STJ Jun24 - Suspeição do Juiz de Primeiro Grau ":a Juíza assumiu postura excessivamente proativa ao sugestionar as respostas das testemunhas" e Comportamento Exagerado em AIJ
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. EXISTÊNCIA. CABIMENTO. EFEITOS INFRINGENTES. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do comando normativo insculpido no art. 619 do CPP, o recurso integrativo tem como escopo corrigir omissões, obscuridades, contradições ou ambiguidades eventualmente existentes no provimento judicial. 2. O fato de ser reconhecida determinada nulidade no curso do processo perpetrada pelo juiz primevo não enseja, necessariamente, a suspeição desse magistrado. Todavia, algumas das particularidades apresentadas anteriormente e reiteradas nos aclaratórios, de fato, não haviam sido por mim detidamente analisadas, sendo que, após o atento exame, concluo que toda a dinâmica envolvendo o presente caso tornou a magistrada suspeita. 3. Além da não observância do procedimento previsto no art. 212 do Código de Processo Penal, conforme já reconhecido por mim nos autos do HC 726.749/SP, a Juíza assumiu postura excessivamente proativa ao sugestionar as respostas das testemunhas, o que entendo ser capaz de gerar influência indevida na colheita de provas. 4. Além disso, o embargante relata descomedimentos e exageros ocorridos em audiência (fls. 1.665/1.666). Tais fatos demonstram certa arbitrariedade da magistrada, sugestionando a sua perda da parcialidade, o que é inadmissível aos julgadores, pois a exigência de imparcialidade constitui um dos pilares estruturantes do Estado Democrático de Direito. 5. Diante do contexto trazido nos autos, especialmente, o excessivo protagonismo exercido, e certos exageros, entendo que os atos perpetrados pela Magistrada não conferem a total imparcialidade nem a certeza de que o julgamento seria destituído de predisposição e de preconceito quanto à culpabilidade do ora embargante, sendo imperioso assegurar ao réu o direito fundamental de ser julgado por juiz absolutamente isento, que possa analisar o litígio com o distanciamento necessário. 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, a fim de dar parcial provimento ao agravo regimental para reconhecer a suspeição da Juíza de Direito e determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo designe outro julgador para assumir o Processo n. 1504832-78.2019.8.26.0602, a partir da fase do art. 402 do Código de Processo Penal (requerimento de diligências), proferindo nova sentença nos autos.
(STJ - EDcl no AgRg no HC: 763021 SP 2022/0248886-3, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 04/06/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2024)
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NO VOTO:
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos por Jefferson Lucas ao acórdão de minha relatoria que negou provimento ao agravo regimental (fls. 1.620/1.625) interposto contra decisão denegatória da ordem de habeas corpus (fls. 650/657).
Consta do processo que o embargante havia sido condenado, em primeiro g rau de jurisdição, à pena privativa de liberdade de 15 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 360 dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 159, caput, c/c o art. 62, I, do Código Penal (fls. 167/248).
A acusação e a defesa interpuseram recursos de apelação, tendo o Tribunal de origem negado provimento ao recurso do Ministério Público estadual e dado parcial provimento ao recurso defensivo do ora embargante, tão somente para afastar, por falta de previsão legal, as penas de multa que haviam sido impostas aos réus (fls. 251/273) .
Os embargos de declaração opostos pela defesa do réu foram rejeitados pela Corte de origem (fls. 274/276).
Interposto recurso especial e recurso extraordinário, em 4/3/2022, aquele não foi admitido (fls. 277/279) e a este foi parcialmente negado seguimento pela Corte local e, no mais, inadmitido (fls. 280/283).
Nos autos do Habeas Corpus n. 726.749, em 6/5/2022, proferi decisão monocrática concedendo a ordem para reconhecer a nulidade da Ação Penal n. 1504832-78.2019.8.26.0602 a partir da audiência de instrução, determinando a renovação do ato.
Em cumprimento à referida ordem, a instrução foi renovada pela Magistrada
a quo.
Neste novo writ, alega a defesa, em síntese, a parcialidade da Juíza primeva. Aduz que a Magistrada sugestionou respostas causando prejuízo concreto ao paciente (fl. 43) e que a prova não foi somente colhida de forma incorreta. Ela foi colhida de forma incriminadora, com nítida finalidade de produzir prova que favorecesse a acusação (fl. 43).
Requer seja reconhecida a SUSPEIÇÃO da magistrada de primeira instância MARGARETE PELLIZARI, por consequência lógica à decisão do HC 726.749/SP, proferida por este C. STJ, que anulou a audiência de instrução por condutas inadequadas da magistrada, ocorrendo com a decisão do STJ IMPEDIMENTO ABSOLUTO da magistrada, e ante sua conduta flagrantemente parcial adotada durante todo o trâmite processual, que inclusive motivou a anulação da instrução (fls. 3/45).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 482/487).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da impetração (fls. 586/592).
