STJ Fev25 - Júri - Reconhecimento Fotográfico Showup (fotografia isolada à Vítima) - Prova Nula :"Paciente Reconhecido Um Ano Após os Fatos - Determinação para Desentranhar a Provas Ilícita do Júri, e Riscar todo os Trechos de Provas que Citam o Reconhecimento Fotográfico - Presidente do Júri Obrigado à Fiscalizar"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de MAURO DXXXXXXX, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0014815-58.2018.8.19.0004.
Consta dos autos que o paciente foi pronunciado "pela prática dos delitos previsto nos artigo 121, §2°, incisos I e IV c/c artigo 73 e artigo 146, § 1°, tudo na forma do artigo 69, todos do Código Penal - respectivamente, homicídio duplamente qualificado pelo motivo torpe e com recurso que dificultou a defesa da vítima, combinado com o erro na execução; constrangimento ilegal majorado pelo emprego de arma, tudo em concurso material, tendo como vítimas LUZINETE LINO, eis que fatal, e ANTXXXXXXA SILVA" (e-STJ fl. 25).
Inconformada, a defesa interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi desprovido, nos termos do acórdão que restou assim ementado (e-STJ fls. 19/21):
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÉU PRESO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. ARTIGO 121, §2º, I E IV, C/C ARTIGO 73 E ARTIGO 146, § 1°, TUDO NA FORMA DO ARTIGO 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E COM RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA, COMBINADO COM O ERRO NA EXECUÇÃO; CONSTRANGIMENTO ILEGAL MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA, TUDO EM CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. INCONFORMISMO DA DEFESA. PRELIMINARES REJEITADAS, MÉRITO. PRETENSÃO À IMPRONÚNCIA. SUBSIDIARIAMENTE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS E RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. MATERIALIDADE COMPROVADA E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. IMPERIOSA NECESSIDADE DE SUBMISSÃO A JULGAMENTO PELO JÚRI POPULAR. PRONÚNCIA MANTIDA. PRELIMINAR de nulidade do reconhecimento fotográfico, em sede policial, ao sustentar que não foram observadas as formalidades exigidas no art. 226 do CPP. A partir da declaração tomada por termo em sede policial fica claro que a vítima Antônio relata a dinâmica delitiva e com objetividade descreve as características físicas dos indivíduos que contra o seu veículo dispararam com arma de fogo. Posteriormente, ainda que passados alguns meses, a vítima retornou a Delegacia de Homicídios realizando o reconhecimento fotográfico, considerando, que as características do acusado já haviam sido descritas pela vítima anteriormente. As disposições do artigo 226, do Código de Processo Penal, não possuem caráter absoluto e podem ser flexibilizadas de acordo com o caso concreto, principalmente, diante da impossibilidade de se observar à risca todo o procedimento legal e desde que haja outros elementos de convicção, que tenham sido apreciados pelo Magistrado nas suas razões de decidir, como acontece na hipótese dos autos. Dessa forma, não se constata vício no ato realizado ou ilegalidade, como a defesa quer fazer crer, rejeita-se a preliminar. Ainda em PRELIMINAR, o recorrente pugna pela nulidade do aditamento da denúncia pela ausência de fatos novos que viabilizasse o aditamento na forma do art. 384 do Código de Processo Penal. O réu foi inicialmente denunciado pela prática do crime de homicídio tentado contra a vítima Antônio Francisco Araújo da Silva, e pela prática do homicídio consumado contra a vítima Luzinete Lino - art. 121 incisos I e IV, na forma do art. 14, inciso II; art. 121, §2°, incisos I e IV do; e art. 146, § 1°, todos do CP n/f do art. 69 do mesmo diploma legal. Ocorre que no decorrer da instrução probatória, após as oitivas das testemunhas da acusação, o Parquet verificou que a data correta do fato era 28/06/2017 e que o réu, em comunhão de ações e desígnios com terceiro não identificado, com a intenção de matar, efetuou disparo de arma de fogo contra Antônio, que