STJ Abr25 - Crimes Tributários - Absolvição - Ausência de Dolo - RESp Provido :" a condenação está amparada exclusivamente na sua condição de sócio-administrador"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de agravos contra as decisões que inadmitiram os recursos especiais interpostos por AXXXXXXTO e pelo MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA PARAIBA - PGJ em oposição a acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA, assim ementado (e-STJ, fls. 626 - 649): "

"CRIME TRIBUTÁRIO. SONEGAÇÃO FISCAL. ICMS. APELAÇÃO TRIBUTO CALCULADO COM BASE NA INFORMAÇÃO PRESTADA PELO CONTRIBUINTE. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. “MALHA FINA” DE CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO. VENDAS DECLARADAS AO FISCO EM VALORES INFERIORES ÀS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INFORMADAS PELAS OPERADORAS. OMISSÃO DE INFORMAÇÃO RELEVANTE. OCULTAÇÃO DE FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO REDUZIDA POR FRAUDE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. SUPRESSÃO TRIBUTÁRIA. AFERIÇÃO POR TÉCNICAS DE AUDITORIA. OMISSÃO DE REGISTRO DE NOTAS DE ENTRADA. PRESUNÇÃO DA OCORRÊNCIA DO DELITO. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E DÚVIDA RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. - O lançamento do ICMS é feito por homologação, ou seja, as informações prestadas pelo contribuinte servem como base para apuração do imposto a ser recolhido e, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, tem-se por homologado o lançamento. - Ocorre sonegação fiscal quando o contribuinte omite, intencionalmente, fato gerador que deveria declarar ao erário, para aferição da base de cálculo sobre a qual deve incidir a alíquota prevista em lei. Documento eletrônico VDA46716552 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 08/04/2025 10:56:02 Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025. Código de Controle do Documento: 4b54d5d2-cf40-43c7-8c9d-1dcc7fe05ce0 - A materialidade delitiva da sonegação, atestada pela malha fina do cartão, resta comprovada quando do auto de infração constam vendas declaradas em valores inferiores aos detalhados pelas operadoras de cartões de crédito e débito. - O Fisco realiza o cruzamento de informações prestadas pelas operadoras de cartões e as informadas pelo contribuinte para fins de confrontar se a tributação representa a verdade das transações tributáveis. - A sonegação aferida por omissão de informação que não consiste em fato gerador do tributo, baseia-se em presunção, que é inservível para fins penais. - A condenação criminal não se satisfaz com um juízo de probabilidade sobre o crime, sendo a dúvida resolvida em favor do réu."

Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ, fls. 691 - 696). Em suas razões de recurso especial, ANTONIO CAROLINO DELGADO NETO sustenta violação dos arts. 1º, I, e 2º, I, ambos da Lei 8.137/1990, argumentando, para tanto, que (i) o tipo penal do art. 1º, I, da Lei 8.137/90 exige dolo específico, não demonstrado no caso, o que inviabiliza a condenação com base nesse dispositivo; (ii) o erro nas declarações fiscais foi decorrente de falhas de terceiros, não havendo intenção de suprimir tributo; (iii) diante da ausência de dolo, a responsabilização penal deveria ser aplicada com base no art. 2º, I, da Lei 8.137/90. Com contrarrazões (e-STJ, fls. 729 - 735), o recurso especial foi inadmitido na origem (e-STJ, fls. 741 - 743), ao que se seguiu a interposição de agravo. 

Por sua vez, o MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA PARAIBA afirma que o acórdão violou os arts. 156 e 619, ambos do CPP, o art. 135 do CTN e o art. 1°, I, da Lei nº 8.137 /90, argumentando, para tanto, que (i) houve negativa de prestação jurisdicional, uma vez que o acórdão não teria enfrentado argumentos centrais quanto à responsabilidade penal do sócio administrador e à continuidade delitiva; (ii) a conduta do réu foi reiterada, com sonegação de ICMS por longo período, caracterizando a habitualidade típica; (iii) a existência de auto de infração regularmente lavrado e a constituição definitiva do crédito tributário demonstram a materialidade e a autoria, sendo desnecessário o dolo específico; (iv) o recorrente, na condição de sócio-gerente, era diretamente responsável pela gestão da empresa e pelo cumprimento das obrigações tributárias. Com contrarrazões (e-STJ, fls. 716 - 720), o recurso especial foi inadmitido na origem (e-STJ, fls. 736 - 740), ao que se seguiu a interposição de agravo. 

Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (e-STJ, fls. 788 - 800). 

É o relatório. Decido.

