STJ Abr24 - Desclassificação Art.33 para Art. 28 (usuário) da Lei de Drogas :"Condenação Baseada nos Depoimentos de Guardas Municipais, que não têm competências investigativas"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de XXXXXX, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (APC nº 1510340-84.2024.8.26.0228). Consta dos autos que os pacientes foram condenados como incursos no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 à pena de 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, em regime fechado, e 680 dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 420):
EMENTA: DIREITO PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame: Recurso de apelação alegando nulidade na atuação dos guardas civis municipais e pleiteando desclassificação da conduta para uso de drogas, além de revisão da dosimetria da pena. II. Questão em Discussão: Verificar: (i) nulidade da atuação dos guardas civis municipais; (ii) possibilidade de desclassificação da conduta para uso de drogas; (iii) presença de maus antecedentes e reincidência do réu Daniel; (iv) adequação do regime prisional e substituição da pena. III. Razões de Decidir: A nulidade suscitada não comporta acolhimento, pois os guardas municipais agiram dentro da legalidade ao realizar prisão em flagrante, conforme precedentes do STJ. As provas nos autos demonstram a prática de tráfico de drogas, sendo inviável a desclassificação para uso. A dosimetria da pena foi corretamente aplicada, considerando os antecedentes e reincidência dos réus. IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. Guardas municipais podem realizar prisão em flagrante. 2. A prática de tráfico de drogas não se descaracteriza pela condição de usuário. Legislação Citada: Lei nº 11.343/06, art. 33, caput. Código de Processo Penal, art. 301. Jurisprudência Citada: STJ, HC 471.229-SP.
No presente mandamus, a defesa aduz, em síntese, que os guardas municipais extrapolaram suas funções ao realizar a abordagem dos pacientes, configurando usurpação de função policial investigativa, o que torna as provas obtidas ilícitas.
Afirma que a abordagem dos pacientes se deu em decorrência de pedido da central de monitoramento municipal, sem que os guardas tenham efetivamente visto qualquer ato ilícito.
Caso se entenda pela legalidade das provas, que seja a conduta desclassificada para o art. 28 da Lei n. 11.343/06, pois, acerca da alegada prática do tráfico, há apenas prova de ouvir dizer, insuficiente para a condenação. Pugna, liminarmente e no mérito, seja declarada a nulidade do processo desde o início, diante da ilicitude da prova, ou seja desclassificada a conduta para aquela prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019). Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade.
A jurisprudência desta Corte Superior, após o julgamento do Recurso Especial n. 1.977.119/SP, em 16/8/2022, da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, havia se sedimentado no sentido de que os integrantes da guarda municipal teriam função delimitada, não tendo atribuição de policiamento ostensivo, devendo sua atuação se limitar à proteção de bens, serviços e instalações do município.
Assim, somente em situações absolutamente excepcionais a guarda municipal poderia realizar a abordagem de pessoas e a busca pessoal, quando a ação se mostrasse diretamente relacionada à finalidade da corporação. De igual sorte, não haveria óbice a atuação em situação de flagrante delito, em atenção ao art. 301 do Código de Processo Penal. Sobreveio decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 995/DF, proferida em 25/8/2023, julgando procedente a ação, "para, nos termos do artigo 144, § 8º, da CF, conceder interpretação conforme à Constituição ao artigo 4º da Lei n. 13.022/2014 e ao artigo 9º da lei n. 13.675/2018 declarando inconstitucional todas as interpretações judiciais que excluem as Guardas Municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública".
Nesse contexto, em consonância com o entendimento desta Corte Superior, registrou-se que "as Guardas Municipais têm entre suas atribuições primordiais o poder-dever de prevenir, inibir e coibir, pela presença e vigilância, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais.
Trata-se de atividade típica de segurança pública exercida na tutela do patrimônio municipal". Embora fosse possível dar uma interpretação mais ampla à atividade dos guardas municipais, para considerar que, "igualmente, a atuação preventiva e permanentemente, no território do município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais é atividade típica de órgão de segurança pública", a Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do Habeas Corpus n. 830.530/SP, concluiu que o julgamento da ADPF n. 995/DF não interfere na jurisprudência já sedimentada, reafirmando, assim, o entendimento prevalente nesta Corte quanto aos limites da atuação dos guardas civis municipais.
Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal por ocasião da apreciação do Recurso Extraordinário n. 608.588/SP (Tema n. 656 da repercussão geral), fixou a tese no sentido de que "É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional".