seria a vítima pretendida, mas, por erro na execução, alvejou a vítima Luzinete, moradora da localidade, que estava próxima ao veículo de Antônio, este que trabalhava como motorista de aplicativo. Por isso, o Ministério Público, com o fim de adequar a conduta praticada pelo réu, aditou à Denúncia. Consoante o disposto no art. 569 do CPP, as omissões da denúncia poderão ser supridas a todo o tempo antes da sentença final. Observa-se que após o aditamento foi facultado à defesa a oportunidade de se manifestar, de forma a garantir o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 384 §2º do CPP, porém, a rejeição ao aditamento, requerido pela defesa, não foi acolhida e o recebimento ao adiamento foi mantido, sem que se demonstre qualquer prejuízo a defesa, uma vez que os dispositivos legais processuais, foram respeitados. Assim não demonstrado o prejuízo, com escopo no princípio do pas de nullité sans grief, a preliminar é rejeitada. MÉRITO. A decisão de pronúncia constitui juízo fundado de suspeita, e não de certeza, baseada na evidência da materialidade e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, a teor do disposto no art. 413, do Código de Processo Penal. A defesa argumenta que não está caracterizado o dolo direto ou eventual na morte da vítima Luzinete Lino, razão pela qual entende que deve o acusado ser despronunciado do delito de homicídio qualificado contra a vítima Luzinete. Contudo, da análise dos elementos reunidos nos autos verifica-se adequada a imputação do homicídio consumado à vítima Luzinete por erro de execução (art. 73 do CP), uma vez que o alvo seria Antônio, motorista de aplicativo, por estar dirigindo em local que os traficantes proíbem e atiram naqueles que, mesmo desavisados, desafiam as determinações ali impostas, a fim de evitar a incursão de veículos policiais descaracterizados ou de desafetos de facções rivais. E uma das consequências do erro na execução é exatamente a que ocorreu na hipótese em exame, quando o agente atinge pessoa diversa da pretendida (aberratio ictus com unidade simples ou de resultado único) e nesse caso deve ser punido pelo crime, consideradas as condições e qualidades da vítima desejada, e não da vítima efetivamente atingida. Logo após, os traficantes perceberam que os disparos de arma atingiram uma moradora, o ora recorrente e o comparsa não identificado, ambos armados, mediante grave ameaça, obrigaram a vítima Antônio a imediatamente levar a vítima Luzinete para o hospital, configurando constrangimento ilegal, delito previsto no artigo 146, § 1°, do Código Penal. Pretende a defesa do recorrente o reconhecimento do crime único de homicídio, qual seja, o homicídio consumado em face da vítima Luzinete, afastando a imputação do homicídio tentado contra a vítima Antônio. Acontece que a magistrada sentenciante decidiu nesse sentido e pronunciou o recorrente pela prática dos delitos previstos no artigo 121, §2°, incisos I e IV c/c artigo 73 e artigo 146, § 1°, tudo na forma do artigo 69, todos do Código Penal, inclusive, conforme o Ministério Público se manifestou nas alegações finais, o que resulta em pedido inócuo. Não há como acolher o pedido subsidiário de exclusão das qualificadoras, do motivo torpe e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, quando há indícios da configuração dessas circunstâncias, porque estão inseridas com coerência na dinâmica dos fatos narrados na Denúncia, segundo o modus operandi atribuído ao recorrente, guardando ressonância com a prova reunida nos autos até esta etapa. Consequência lógica e legal é que caberá a defesa apresentar suas respectivas teses em sessão plenária, momento oportuno em que o órgão competente, o Júri Popular, definirá a questão. Pronunciado, o réu tem o direito, inserido como garantia fundamental de ser submetido ao Plenário do Tribunal do Júri, órgão ao qual a Constituição Federal atribuiu competência e soberania para julgamento dos crimes dolosos contra à vida (art. 5, XXXVIII da CFRB/88). RECURSO DEFENSIVO NÃO PROVIDO."