Em 22/10/2022, proferi decisão denegando a ordem de habeas corpu s e julgando prejudicado o pedido de tutela provisória incidental de fls. 594/649 (fls. 650/657).
A defesa interpôs agravo regimental reiterando o pleito de reconhecimento da suspeição da magistrada de primeiro grau (fls. 659/666).
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negou provimento ao recurso (fls. 1.620/1.625).
Em 4/3/2024, a defesa opôs embargos declaratórios pleiteando efeitos infringentes para que seja reconhecida a suspeição da Magistrada, nos termos propostos pelo voto vencido (fls. 1.654/1.668).
O Ministério Público Federal pugnou pela rejeição dos embargos de declaração (fls. 1680/1683).
É o relatório.
VOTO
Os presentes embargos de declaração devem ser conhecidos, já que reúnem os requisitos de admissibilidade, e, no mérito, acolhidos.
Como é sabido, nos termos do comando normativo insculpido no art. 619 do CPP, o recurso integrativo tem como escopo corrigir omissões, obscuridades, contradições ou ambiguidades eventualmente existentes no provimento judicial.
Pois bem, no presente caso, a defesa sustenta nos embargos que as considerações e fundamentação lançada no voto-vista proferido pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz não foram analisadas e que tais particularidades possuem o condão de alterar a conclusão por mim alcançada no voto vencedor.
Aponta, especificamente, que o caso dos autos trata de suspeição da magistrada e não de impedimento, e que não houve a análise das teses aventadas de que se enquadraria no art. 254 do CPP, conforme compreensão lançada no voto vencido. Esclarece que o voto vencedor tão somente apontou que o caso não se enquadraria no rol exemplificativo do mencionado dispositivo legal, mas que não examinou detidamente as situações mencionadas que, ao contrário do afirmado, caracterizariam, de fato, a suspeição da magistrada.
Registra que o fato de a Juíza sugerir respostas durante os interrogatórios, visando obter confirmações que se alinham às suas expectativas [...], exerce uma influência desproporcional sobre os réus, que, diante da autoridade judicial, podem sentir-se compelidos a fornecer a "confirmação" esperada, mesmo que isso não reflita a verdade dos fatos ou a sua real intenção (fl. 1.659 - grifo no original).
Pontua que também ficou configurada a predisposição à condenação e que tais fatos configuram um quadro de violações sistemáticas dos direitos fundamentais dos acusados, onde o direito à um julgamento justo e imparcial é apenas ilusório (fl. 1.659).
Pois bem, registro, inicialmente, que, conforme me manifestei oralmente
quando do julgamento do agravo regimental, o fato de ser reconhecida determinada nulidade no curso do processo perpetrada pelo juiz primevo não enseja necessariamente a suspeição desse magistrado. Todavia, verifico que algumas das particularidades apresentadas anteriormente e reiteradas nos aclaratórios, de fato, não haviam sido por mim detidamente analisadas, sendo que, após o atento exame, concluo que toda a dinâmica envolvendo o presente caso tornou a Magistrada suspeita. Explico.
Além da não observância do procedimento previsto no art. 212 do Código de Processo Penal, conforme já reconhecido por mim nos autos do HC n. 726.749/SP, a Juíza assumiu postura excessivamente proativa ao sugestionar as respostas das testemunhas.
Quanto ao procedimento, concluí, na decisão proferida no mencionado habeas corpus, que a Juíza de Direito da 2a Vara Criminal da comarca de Sorocaba/SP, no caso em concreto, não exerceu a indispensável equidistância durante a audiência de instrução e julgamento, consoante o disposto no art. 212 do Código de Processo Penal , pois da atenta leitura dos autos denota-se que, segundo a degravação realizada por peritos (fls. 290/500),a Magistrada protagonizou toda audiência perquirindo por diversas vezes a vítima protegida, ou seja, foram 257 questionamento da Magistrada, 54 do Ministério Público e 53 da Defesa técnica (fl. 589 daqueles autos).
Reconheci, então, que, no ato de colheita de prova oral, houve a quebra da necessária imparcialidade do Poder Judiciário (fl. 590 daqueles autos), o que, por si só, reitero, não acarretaria a suspeição da Juíza.
Todavia, a defesa demonstra também que houve sugestionamento de respostas, o que ficou evidenciado no voto vencido proferido pelo eminente Ministro Rogerio Schietti Cruz, quando do julgamento do agravo regimental (fl. 1.646). E, assim como o colega, constatei que algumas perguntas mais pareceram afirmações do que questionamentos, o que entendo ser capaz de gerar influência indevida na colheita de provas. Além disso, o embargante relata descomedimentos e exageros ocorridos em audiência (fls. 1.665/1.666). Tais fatos demonstram certa arbitrariedade da magistrada, sugestionando a sua perda da parcialidade, o que é inadmissível aos julgadores, pois a exigência de imparcialidade constitui um dos pilares estruturantes do Estado
Democrático de Direito.
