STJ Jun24 - Interrogatório Antes de Oitiva de Testemunha de Acusação - Inversão do Rito Processual - Nulidade da Condenação Por Corrupção

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

RECURSO ESPECIAL Nº 2119045 - PR (2024/0015900-9) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA

DECISÃO Trata-se de recursos especiais interpostos por AXXXXXXO STRICTAR (e-STJ fls. 1906-1936); EROS LXXXXXXA (e-STJ fls. 2228-2257) e MÁRIOXXXXXXXXTO (e-STJ fls. 2338-2383) contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, que negou provimento às apelações dos dois primeiros e deu parcial provimento à apelação do terceiro somente para afastar a valoração negativa da conduta social na dosimetria da pena (e-STJ fls. 1717-1748).

Os recorrentes Eros e Mario foram denunciados e, ao final, condenados pela prática do crime de corrupção ativa (art. 333 do CP) e o recorrente Augusto foi denunciado e, ao final, condenado pela prática do crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), por terem, os dois primeiros, em diferentes oportunidades e com periodicidade mensal, entregado R$ 2.000,00 em dinheiro ao terceiro para que este, na qualidade de policial civil, deixasse de fiscalizar e coibir as atividades ilícitas de jogos de azar desenvolvidas pelos primeiros na denominada "Banca Leão de Ouro" (e-STJ fls. 236-241 e e-STJ fls. 998-1061).

Após a confirmação da condenação em segunda instância, os recorrentes interpuseram os presentes recursos especiais, todos admitidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (e-STJ fls. 2071-2073; 2273-2275 e 2395- 2397 O recorrente Augusto interpôs o recurso especial com base na alínea a e c, do art. 105, inc. III, da CF alegando, em síntese, (i) negativa de vigência ao art. 222, §3º c.c. art. 400 do CPP, uma vez que, no caso, "o último ato foi a oitiva de uma testemunha de acusação em audiência"; (ii) negativa de vigência ao art. 386, inc. VII, do CPP, pois "nenhuma das referidas condutas restou demonstrada, pelo contrário, os depoimentos constantes aos autos somente atestam pela inocência do Recorrente.

A insuficiência de elementos probatórios para sustentar o decreto condenatório enseja a necessidade de absolvição do apelante na forma do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal" e (iii) divergência da interpretação conferida ao art. 400 e ao art. 386, ambos do CPP pelo acórdão recorrido com a interpretação conferida por outros Tribunais pátrios (e-STJ fls. 1906-1936).

O recorrente Eros interpôs o recurso especial com base com base na alínea a do art. 105, inc. III, da CF alegando, em síntese, (i) negativa de vigência ao art. 315, inc. III, do CPP, uma vez que o acórdão "limitou-se a argumentar com base na gravidade em abstrato do delito, mediante a repetição dos dispositivos legais e a utilização de fórmulas retóricas que, em tese, serviriam para qualquer situação"; (ii) negativa de vigência aos arts. 156, 222, §1º c.c. art. 400 do CPP, uma vez que, no caso, houve inversão de atos e realização de interrogatório antes da oitiva de testemunha de acusação; (ii) negativa de vigência ao art. 386, inc. VII, do CPP, pois o acórdão condenou o recorrente sem provas suficientes e (iii) contrariedade ao art. 59 do CP, pois deveria ter sido feita a necessária ponderação da culpabilidade e a ausência de dolo deveria ter sido considerada (e-STJ fls. 2228-2257).

O recorrente Mário Afonso interpôs o recurso especial com base na alínea a, do art. 105, inc. III, da CF alegando, em síntese, (i) negativa de vigência ao art. 222, §3º c.c. art. 400 do CPP, uma vez que, no caso houve "a inversão da ordem de oitiva de testemunha de acusação com o interrogatório"; (ii) negativa de vigência ao art. 200 do CPP, pois sua confissão não foi considerada na integralidade e, caso fosse, se verificaria a ocorrência de hipótese de crime putativo por erro de tipo, pois "o corréu Eros Lourenço de Almeida ludibriava o recorrente com aquele suposto propósito (pagamento de propina a policiais) para se apropriar das quantias que Mario lhe autorizava a retirar da banca para aquela outra finalidade"; (iii) negativa de vigência ao art. 333 c.c. art. 71, ambos do CP, uma vez que o acórdão aplicou indevidamente a regra do crime continuado, pois "a configuração de distintos pagamentos a partir de um único prévio ajuste não é capaz, por si só, de configurar hipótese de continuidade delitiva" e (iv) negativa de vigência ao art. 44 do CP, pois o acórdão não aplicou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, apesar de ter afastado o vetor negativo da conduta social (e-STJ fls. 2338- 2383).