A impetrante sustenta que "os indícios de autoria delitiva, trazidos pelo acórdão que manteve a pronúncia do paciente, se baseiam em um reconhecimento fotográfico nulo, realizado exclusivamente no bojo do inquérito policial, sem a observâncias das garantias do art. 226 do CPP" (e-STJ fl. 4).
Afirma que não houve renovação do reconhecimento em juízo, sendo o reconhecimento fotográfico em sede policial a única prova de autoria. Assevera que o reconhecimento se deu mediante uma única foto e quase um ano depois dos fatos, em situação de show up.
Pondera que a vítima visada não conhecia o paciente antes dos fatos, e seu único contato visual com o paciente ocorreu quando ele ingressou na comunidade.
A autoridade coatora reconheceu a violação ao art. 226 do Código de Processo Penal — CPP quando argumentou pela possibilidade de flexibilização deste procedimento, o que está em desalinho com jurisprudência do STJ em situações de reconhecimento do suspeito por exibição fotográfica. Requer, em liminar, a suspensão do processo e, no mérito, a despronúncia do ora paciente.
É o relatório. Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração nem sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal—STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça—STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Extrai-se dos autos que o paciente foi pronunciado pela prática do crime previsto no artigo 121, §2º, incisos I e IV c/c artigo 73 e art. 146, §1º, tudo na forma do Código Penal. E, mediante consulta processual (www.jus.br) à Ação Penal n. 0014815-58.2018.19.0004, extrai-se que a sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri está marcada para dia 25/03/2025.
De acordo com a denúncia, o crime envolvera erro de execução, tendo sido visada a vítima AntônioXXXXXXXva, pessoa desconhecida na comunidade Amendoeira e que lá ingressou com seu veículo, entretanto, foi atingida a moradora Luzinete Lino.
Extrai-se sem esforço da decisão de pronúncia que a única informação de autoria dos disparos partiu da vítima visada, pois a situação inesperada ensejou ordem, dirigida a esta por um grupo de supostos traficantes, para que a vítima fosse levada ao hospital. Vejamos o que consta a respeito (e-STJ fl. 39):
"[...] Bem como a autoria da conduta restou indiciada em virtude dos depoimentos colhidos na fase policial, corroborados em juízo, conforme termos de depoimentos e mídia que seguem acostados ao presente. Em juízo, a testemunha ANTONIO, declarou: '[...] Que o declarante é motorista de Uber. Que no dia dos fatos, o declarante aceitou uma viagem para levar duas meninas na Rua Emidio Dantas Barreto. Que ao entrar na rua, as meninas pediram pro declarante já abaixar os vidros do carro e ligar o alerta, o que é o procedimento. Que o declarante fez o que foi recomendado. Que cerva de 50m depois, o declarante deixou as meninas, ajudou elas a tirarem as compras do carro, e, depois, se dirigiu para sair do local. Que o declarante manobrou naquela mesma rua para sair, quando efetuaram dois disparos de arma de fogo contra o carro da declarante. [...] Que quando o declarante estava saindo, várias pessoas se aproximaram e começaram a gritar "acertaram morador, acertaram morador". Que vieram uns meninos armados e pediram para tirar a Luzinete dali, porque ela foi atingida pelos disparos. Que aquele local é uma área dominada pelo tráfico [...] Que depois do ocorrido, o declarante foi duas ou três vezes na Delegacia, oportunidades em que conseguiu identificar uma pessoa por foto como sendo o autor [...]' Em juízo a testemunha MARIANA, declarou: '[...] Que a vítima Luzinete levou um tiro andando pela rua Emidio Dantas Barreto. Que foram até à casa da mãe da declarante, onde a declarante morava à época, e comunicaram que a vítima tinha sido ferida e levada para o Hospital Alberto Torres [...] Que, pelo que soube posteriormente sobre o ocorrido, vizinhos afirmaram que um carro de Uber entrou na localidade para deixar um morador e, quando ele estava indo embora, atiraram contra o motorista do carro, mas os tiros pegaram na Luzinete. Que a declarante não sabe quem atirou, porque não estava presente e não viu [...]' Em juízo a testemunha DIVINA VICTOR declarou: '[...] Que no dia dos fatos, chamaram a declarante no portão de casa, dizendo que a Luzinete tinha sido baleada na rua [...] Que na rua onde a Luzinete foi atingida era comum ter traficantes e bocas de fumo [...]' Como se depreende dos depoimentos acima mencionados, pode-se atribuir, diante dos indícios, a autoria dos fatos aos acusados. Havendo mais de uma versão para o fato e instaurando-se a dúvida no espírito do magistrado pronunciante, não cabe a ele optar por uma das versões, pois implicaria em usurpação de competência funcionalmente prevista, qual seja, a do Tribunal Popular, registrando que a instituição do júri, é importante expressão da consciência das pessoas que compõem a sociedade desta Comarca. [...]"