Aprecio o recurso de ANTONIO XXXXXXXX. O agravo impugna adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecido. Passo, portanto, ao exame do recurso especial. A condenação do agravante ANTONIXXXXXXXXXXO foi proferida nos seguintes termos (e-STJ, fls. 501 - 510):

"Concluída a instrução, vê-se que do crime contra aa materialidade ordem tributária narrado na inicial acusatória encontra-se estampada pelo Auto de Infração no ID 41140476, fls. 14/18, Certidão de inscrição na dívida ativa e Relatório Fiscal Consolidado no ID 41144954, fls. 22/25 e demais documentos dos quais se verifica a descrição da infração, fundamentação legal e o montante do tributo não recolhido e a recolher. Da materialidade, tenho que a supressão do ICMS por meio de omissão de informações ocorreu nos meses de janeiro e março a dezembro de 2011; todos os meses de 2012; março, maio e julho a dezembro de 2013; todos os meses de 2014; e janeiro a maio de 2015. Por sua vez, a omissão de informações de saídas de mercadorias às autoridades fazendária, ocorreu nos meses de outubro de 2012 e junho a dezembro de 2015. [...] DOS DEPOIMENTOS O denunciado informou que estava recolhendo todos os impostos normalmente e, para sua surpresa, descobriu que os dados das declarações de entrada foram omitidos, permanecendo em branco os campos da declaração de entrada. Disse que notificou o contador para apresentar explicações e que este negou sua falha. Explicou que não acompanhava mensalmente o serviço contábil e que possivelmente possui o livro de controle de entrega de documentos para o contador. DO DIREITO – FATO TÍPICO E MOMENTO CONSUMATIVO Na espécie, o imputado está sendo acusado de fraudar a fiscalização tributária, omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, nos termos do art. 1º, inc. I, da Lei 8.137/90. Verbis: “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; [...] DO DOLO NA AÇÃO – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO Em relação à alegação defensiva de que não restou evidenciado o dolo na ação, como se sabe, não é necessário o dolo específico para comprovar a conduta delitiva tampouco o dolo de aproveitamento. [...] DAS EXCLUDENTES Não há nos autos demonstração de inexigibilidade de conduta diversa, estado de necessidade e erro de tipo ou de proibição, e malgrado o denunciado tenha alegado, mas não efetivamente provado, que enviou toda documentação para o(s) contador (es), tal fato não exclui sua responsabilidade na qualidade de sócio e administrador (Documento da Junta Comercial da Paraíba (ID 41140476, fls. 83/88), portanto, Documento eletrônico VDA46716552 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 08/04/2025 10:56:02 Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025. Código de Controle do Documento: 4b54d5d2-cf40-43c7-8c9d-1dcc7fe05ce0 restou claro que o acusado tinha plena consciência da ilicitude, o que bem indica o dolo. Neste sentido, o art. 11 da Lei nº 8.137/90: "Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade". [...] Vale ressaltar que, a teor do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, o que na espécie não se deu, já que o acusado permaneceu no cômodo terreno do alegar por alegar. Pelo que precede, e demais consta nos autos, a condenação é medida de rigor, pois a ação fraudulenta restou demonstrada, sendo que cabia ao réu, sócio e administrador da empresa, provar sua inocência, o que na espécie não se deu.” (grifou-se)
O Tribunal de origem, por sua vez, reformou parcialmente a sentença, para reconhecer a insuficiência de provas quanto à sonegação pretérita, presumida pela omissão de registro de notas de entrada, absolvendo o agravante de parte dos crimes, nos seguintes termos (eSTJ, fls. 631 - 646): "É satisfatória a prova documental a comprovar que houve a supressão de informações de vendas de mercadorias sem a emissão do cupom fiscal e necessária informação à Receita Estadual da Paraíba. [...] O senso comum aos que atuam no comércio e em atividades correlatas informa o dever legal de todo comerciante emitir nota fiscal de qualquer mercadoria vendida em seu estabelecimento, bem como, mensalmente, informar, fielmente, o total comercializado, para fins de cálculo do ICMS devido. O extrato das vendas de cartão de crédito e débito, conforme informações prestadas à fazenda estadual, Id 19230153 - Págs. 14/18, atestam que o resultado do confronto entre as vendas realizadas na modalidade de cartão de crédito e as saídas reportadas nas GIM ́s/SPED fiscal concluiu que, no período, houve a diferença de base de cálculo para apuração do ICMS no valor de R$ 130.462,82 (cento e trinta mil, quatrocentos e sessenta e dois reais e oitenta e dois centavos). Eis as condutas do apelante, não havendo se falar em desclassificação para qualquer outro delito. A omissão de informações gerou a supressão. É fato provado em razão da intenção de reduzir tributo omitindo informação para minorar a base de cálculo e, consequentemente, o valor a recolher. Tal prática se amolda a uma das condutas contidas no inciso I, do art. 1º, da Lei nº 8.137/90. [...] Além disso, satisfeita a condição objetiva de punibilidade. A prova testemunhal resumiu-se ao interrogatório do réu, que não se revelou capaz de desconstituir a prova evidente (simples apuração matemática) de que houve sonegação. Documento eletrônico VDA46716552 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 