As contrarrazões foram apresentadas pelo Ministério Público Estadual (e-STJ fls. 2062-2068; 2260-2271 e 2386-2393). O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo conhecimento parcial dos recursos e, na parte conhecida, pelo desprovimento (e-STJ fls. 2582-2597).

É o relatório. Decido.

Os recursos são tempestivos e estão com a representação processual correta. Os recorrentes indicaram os permissivos constitucionais que embasam os recursos, porém não indicaram todos os dispositivos de lei federal supostamente violados, o que conduz à deficiência de fundamentação de algumas teses e o não conhecimento parcial dos recursos, com base no óbice da súmula nº 284 do STF.

O recurso especial de Eros, com relação à tese de contrariedade ao art. 59 do CP, padece da mencionada deficiência de fundamentação, pois afirma que o acórdão recorrido violou o mencionado dispositivo ao não considerar a ausência de dolo do agente, porém o art. 59 do CP não disciplina o conceito ou a presença ou ausência de dolo e, de outro lado, a ausência de dolo não impacta na dosimetria da pena, matéria regulada pelo dispositivo em questão, mas sim na própria atipicidade da conduta. Portanto, não conheço o recurso de Eros nessa parte.

O recurso especial de Mário Afonso, com relação à tese da negativa de vigência ao art. 200 do CPP, também padece da mencionada deficiência de fundamentação, pois afirma que o acórdão recorrido violou tal dispositivo ao não considerar a confissão integral do recorrente, o que levaria ao reconhecimento do crime putativo.

O problema é que o mencionado dispositivo não disciplina a presença ou ausência do crime putativo e, principalmente, da realização ou não do crime de corrupção ativa, que é a discussão mencionada, mas sim sobre a mera divisibilidade e retratabilidade da confissão.

Portanto, não há pertinência entre a violação alegada e as razões veiculadas, razão pela qual não conheço do recurso de Mário Afonso nessa parte. Com relação aos demais pontos, os recursos apontaram os dispositivos de lei federal supostamente violados, demonstrando pertinência na fundamentação (não incidência da súmula nº 284 do STF).

Observa-se, ainda, que o acórdão recorrido examinou expressamente as matérias arguidas pelos recursos, cumprindo com a exigência do prequestionamento, e apresentou fundamentos de cunho infraconstitucional (não incidência da súmula 126 do STJ), todos rebatidos nas razões recursais (não incidência da súmula 283 do STF).

Por fim, no entanto, verifica-se que parte das matérias arguidas exigem reexame de provas, pois contestam a própria ocorrência dos fatos que o acórdão considerou como verdadeiros para examinar o caso. Assim, não conheço dos recursos especiais de Augusto e de Eros na tese da negativa de vigência e interpretação divergente ao art. 386, inc. VII, do CPP por conta do óbice da súmula nº 7 do STJ.

Por outro lado, as teses remanescentes não exigem o reexame de provas, pois partem de fatos incontroversos nos autos para discutir questões preliminares de nulidade e de dosimetria da pena (não incidência da súmula nº 7 do STJ). Sendo assim, conheço do recurso especial de Eros com relação à tese da negativa de vigência ao art. 315, §2º, inc. III, do CPP; conheço dos três recursos especiais com relação à tese da negativa de vigência ao art. 400 do CPP e conheço do recurso especial de Mário Afonso com relação às teses de negativa de vigência ao art. 333 c.c. art. 71, ambos do CP, e negativa de vigência ao art. 44 do CP.

(i) negativa de vigência ao art. 315, §2º inc. III, do CPP

O recorrente Eros argumenta que o acórdão negou vigência ao mencionado dispositivo, pois ignorou que a sentença "limitou-se a argumentar com base na gravidade em abstrato do delito, mediante a repetição dos dispositivos legais e a utilização de fórmulas retóricas que, em tese, serviriam para qualquer situação" (e-STJ fl. 2236). Porém, a mencionada contrariedade não está presente. O dispositivo em questão elenca as hipóteses em que a decisão judicial está desfundamentada, dentre as quais a decisão que "invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão". No caso, ao tratar da falta de fundamentação da sentença, o acórdão assim se manifestou:

[...]. No presente caso, ao contrário do alegado, não há que se falar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação, vez que a mesma justificou devidamente os motivos que levaram o julgador singular a entender pela condenação do acusado e dos corréus. Veja-se que no caso o julgador singular analisou as provas acostadas aos autos e, de acordo com o seu livre convencimento motivado, bem explicitou e fundamentou as razões pelas quais entendeu pela condenação do Apelante como incurso nas sanções do art. 333, parágrafo único, do Código Penal.... E, da análise da sentença constata-se que esta está devidamente fundamentada, apresentando, fundamentos de fato e de direito para condenar o acusado pela prática do delito pelo qual foi denunciado [...] (e-STJ fls. 1728-1729).

