STJ Jun24 - Importunação Sexual - Direto a Aplicação da Sursi Processual - Negativa do MP foi Baseada na Impossibilidade de ANPP :"analogia inmalam partem"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 197001 - SP (2024/0141280-4) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de C. D. B. apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ( Habeas Corpus n. 2016200-14.2024.8.26.0000).
Consta dos autos que o paciente foi denunciado como incurso no art. 215-A do Código Penal, tendo o Ministério Público se recusado a oferecer proposta de sursis processual, com fundamento em aplicação analógica do art. 28-A, § 2º, inciso IV, do Código de Processo Penal. Os autos foram encaminhados ao Procurador-Geral de Justiça, nos termos do enunciado n. 696 do Supremo Tribunal Federal, que confirmou a recusa. Irresignada, a defesa impetrou prévio writ, o qual foi julgado nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 102):
HABEAS CORPUS - IMPORTUNAÇÃO SEXUAL - PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, NOS TERMOS DO ART. 89, DA LEI 9.099/95 AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA NA RECUSA MOTIVADA DO TITULAR DA AÇÃO PENAL - ORDEM DENEGADA.
No presente mandamus, a defesa aduz, em síntese, que "as hipóteses de impedimento da propositura de acordo de não persecução penal previstas no § 2º, do artigo 28-A, do Código de Processo Penal, jamais poderiam ser emprestadas ao artigo 89 da Lei dos Juizados Especiais, em franco prejuízo do acusado".
Conclui, assim, que a justificativa apresentada não se mostra idônea para fundamentar a não propositura da suspensão condicional do processo. Pugna, com efeito, seja determinada nova vista ao Ministério Público para que, afastado o óbice ilegal, seja proposta a suspensão condicional do processo. O Ministério Público Federal se manifestou, às e-STJ fls. 209-213, nos seguintes termos:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DA PRÁTICA DELITIVA. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO (ART. 89 DA LEI N° 9.099/95 C/C ART. 77 DO CP). PRECEDENTES. PARECER PELO CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
É o relatório. Decido. Conforme relatado, a defesa se insurge, em síntese, contra a negativa de proposta de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, em virtude de óbice constante no art. 28-A do Código de Processo Penal, que trata do acordo de não persecução penal. Como é de conhecimento, o instituto da suspensão condicional do processo se aplica nas hipóteses em que "a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano", "desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)". O art. 77 do Código Penal, por seu turno, dispõe que o benefício ali disciplinado é cabível, desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.
Contudo, no caso dos autos, o benefício da suspensão condicional do processo foi negado com fundamento no art. 28-A, § 2º, inciso IV, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o acordo de não persecução penal não se aplica: I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
Relevante anotar que, embora a suspensão condicional do processo não se trate de mero direito subjetivo do réu, não pode ser obstado sem fundamentação idônea, em atenção à disciplina legalmente prevista. A propósito:
Para a concessão da suspensão condicional do processo é necessário, além do preenchimento dos requisitos objetivos, o atendimento às exigências de ordem subjetiva, dispostas no artigo 77 do Código Penal, referentes à adequação da medida em face da culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente, bem como dos motivos e circunstâncias do delito. (AgRg no HC 404.028/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 17/8/2017). (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.948.725/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/5/2022, DJe de 6/5/2022.)
Nessa linha de intelecção, verifica-se que a fundamentação declinada pelo Ministério Público para impedir o benefício requerido pela defesa, por meio da transposição de óbice previsto para instituto distinto, denota verdadeira analogia in malam partem, o que, como é de conhecimento, não se admite no direito penal. Manifesto, assim, o constrangimento ilegal imposto ao recorrente, haja vista a inidoneidade da fundamentação declinada pelo Ministério Público para impedir a proposta de suspensão condicional do processo, devendo os autos retornar ao parquet para novo exame, em observância ao regramento legal, a respeito da aplicabilidade do benefício.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso em habeas corpus, determinando o retorno dos autos ao Ministério Público, para que avalie a aplicabilidade do benefício previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/1995. Publique-se. Brasília, 03 de junho de 2024.
(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 197001 - SP (2024/0141280-4) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJe/STJ nº 3878 de 04/06/2024)
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