Desse modo, prevaleceu na Suprema Corte a orientação no sentido de que as guardas municipais podem realizar o policiamento ostensivo e comunitário. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendido que a revista pessoal sem autorização judicial prévia somente pode ser realizada diante de fundadas suspeitas de que a pessoa oculte consigo arma proibida, coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos ou objetos necessários à prova de infração, na forma do disposto no § 2º do art. 240 e no art. 244, ambos do Código de Processo Penal.
Nessa linha de entendimento, "não satisfazem a exigência legal, por si sós [para a realização de busca pessoal/veicular], meras informações de fonte não identificada (e. g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de 'fundada suspeita' exigido pelo art. 244 do CPP" (RHC n. 158.580/BA, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022).
Na espécie, a fim de melhor compreender os fatos, extrai-se da denúncia (e-STJ fls. 10/11):
Consta destes autos que, em 25 de abril de 2024, por volta das 13 horas, guardas civis metropolitanos dirigiram-se à Rua dos Protestantes, altura do nº 87, República, nesta cidade e comarca, região conhecida como “cena aberta de uso da Cracolândia”, após serem acionados para verificar três indivíduos que estariam desmontando uma barraca utilizada para tráfico de entorpecentes. No local, ante as características físicas e vestes indicadas via rádio, os guardas abordaram DANIEL NATANAEL DE OLIVEIRA e THIAGO MOURA DOS SANTOS, que estavam na companhia de um terceiro indivíduo não identificado, o qual se evadiu ao notar que seria abordado. Em regular procedimento de revista, os guardas localizaram, na posse de DANIEL, escondidos em seu calçado, 06 porções de cocaína e a quantia de R$ 1.106,00, e, na posse de THIAGO, 01 porção de crack – produzido à base de cocaína – 01 porção de maconha e 01 porção do que se supõe ser “K9” – modalidade de maconha com superior concentração de “TETRAHIDROCANNABINOL” –, além da quantia de R$ 92,00 (fls.06/10, 12/13 e 27/31). Referidas drogas os ora denunciados traziam consigo, em concurso e com identidade de propósitos, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, para o fim de tráfico. [...].
Por sua vez, a Corte Local, ao denegar a ordem do writ originário, afastou a aventada nulidade da abordagem da guarda civil municipal assim fundamentando (e-STJ fl. 421/):
De proêmio, verifica-se que a nulidade suscitada não comporta acolhimento. Com efeito, a despeito das alegações defensivas, extrai-se dos depoimentos dos guardas municipais que eles receberam informação de que, naquela região em que realizavam suas atividades, havia três indivíduos praticando o tráfico de entorpecentes e, ao se aproximarem de indivíduos com as características passadas, notaram que eles escondiam algo e um deles empreendeu fuga, levantando suspeitas acerca da veracidade da informação, o que justificou a abordagem por parte dos guardas civis. E, como se sabe, os guardas municipais, assim como qualquer do povo, estão autorizados a realizar prisão em flagrante delito. Nesse sentido, já decidiu o Col. Superior Tribunal de Justiça: “É assente nesta Corte Superior de Justiça a orientação de que os integrantes da guarda municipal não desempenham a função de policiamento ostensivo; todavia, em situações de flagrante delito, como restou evidenciado ser o caso, a atuação dos agentes municipais está respaldada no comando legal do art. 301 do Código de Processo Penal” (STJ, HC 471.229-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. em 19/02/2019). Fica afastada, portanto, a preliminar aventada.
Dos trechos acima transcritos, constata-se que os guardas civis municipais, diante de informações da prática de tráfico na localidade em que desempenhavam suas atividades, dirigiram-se ao local noticiado, onde efetivamente visualizaram três indivíduos que esconderam algo ao perceber a presença dos guardas, tendo um deles, inclusive, empreendido fuga, o que ensejou a fundada suspeita da prática de tráfico, com a consequente abordagem dos pacientes.