Não há que se falar, portanto, em contrariedade ao mencionado dispositivo, pois o acórdão constatou que a sentença não invocou meros motivos genéricos, prestáveis a qualquer outra decisão, mas sim se valeu de fundamentos de fato e de direito para concluir pela condenação dos recorrentes. Assim, nego provimento ao recurso especial quanto à negativa de vigência ao art. 315, §2º, inc. III, do CPP.

(ii) negativa de vigência ao art. 400 c.c. art. 222 do CPP

Os três recorrentes argumentam que houve violação ao art. 400 do CPP, pois o acórdão recorrido, apesar de reconhecer a inversão de atos judiciais na instrução, já que a oitiva da testemunha de acusação Carlos Alexandre Bacchi Elvira ocorreu após os interrogatórios dos réus, não declarou a nulidade da instrução processual.

O mencionado dispositivo legal afirma que "Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado".

Esta Colenda Corte, ao analisar especificamente se seria possível a realização do interrogatório do réu antes da oitiva de testemunhas quando estas forem ouvidas por carta precatória, fixou a seguinte tese no tema repetitivo 1114: "O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório.

O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu". Verifica-se, portanto, que o mencionado dispositivo legal é expresso e esta col. Corte já confirmou que o interrogatório é o último ato judicial da instrução probatória. Assim, quando houver a inversão da ordem, será possível decretar a nulidade dos atos judiciais, desde que verificados dois requisitos: (i) inocorrência de preclusão e (ii) demonstração de prejuízo ao réu. No caso, o acórdão assim se manifestou sobre a questão:

[...]. Destaque-se o interrogatório dos réus foi realizado em 19.08.2020, quando ainda estava pendente a oitiva da testemunha arrolada pela acusação Carlos Alexandre Bacchi Elvira. E em que pese a oitiva da referida testemunha tenha se dado por videoconferência, na data de 27.10.2020 (mov. 412.1), não há que se negar que ocorreu em decorrência da carta precatória expedida em 19.11.2018 (mov. 409.1), sendo o ato devidamente realizado na presença dos defensores dos acusados. Acrescenta-se que foi o próprio Juiz Deprecado que nos autos de Carta Precatória nº 0026474-09.2018.8.16.0017, considerando a necessidade de redesignação do ato deprecado, solicitou ao Juízo Deprecante que realizasse o agendamento da audiência em continuação por videoconferência (mov. 409.30 dos autos de ação penal). Pontua-se que a oitiva da testemunha por carta precatória por meio de videoconferência encontra previsão no próprio artigo 222, do Código de Processo Penal, em seu parágrafo terceiro. Dessa forma, ainda que por videoconferência, a oitiva da testemunha Carlos Alexandre Bacchi Elvira deu-se por meio de carta precatória, integrando o rito do art. 222, do CPP... Ainda, observa-se nos autos que o depoimento do policial do GAECO Carlos Alexandre Bacchi Elvira deu-se no mesmo sentido do depoimento do também policial do GAECO Agnaldo Cortez. De tal forma, a oitiva da referida testemunha não apresentou grandes informações de acusação que eram estranhas à instrução processual quando da realização da autodefesa por meio do interrogatório dos acusados. [...] Destarte, em razão da ausência de demonstração de prejuízo ao acusado, consoante o artigo 563 do Código de Processo Penal e em atenção ao princípio pas de nullité sans grief, não há que se falar em nulidade da audiência de instrução e julgamento realizada com o interrogatório dos acusados, antes do cumprimento da oitiva da testemunha faltante [...] (e-STJ fls. 1723-1727).

Desta forma, diante da realização dos interrogatórios antes da oitiva de testemunha de acusação e observado que não houve preclusão e que dessa inversão decorreu prejuízo aos réus, ao não declarar a nulidade do processo, o acórdão negou vigência ao art. 400 c.c. art. 222 do CPP.

Ante todo o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, na parte conhecida, dou-lhe parcial provimento para reconhecer a negativa de vigência ao art. 400 c.c. art. 222 do CPP e declarar a nulidade do processo desde a audiência que realizou os interrogatórios dos réus antes da oitiva da testemunha de acusação Carlos Alexandre Bacchi Elvira, devendo esse ato ser novamente realizado e, somente após a sua oitiva, é que os interrogatórios deverão ser feitos.

Julgo ainda prejudicado o exame da negativa de vigência ao art. 333 c.c. art. 71, ambos do CP, e da negativa de vigência ao art. 44 do CP. Ciência ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intime-se. Brasília, 12 de junho de 2024. Ministra Daniela Teixeira Relatora

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 2119045 - PR (2024/0015900-9) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA, Dje: Publicação no DJe/STJ nº 3886 de 14/06/2024)

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