A esse respeito, relembro que as hipóteses previstas no art. 254 do Código de Processo Penal são exemplificativas, sendo certo que, como bem destacado no mencionado voto vencido (fl. 1.644 - grifo no original):
[...] outras situações nele não enquadradas podem justificar o afastamento do julgador, se demonstrada alguma vinculação subjetiva dele com uma das partes, apta a comprometer sua imparcialidade. É didática, a respeito, a distinção feita pelo Ministro Ribeiro Dantas no RHC n. 57.488/RS (5a T., DJe 10/10/2016 - grifei):
Diante disso, consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores sustenta que as hipóteses causadoras de impedimento, constantes no art. 252 e 253 do Código de Processo Penal são taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado.
[...]
Diversamente, as causas de suspeição vinculam subjetivamente o magistrado a uma das partes (causa subjetiva), motivo pelo qual possuem previsão legal com a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, haja vista haver infinidade de vínculos subjetivos com aptidão de corromper a imparcialidade do julgador. Por conseguinte, mais condizente com a interpretação teleológica da norma é concluir ser o rol de causas de suspeição do art. 254 meramente exemplificativo, como bem estende esta Corte.
[...]
A conclusão igualmente é corolário de interpretação sistêmica da tutela processual, pois, se há cláusula geral de suspeição no âmbito processual civil, que não tutela a liberdade de locomoção, imperativo que a citada abrangência seja conferida às partes do processo penal. Diante da ausência de previsão legal expressa, de rigor a aplicação subsidiária, nos termos do art. 3º do CPP, da cláusula geral de suspeição do art. 145, IV, do Novo Código de Processo Civil, para considerar a existência de suspeição nas hipóteses em que houver interesses exoprocessuais do magistrado no julgamento da causa.
Ainda no mesmo sentido, trago a preciosa lição lançada pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, em seu voto no HC n. 164.493/DF, vejamos (grifo nosso):
É que para fins de se aferir a manutenção da imparcialidade objetiva do magistrado o que se faz relevante não é apenas examinar se os atos por ele praticados isoladamente encontrariam agasalho na legislação aplicável. O que se deve investigar aqui é o significado contextualizado do encadeamento das decisões judiciais do ex-juiz; seus motivos explícitos ou implícitos de prolação, suas repercussões intencionais sobre a condução do processo e, principalmente, as suas repercussões para a percepção objetiva sobre se o magistrado cumpre ou não o seu dever de independência.
Partindo-se da Teoria da Aparência Geral de Imparcialidade, a avaliação aqui desenvolvida, portanto, deve ter como parâmetro o prisma da imparcialidade objetiva.
Assim, não se cuida de discutir aqui se o Juiz, na sua dimensão subjetiva, nutria afeição ou desapreço pelo acusado. O que se deve perguntar de forma simples e direta é: diante de todo o conjunto de atos jurisdicionais praticados [...], ainda é possível manter a percepção de que o julgamento do paciente deste HC foi realizado por um juiz despido de todo e qualquer preconceito acerca da culpabilidade do acusado? É ainda possível afirmar que a decisão condenatória assinada pelo magistrado serviria unicamente à realização do interesse da Justiça, independente dos desígnios pessoais do magistrado? As respostas a essas duas questões, infelizmente, parecem, com todas as vênias, serem negativas.
No mais, registro que o art. 8º do Código de Ética da Magistratura, editado pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2008, estabelece que:
"O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evitar todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".
Assim, diante do contexto trazido nos autos, especialmente, o excessivo protagonismo exercido, e certos exageros, entendo que os atos perpetrados pela Magistrada não conferem a total imparcialidade nem a certeza de que o julgamento seria destituído de predisposição e de preconceito quanto à culpabilidade do ora embargante, sendo imperioso assegurar ao réu o direito fundamental de ser julgado por juiz absolutamente isento, que possa analisar o litígio com o distanciamento necessário.
No mais, considerando que já fora providenciado o refazimento das audiências de instrução, como anteriormente determinado no HC n. 726.749/SP, e não tendo sido apontada ilegalidade na colheita dessa nova prova, entendo, no mesmo sentido que já havia manifestado o Ministro Rogerio Schietti Cruz, que deverá outro julgador assumir a condução do feito a partir da fase de diligências (art. 402 do CPP), inclusive, viabilizando a reabertura de prazo para as partes para tal finalidade, no intuito de regularizar o bom andamento da ação penal para, na sequência, proferir sentença.
Ante o exposto, a fim de sanar a omissão apontada, acolho os embargos de declaração para, com efeitos infringentes, dar parcial provimento ao agravo regimental para reconhecer a suspeição da Juíza de Direito e determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo designe outro julgador para assumir o Processo n. 1504832- 78.2019.8.26.0602, a partir da fase do art. 402 do Código de Processo Penal (requerimento de diligências), proferindo nova sentença nos autos.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
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