O Tribunal de origem, por sua vez, considerou válido o reconhecimento fotográfico, pois precedido de descrição das características físicas do paciente, tendo a vítima, meses depois, identificado a fotografia do paciente. Segue trecho do voto condutor (e-STJ fls. 26/28; sublinhados no original; consta imagem; negritos meus):
" Em PRELIMINAR, a defesa suscita a nulidade do reconhecimento fotográfico, em sede policial, ao sustentar que não foram observadas as formalidades exigidas no art. 226 do CPP para a validade do procedimento, destacando que que à vítima foi apresentada uma única foto. A partir da declaração tomada por termo em sede policial (pasta 19) fica claro que a vítima Antônio relata a dinâmica delitiva e com objetividade descreve as características físicas dos indivíduos que contra o seu veículo dispararam com arma de fogo. Posteriormente, ainda que passados alguns meses, a vítima retornou a Delegacia de Homicídios realizando o reconhecimento fotográfico (pasta 21), considerando, que as características do acusado já haviam sido descritas pela vítima anteriormente. Confira- se: 'que o declarante foi intimado pelo policial LEONARDO MENDES, para que o mesmo prestasse depoimento em sede policial; que o declarante trabalha como motorista do aplicativo UBER; que o veículo do declarante é um LOGAN, prata, placa PWD2196; que no dia 28/06/2017, por volta das 12h31m, pegou uma passageira na rua Raul Veiga em destino à Emídio Dantas Barreto, 153, Amendoeira, em São Gonçalo [...]; que o declarante ao entrar nesta rua foi aconselhado pela passageira a ligar o alerta do veículo para que os traficantes da localidade soubessem que se tratava de morador; que o declarante após ter deixado a passageira no destino, retornou pela mesma rua e seguiu adiante, porém, 200 mts (sic) depois, o declarante ouviu dois disparos de arma de fogo; que logo após os disparos, os moradores gritaram para o declarante sair do veículo; que os traficantes e alguns moradores ficaram falando que por culpa do declarante os traficantes teriam atirado na vítima; que estes obrigaram o declarante a socorrer a vítima até o hospital; que um morador, que morava num sobrado, acredita ser de número 265; que os traficantes que estavam próximo ao declarante e que possivelmente tinham atirado, tinham idade aproximada de 16 anos; que o declarante ouviu um morador chamar o traficante de PELÉ; que este tal de PELÉ era baixo, bem negro e portava um revólver; que o outro traficante era pardo (moreno claro), magro, 1,70 aproximadamente e também estava armado; que estes estavam numa motoneta BROS, 150 cc, de cor branca; que após isto o declarante socorreu a vítima até o HEAT; que o telefone do declarante é [...]'. [Imagem do "Auto de Reconhecimento de Objeto" e uma fotografia 3x4] Deve-se ainda destacar que além da vítima Antônio foram colhidas as declarações por termo, das testemunhas Mariana da Soledade Sobrinho Ramos, moradora da localidade ne vizinha da vítima Luzinete e do PMERJ Wladimir Rodrigues de Jesus Junior (pasta 13). E não é só, verifica-se que em Juízo a vítima Antônio confirma que antes de reconhecer o acusado por fotografia, descreveu suas características, tendo retornado a Delegacia outras vezes, mas só o reconheceu quando esteve pela terceira vez na DP. Em que pese as argumentações defensivas, contudo as disposições do artigo 226, do Código de Processo Penal, não possuem caráter absoluto e podem ser flexibilizadas de acordo com o caso concreto, principalmente, diante da impossibilidade de se observar à risca todo o procedimento legal e desde que haja outros elementos de convicção, que tenham sido apreciados pelo Magistrado nas suas razões de decidir, como acontece na hipótese dos autos. Dessa forma, não constato vício no ato realizado ou a ilegalidade que defesa quer fazer crer, pelo que rejeito a preliminar.'