Assim, diante do contexto fático delineado, não se pode falar em atividade investigativa desenvolvida pela guarda municipal, mas sim do exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, nos termos do que fixado no Tema 656 do STF. Nesse sentido, confira-se, mutatis mutandis:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO TENTADO. RECONHECIMENTO PESSOAL. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS AUTÔNOMAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. VALIDADE DA ATUAÇÃO. TEMA 656 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM MODIFICAÇÃO DO JULGADO. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal contra acórdão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que concedeu ordem de habeas corpus de ofício para declarar a nulidade do reconhecimento fotográfico e da prisão em flagrante realizada por guardas municipais, absolvendo o paciente do crime de latrocínio tentado. O embargante sustenta omissões e contradições na decisão, destacando a existência de outras provas autônomas para a condenação, a validade do reconhecimento pessoal realizado em juízo e a legitimidade da atuação da Guarda Municipal na prisão em flagrante. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se a condenação do paciente pode ser mantida com base em provas autônomas, independentemente da suposta nulidade do reconhecimento inicial; (ii) determinar se a atuação da Guarda Municipal ao efetuar a prisão em flagrante do réu, após acionamento por populares, é legítima; e (iii) examinar se a ordem de habeas corpus concedida de ofício deve ser revista diante da reavaliação do conjunto probatório. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O reconhecimento pessoal realizado na Delegacia de Polícia logo após a prisão em flagrante do paciente, bem como sua posterior confirmação em audiência judicial, observando o disposto no art. 226 do CPP, são válidos e corroboram a autoria do crime. 4. A condenação deixa de basear-se exclusivamente no reconhecimento da vítima, mas também em depoimentos testemunhais coerentes e na prisão do paciente dentro de uma escola pública logo após a prática do crime, reforçando a suficiência probatória. 5. A Guarda Municipal agiu legitimamente ao efetuar a prisão em flagrante do paciente, uma vez que foi acionada por populares sobre um tiroteio envolvendo tentativa de assalto e vítima ferida, sendo a intervenção necessária para a segurança pública e proteção do patrimônio municipal. 6. A GCM foi acionada porque o possível atirador estaria escondido dentro de um CIEP, que é uma escola pública. Diante da notícia de que uma pessoa armada estava dentro de uma escola pública, era dever da Guarda Municipal intervir imediatamente para capturar esse indivíduo. A considerar essa situação de risco que se desenrolava em escola pública, com potencial risco a terceiros, era essencial a rápida e emergencial intervenção da Guarda Municipal. 7. Como estava em curso uma ação criminosa no interior de uma escola pública, envolvendo, portanto, o patrimônio público e pessoas sob a proteção do Estado (alunos, professores e funcionários), a ação da Guarda Municipal foi legítima. 8. Aplicação do Tema 656 do STF, com repercussão geral, no sentido de que é constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário. 9. A revogação da ordem de habeas corpus se impõe, dado inexistir flagrante ilegalidade a ser corrigida de ofício, considerando-se que o conjunto probatório é suficiente para a condenação. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Embargos de declaração acolhidos para revogar a ordem de habeas corpus concedida no acórdão embargado e restabelecer a condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e respectiva segregação. (EDcl no HC n. 909.377/RJ, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 24/3/2025.)
Ademais, no que concerne ao pedido de desclassificação da conduta dos pacientes, o Tribunal de origem assentou que (e-STJ fls. 422/425):
[...]. Ficou demonstrado nos autos que, no dia 25 de abril de 2024, por volta das 13h, na Rua dos Protestantes, altura do nº 87, República, nesta cidade e comarca, os apelantes Daniel Natanael de Oliveira e Thiago Moura dos Santos, na companhia de um terceiro indivíduo não identificado, traziam consigo 06 porções de cocaína, 01 porção de crack, 01 porção de maconha e 01 porção de “K9”, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, mais a quantia total de R$ 1.198,00. A materialidade do delito está consolidada pelo auto de prisão em flagrante de fl. 06, pelo boletim de ocorrência de fls. 11/15, pelo auto de exibição e apreensão de fls. 17/18, pelo auto de constatação preliminar de fls. 32/36, pelo laudo de exame químico-toxicológico de fls. 337/340, além da prova oral coligida. A autoria é igualmente incontroversa. Em solo policial, os apelantes optaram por se manterem silentes (cf. termos de fls. 23/24 e 26/27). Sob o crivo do contraditório, negaram a prática delitiva. Daniel alegou que estava na Cracolândia para comprar drogas, pois é usuário. Asseverou que o dinheiro encontrado consigo era proveniente de seu trabalho como catador de ferro velho (cf. mídia de fl. 350). De sua parte, o apelante Thiago afirmou que tinha 100 reais em dinheiro e foi até a Cracolândia para comprar K9. Adquiriu a referida droga e mais uma dose de pinga, ficando com R$ 92,00 no bolso. Ao sair dali, foi abordado, assim como o corréu e um terceiro. Foram localizados consigo apenas uma cápsula de K9 pesando 0,5 grama e R$ 92,00 (cf. mídia de fl. 350). A seu turno, o guarda municipal Julcimar da Silva Durães