vítima. Além disso, resistiu à abordagem, tendo sido necessário o uso moderado da força pelos policiais. A ofendida relatou que, dois dias antes do ocorrido, a paciente havia ido até sua casa e a ameaçado de morte enquanto segurava uma faca. Ao ser conduzida para o estabelecimento prisional, a paciente chutou a viatura durante todo o percurso. Ao descer do veículo, ofendeu os policiais civis e ameaçou matá-los. A prisão em flagrante foi homologada, sendo decretada a prisão preventiva, em decisão bem fundamentada, para garantia da ordem pública e para assegurar a integridade da vítima, devendo ser mantida. Sua Excelência destacou que, neste momento, a prisão é necessária para proteger a vítima dos atos praticados e “prometidos” pela paciente. A paciente, mesmo após presa, ameaçou os policiais civis, tendo que ser mantida algemada e, posteriormente, ficou chutando a cela e a viatura por ocasião do traslado para o presídio. As circunstâncias dos fatos narrados demonstram ser insuficiente a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Ressalta-se, ainda, que a prisão provisória em nada afronta a presunção da inocência. Isso porque, embora não se olvide que à paciente é assegurado o direito fundamental à liberdade, àluz dessa garantia constitucional mencionada, que deve ser a regra, não se pode esquecer que a coletividade igualmente tem assegurada a sua segurança na Carta Política de 1988, de forma que, mediante uma ponderação de princípios, verifica-se que no caso em tela, neste momento, esta segunda garantia merece maior salvaguarda. O fato de a paciente possuir filhos menores e irmão interditado, por si só, não autoriza aconcessão da prisão em regime domiciliar, posto não haver prova de que seja imprescindível aos cuidados das crianças e do irmão. Os filhos da paciente estão sob os cuidados da tia, bem como foi recomendada pela assistente social a internação do irmão da paciente." Pelo exposto, voto por DENEGAR a ordem de habeas corpus.
Como se vê, o Desembargador Relator, MANUEL JOSE MARTINEZ LUCAS, limitou-se a referir-se às razões apresentadas pelo Parquet para denegar a ordem, sem acrescentar motivação própria, o que não está de acordo com o entendimento desta Corte Superior.
Noutras palavras, o Relator empregou a técnica de fundamentação per relationem (ou aliunde), sem utilizá-la, porém, como complementação a sua argumentação. Não se pode admitir, sob pena de violação do postulado de obrigatoriedade das motivações das decisões judiciais, constante do art. 93, IX, que o Órgão Julgador se limite a fazer referência, por ocasião da decisão, aos fundamentos constantes de outra peça processual, sem trazer em seu bojo a transcrição dos trechos que utiliza como motivação de seu decisum e um juízo próprio sobre o caso, impossibilitando o conhecimento do que fora valorado pela peça referida, como ocorre no presente caso.
A propósito, Para que a liberdade dos cidadãos seja legitimamente restringida, é necessário que o órgão judicial competente se pronuncie de modo expresso, fundamentado e, na linha da jurisprudência deste STF, com relação às prisões preventivas em geral, deve indicar elementos concretos aptos a justificar a constrição cautelar desse direito fundamental (HC n. 89.645, Relator Ministro GILMAR MENDES, julgamento em 11/9/2007, Segunda Turma, DJ de 28/9/2007). Desse modo, vislumbra-se o alegado constrangimento ilegal, decorrente da ausência de fundamentos da decisão. Nesse sentido, destaco os recentes julgados do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE EXTENSÃO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA CAUTELAR CRIMINAL. QUEBRA DE SIGILOS FISCAL, BANCÁRIO E TELEMÁTICO. BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA EM UM DOS ASPECTOS: ORDEM CONCEDIDA NESTE STJ. INDIVIDUALIZAÇÃO SUBJETIVA INEXISTENTE. ASPECTO OBJETIVO QUE ATENDIA AOS PARÂMETROS. EXTENSÃO DA ORDEM CONCEDIDA. ART. 580 DO CPP. AGRAVO DESPROVIDO. I - Nos termos da jurisprudência consolidada nesta Corte, cumpre ao agravante impugnar especificamente os fundamentos estabelecidos na decisão agravada. II - Conforme consta, as decisões de origem, embora pautadas em fundamentação per relationem, até permitida por nossa jurisprudência, careceram de fundamentação mínima própria no que concernia à devida descrição de responsabilidade penal subjetiva, de forma a não cumprir com o requisito do art. 93, IX, da CF/88. Precedentes. III - No caso concreto, embora a decisão de quebra de sigilos fiscal, bancário e telemático atendesse aos critérios materiais e objetivos, de forma subjetiva, careceu de individualização mínima, razão pela qual a ordem foi concedida neste STJ e, ainda, estendida a quem se encontrava em mesma situação (art. 580 do Código de Processo Penal). Agravo regimental desprovido. (AgRg no PExt no AgRg no HC n. 790.953/CE, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 27/5/2024, DJe de 3/6/2024.) - negritei. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES. NULIDADE. TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PRÓPRIA NO JULGAMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Como é de conhecimento, esta Corte Superior possui pacífico entendimento no sentido de que é possível a utilização da técnica de fundamentação per relationem, desde que o julgador apresente elementos próprios de convicção, ainda que de forma sucinta. 2. Na hipótese, verifica-se o Desembargador Relator empregou a técnica de fundamentação per relationem, sem utilizá-la, porém, como complementação a sua argumentação. Assim, observa-se a ausência de fundamentação própria no julgamento do recurso em sentido estrito, com patente ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da República. 3. Agravo regimental do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 801.040/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 6/3/2023) - negritei.
Quanto à análise sobre a alegada necessidade de revogação da prisão preventiva da recorrente, fica prejudicada diante do reconhecimento da ilegalidade do acórdão impugnado. Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para anular o acórdão combatido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que julgue novamente o Habeas Corpus n. 5031118-59.2024.8.21.7000, com a indicação de argumentação própria, ainda de forma concisa. Intimem-se. Brasília, 13 de junho de 2024. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator
(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 199431 - RS (2024/0213483-7) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJe/STJ nº 3886 de 14/06/2024)
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