Em revisão à orientação jurisprudencial, esta Corte Superior de Justiça, a partir do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz), realizado em 27/10/2020, passou a dar nova interpretação ao art. 226 do CPP, segundo a qual a inobservância do procedimento descrito no mencionado dispositivo legal torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo.
Definiu-se que "o reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração independente e idônea do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial" (HC 648.232/SP, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 21/5/2021).
De forma complementar, no julgamento do HC n. 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz), proferido no dia 15/3/2022, o colegiado consignou que mesmo obedecido o rito processual do art. 226 do CPP, o reconhecimento fotográfico, por si só, não se prestaria como prova absoluta para a condenação.
Precedentes mais contemporâneos reforçam que “o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa” (AgRg no AREsp 2.235.904/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023; HC 790.250/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023).
A preocupação em se firmar condenação baseada exclusivamente no reconhecimento fotográfico está creditada, em especial, à falibilidade da memória no intento reconstrutivo de ocorrências, o que pode comprometer a integridade da prova testemunhal. As recordações humanas estão propensas a sofrer deturpações por fatores internos e/ou externos de contaminação, de modo que estes podem alterar a fidedignidade do relato dos fatos conforme ocorridos, tornando a prova testemunhal suscetível a falhas. Nesse contexto, falsas memórias podem ser recordadas quando uma pessoa recebe informações externas acerca de acontecimentos posteriores ao fato vivenciado, de modo que, a sugestionabilidade na memória (fator de contaminação), resulta na incorporação de novas informações, sendo estas distintas do evento original (BALDASSO, Flaviane. A prova Testemunhal e o Fenômeno das Falsas Memórias. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 166. ano 28, p. 129-174 São Paulo: Ed. RT, abril 2020. Disponível em https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/141946, acesso em 25/8/2022).
No presente caso, a prova apresentada para a condenação demonstra precariedade. Conforme se verifica dos excertos supracitados, o Tribunal de origem admitiu que paciente não fora colocado ao lado de outros indivíduos para fins de reconhecimento, conforme dispõe o inciso II do art. 226 do CPP, todavia, considerou que esse procedimento poderia ser flexibilizado . Nota-se que, além do procedimento ter ocorrido em desconformidade ao rito estabelecido pelo legislador, a vítima tampouco declarou em juízo que reconhecia o paciente, apenas se referiu ao pretérito reconhecimento fotográfico ocorrido na delegacia, ocasião em que lhe foi mostrada uma única fotografia do rosto do paciente, conforme imagem do Auto de Reconhecimento de Objeto reproduzida no acórdão.