reconheceu os réus em juízo e relatou que receberam a informação de que três indivíduos estariam escondendo algo ilícito. Em revista pessoal, encontraram com Daniel algumas porções de cocaína e dinheiro e, no carrinho de Thiago, pedras de crack e dinheiro. Os réus nada disseram. Disse que avistou três indivíduos, porém um correu de volta para o “fluxo” (cf. mídia de fl. 350). Por sua vez, o guarda municipal Tiago Moreira da Silva reconheceu os réus em juízo e narrou que realizavam suas atividades regulares, quando receberam informação de que três elementos estariam guardando dinheiro e entorpecentes em suas vestes e pertences. Conseguiram visualizar os indivíduos com as características passadas e notaram que eles colocavam algo no carrinho e nas vestes, então se aproximaram, instante em que um deles se evadiu para dentro do fluxo e foi possível abordar os outros dois. No calçado de um deles, encontraram mais de R$ 1.000 e porções de cocaína; com o outro localizaram em seu carrinho cerca de R$ 100,00 e crack, pelo que se recorda. Explicou que, naquele local, a venda de entorpecentes é montada no chão ou em caixotes de frutas; porém, no momento da abordagem, os acusados estavam se movimentando porque estava se iniciando a movimentação para limpeza. Notaram que eles estavam guardando algo (cf. mídia de fl. 350). Nem se diga, de outra parte, que os depoimentos uníssonos dos guardas municipais ouvidos em solo judicial são suspeitos ou indignos de credibilidade, eis que não foram apontados indícios de que eles teriam motivos para fazer uma acusação forjada ou mendaz contra os réus. Demais disso, o fato de serem agentes públicos, por si só, igualmente não invalida os seus testemunhos, porquanto eles não estão impedidos de depor e se sujeitam a compromisso como outra testemunha qualquer. Sendo assim, estando seus depoimentos em harmonia com as demais provas dos autos, como no caso em apreço, não há motivo para desprezá-los apenas por se tratar de guardas civis. Note-se que o auto de exibição e apreensão de fls. 17/18 e o laudo de constatação de fls. 32/36 dão conta que realmente foram apreendidas as drogas descritas na denúncia. Por sua vez, o laudo definitivo de fls. 337/340 confirmou a presença das substâncias cocaína e Tetrahidrocannabinol (THC) nas amostras analisadas. Salienta-se que a variedade e a forma como as drogas estavam acondicionadas, aliadas ao encontro de dinheiro e às circunstâncias da apreensão e à prova oral, não deixam margem a dúvidas acerca da sua destinação mercantil. De fato, a quantia em dinheiro encontrada em poder dos acusados se revela incompatível com a condição de meros usuários e desempregados. De todo modo, importa registrar que o delito de tráfico de drogas se consuma com a prática de uma das condutas identificadas no núcleo do tipo, todas de natureza permanente, sendo desnecessária a mercancia da droga em si para a sua caracterização. Insta consignar, por oportuno, que a mera circunstância de os réus serem eventualmente usuários de drogas, como se sabe, também não os exime da prática do tráfico, pois, na maioria das vezes, o vício é sustentado pela venda de drogas. Como se vê, as provas produzidas convergem no sentido de que os réus de fato estavam praticando o tráfico de drogas no local. Inviável, portanto, a desclassificação pretendida pela Defesa, eis que bem delineada a responsabilidade criminal dos acusados, nos moldes do reconhecido na r. sentença recorrida.
Muito embora o Tribunal local indique que além da droga foi encontrado dinheiro com os pacientes, os réus em seus interrogatórios negaram a prática delitiva, informando serem usuários e que estavam no local para comprar entorpecentes.
Os guardas municipais que participaram da abordagem dos pacientes asseveraram que receberam a informação de que três indivíduos estariam escondendo algo ilícito e que receberam informação de que três elementos estariam guardando dinheiro e entorpecentes em suas vestes e pertences, sem veicular nenhum outro elemento de prova que indique efetivamente a prática de tráfico.
Com efeito, "quando a acusação não produzir todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos, capazes de, em tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso produzidas, a condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar com fundamento nas provas remanescentes" (AREsp n. 1.940.381/AL, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 16/12/2021).
Nesse contexto, apesar de não ser possível, na via eleita, reexaminar fatos e provas, não é possível desprezar a versão trazida pelos réus de que as drogas encontradas — 5,95 gramas de cocaína, 2,50 gramas de maconha e 0,21 gramas de crack (e-STJ fls. 41/45) — destinavam-se a uso próprio. Dessa forma, existindo duas versões igualmente válidas, a dúvida deve sempre beneficiar o paciente. Ao ensejo:
O Tribunal de origem, diante de duas versões, decidiu pela absolvição em razão da máxima in dubio pro reo, (...). Valorar juridicamente a prova é aferir se, diante da legislação pertinente, um determinado meio probatório é apto para provar algum fato, ato, negócio ou relação jurídica. (AgRg no REsp n. 1.505.023/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 1/9/2015, DJe de 22/9/2015.)
Pelo exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem de ofício, para desclassificar a conduta dos pacientes para aquela prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06. Comunique-se, com urgência, às instâncias ordinárias. Publique-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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