Vale destacar, ainda, que o testemunho da vítima não é tido como fraudulento, mas sim, deve ser analisado sob medida, ante os fatores involuntários de contaminação da prova e a possibilidade cognitiva da criação de memórias e fatos corrompidos (KAGUEIAMA, Paula Thieme. Prova Testemunhal no Processo Penal. 1. Ed. Almedina, 2021. p. 76).
Há precedentes do STJ de despronúncia quando o único indício de autoria consistir no reconhecimento por fotografia pelo método show up:
HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO A PENA DE 30 ANOS E 10 MESES DE RECLUSÃO. HOMICÍDIOS E ROUBO. ART. 226 DO CPP. RECONHECIMENTO DE PESSOAS. NULIDADE. SHOW-UP. FOTOGRAFIA 3x4 ANTIGA, DATADA DE 9 ANOS ANTES DO CRIME, DE QUANDO O PACIENTE TINHA APENAS 15 ANOS DE IDADE, MOSTRADA ISOLADAMENTE À VÍTIMA NA DELEGACIA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS INDÍCIOS INDEPENDENTES DE AUTORIA. NÃO PREENCHIMENTO DO STANDARD PROBATÓRIO NECESSÁRIO PARA A PRONÚNCIA. ELEVADO RISCO DE ERRO JUDICIAL MATERIAL (FALSO POSITIVO). ORDEM CONCEDIDA PARA DESPRONUNCIAR O PACIENTE. 1. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogério Schietti, DJe 18/12/2020), a Sexta Turma deste Tribunal Superior concluiu que a inobservância do procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal torna inválido o reconhecimento do suspeito e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o ato em juízo. 2. Posteriormente, em sessão ocorrida no dia 15/3/2022, a Sexta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n. 598.886/SC e decidiu, à unanimidade, que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar. 3. Na espécie, a pronúncia do paciente foi embasada tão somente no reconhecimento pessoal realizado por uma das vítimas em total desconformidade com o procedimento previsto no art. 226 do CPP, sem que nenhuma outra prova (apreensão de bens em seu poder, confissão, relatos indiretos etc.) configurasse indício de autoria delitiva pelo paciente. 4. Mais precisamente, durante a fase investigativa, pouco mais de um mês após o crime, foi apresentada uma fotografia isolada do paciente à vítima, a configurar o chamado show-up, que tem potencial indutor em relação à identificação do suspeito e está em contrariedade à jurisprudência consolidada desta Corte Superior. 5. Não bastasse o uso da técnica show-up, não está esclarecido nos autos do inquérito o motivo pelo qual o paciente foi considerado um suspeito a fim de que sua fotografia fosse mostrada à vítima nessa qualidade. Ademais, a fotografia do paciente apresentada à vítima consistiu em uma fotografia 3x4, constante de seu cadastro civil, datada de mais de 9 anos antes do crime, quando o paciente tinha apenas 15 anos de idade. A defesa juntou aos autos fotografia atual do paciente, que demonstra que ele teve sensíveis alterações de fisionomia desde o registro fotográfico mencionado e que demonstra, ainda, que ele tinha características distintas daquelas descritas pela vítima à autoridade policial ("branco, magro e baixo"). Tais circunstâncias do caso concreto incrementam ainda mais o risco de erro no reconhecimento pessoal e, consequentemente, o risco de erro judicial material (falso positivo). Todavia, essas deficiências da prova deixaram de ser consideradas e enfrentadas pelas instâncias ordinárias, a despeito das provocações da defesa. 6. Uma vez que o reconhecimento do paciente é absolutamente nulo, porque realizado em total desconformidade com o disposto no art. 226 do CPP, deve ser proclamada a sua despronúncia, ante a inexistência de nenhum outro indício de autoria dos crimes descritos na denúncia, à luz dos arts. 413 e 414 do CPP. 7. Ordem concedida para despronunciar o paciente das imputações objeto do Processo n. 0003802-68.2018.8.17.0990. (HC n. 948.558/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 13/12/2024.)
Assim como foi tratado no precedente supra transcrito, é importante considerar não estar elucidado neste habeas corpus como a investigação conseguiu associar o nome do paciente ao apelido "Pelé", entretanto, este ponto não foi questionado pela Defensoria Pública e, portanto, neste momento, presume-se que tenha havido medida investigativa adequada, sem prejuízo da questão poder ser submetida ao Tribunal do Júri.
Neste sentido, não pode ser desconsiderado que, a par de ter visto as pessoas armadas, a vítima escutou uma delas ser chamada por outra de "Pelé", o que é suficiente para se manter pronúncia. Portanto, para garantir que o Conselho de Sentença não seja influenciado pelo reconhecimento fotográfico viciado, caberá ao Juiz Presidente adotar as providências — alertando-se previamente às partes e à testemunha — para que não chegue ao conhecimento dos jurados que a vítima visada reconhecera o paciente fotograficamente na delegacia.
Nessa linha de entendimento:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NULIDADES PROCESSUAIS. DESENTRANHAMENTO DE PROVAS ILÍCITAS. PRECLUSÃO DAS ALEGAÇÕES DE NULIDADE. PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. AVISO DE DIREITO AO SILÊNCIO. RECONHECIMENTO PESSOAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público contra decisão que reconheceu nulidades processuais e determinou o desentranhamento de provas consideradas ilícitas, incluindo relatório policial e atos de reconhecimento pessoal. O juízo de primeiro grau acolheu pedido da Defensoria Pública para excluir as provas, por ausência de cumprimento do dever de informar o direito ao silêncio ao réu e irregularidades no reconhecimento fotográfico. Em recurso em sentido estrito, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina afastou as nulidades, reconhecendo a preclusão das alegações, por terem sido suscitadas apenas após a decisão de pronúncia e fora do prazo adequado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) se as nulidades processuais reconhecidas, em especial a falta de advertência do direito ao silêncio e as irregularidades nos reconhecimentos fotográficos, devem ser mantidas como nulidades absolutas, apesar de alegadas após a decisão de pronúncia; e (ii) se o desentranhamento das provas ilícitas é necessário para preservar os direitos fundamentais do acusado, conforme preconizado pela Constituição Federal e o Código de Processo Penal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Constituição Federal, no art. 5º, LVI, e o Código de Processo Penal, no art. 157, vedam expressamente o uso de provas obtidas por meios ilícitos, assegurando como garantia fundamental do réu a inadmissibilidade de provas produzidas com violação de direitos. 4. O princípio da não autoincriminação exige que o direito ao silêncio seja garantido desde o primeiro contato do investigado com as autoridades, impondo o dever de advertência por parte dos policiais no momento da abordagem, conforme entendimento consolidado do STF e do STJ. 5. Provas obtidas em violação ao direito ao silêncio, como declarações informais colhidas sem a devida advertência, configuram nulidade absoluta, sendo passíveis de exclusão dos autos a qualquer tempo, por ferirem direitos constitucionais inalienáveis. 6. O reconhecimento fotográfico realizado sem a observância das formalidades previstas no art. 226 do CPP compromete a confiabilidade do ato, sendo considerado ilícito quando não seguido o procedimento legal de confrontação com outras pessoas de aparência semelhante. 7. As nulidades foram levantadas antes da sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri, garantindo que os jurados não tivessem acesso às provas ilícitas, sem prejuízo ao rito processual, e evitando o comprometimento do devido processo legal. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 862.002/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 4/12/2024, DJEN de 9/12/2024.)
Isso posto, na forma do art. 34 c/c art. 203, II, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus, entretanto, concedo a ordem de ofício para determinar o desentranhamento dos autos de documentos e/ou a supressão de trechos de peças processuais que aludam ao reconhecimento fotográfico do paciente, cabendo ao Juiz Presidente, durante a Sessão de Julgamento, adotar as providências necessárias para que esse fato não seja mencionado nos depoimentos. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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