08/04/2025 10:56:02 Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025. Código de Controle do Documento: 4b54d5d2-cf40-43c7-8c9d-1dcc7fe05ce0 Antônio Carolino Delgado Neto, ao ser ouvido, afirmou que em relação à autuação referente a diferença apurada das vendas feitas com cartão, por vezes recebeu pagamento de algumas contas "fiadas" , não se registrando como vendas, pois não havia a circulação da mercadoria. E, ainda, que ficou surpreso quando recebeu o auto de infração, pois sempre pagou seus tributos na forma que eram apurados e apresentados nas guias para recolhimento. Prossegue consignando que o contador lançou, em algumas ocasiões, em branco, o livro de entradas, não sabendo a razão pela qual procedeu dessa forma, pois todas as informações lhe eram passadas, mês a mês, tanto de vendas como de compras e, mesmo sendo interpelado, não explicou tal fato. Não se pode desconstituir a CDA, acolhendo-se as alegações orais da defesa, quando não houver prova a sustentá-las, mormente porque há elementos cabais de convicção de que, de fato, ocorreu a prática de sonegação, na modalidade “malha fina” do cartão. [...] A empresa administrada pelo acusado suprimiu o tributo, posto que, o valor omitido a título de vendas, importou em recolhimento a menor, mês a mês, do ICMS em favor da fazenda estadual. [...] Em suma, restou pelos documentos carreados (auto de infração de estabelecimento, CDA, relatório fiscal), satisfatoriamente atestadas a materialidade e a autoria delitiva. É conhecimento basilar a todo o comerciante que a venda de mercadorias deve observar a emissão concomitante da respectiva nota fiscal, não havendo dúvidas de que o acoimado agiu dolosamente no sentido de minorar a carga tributária sobre as vendas realizadas pelo seu estabelecimento comercial. [...] Em relação às acusações de sonegação deduzidas a partir de constatação de omissão de lançamento de notas de entradas, percebe-se que, de modo diverso, não foram comprovadas as condutas imputadas, mas apenas restaram presumidas. [...] O auto de infração foi lavrado com base em fiscalização de estabelecimento comercial, em cujo procedimento se usam algumas técnicas de auditoria consubstanciadas em levantamentos de dados que geram a presunção de que houve a supressão do tributo. A responsabilização criminal independe da infração administrativa tributária, e deve ser calcada em provas que demonstrem a ocorrência do fato gerador da hipótese de incidência, que, omitido do fisco, faz surgir, também, o delito de sonegação. [...] Para se desconstituir o valor declarado pelo contribuinte, a fazenda pode presumir a omissão da informação, imputando ao contribuinte débito tributário. Tal proceder está amparado na legislação tributária, mas não no sistema penal brasileiro, que repudia a responsabilidade penal objetiva. De fato, embora goze de oficialidade, a responsabilização erigida pela autuação do fiscal fazendário é apenas de cunho tributário. Ou seja, o auto de infração, após o devido processo administrativo tributário, constitui direito da fazenda pública cobrar o imposto considerado sonegado, ainda que presumidamente aferido. Documento eletrônico VDA46716552 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 08/04/2025 10:56:02 Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025. Código de Controle do Documento: 4b54d5d2-cf40-43c7-8c9d-1dcc7fe05ce0 Contudo, a responsabilização criminal exige prova, não sendo suficientes ilações da prática delitiva. [...] O autor da ação penal é o Ministério Público, logo, como previsto no devido processo penal constitucional, lhe é imposto o ônus de provar a prática delitiva e, em caso de dúvida, resolve-se em prol do réu. O regulamento do ICMS autoriza concluir ocorrência de sonegação pretérita quando houve a ausência de registro de notas fiscais de entrada (aquisição de mercadorias) nos livros próprios. Ou seja, conclui-se, por presunção, que teria havido a aquisição de mercadorias, nos períodos indicados, sem que se tenha sido declarado o ingresso de tais bens na empresa ao fisco estadual. A razão de ser dessa presunção legal é a dedução de que a omissão do registro da nota fiscal busca omitir o pagamento da aquisição com dinheiro proveniente de “caixa 2” abastecido por sonegação pretérita. Presume-se, assim, que houve venda pretérita não declarada e tributada, que formou recursos extra-caixa, por isso, para fins de “maquiar” a contabilidade, omite-se a declaração do ingresso de mercadorias. A fiscalização fazendária constatou, por mera presunção, que, por não ter realizado o registro da informação da entrada da mercadoria, a aquisição se deu com capital formado por vendas pretéritas não tributadas, sem prova alguma de que o réu tenha comercializado produtos sem emissão de notas fiscais e sem recolhimento de tributos. [...] Percebe-se, pois, que o ingresso da mercadoria no estabelecimento comercial não constitui fato gerador do ICMS, ocorrendo, na verdade, quando da venda (saída de mercadoria). Não se pode ter como ocorrida a alegada sonegação no momento em que não se registra as notas de entrada de mercadorias. [...] Destaque-se que, as condutas descritas no art. 1º da Lei nº 8.137/90 não criminalizam o mero inadimplemento fiscal, que nem crime é, sendo ilícito administrativo tributário. Na verdade, a conduta típica de suprimir ou sonegar tributos, alia-se à atuação fraudulenta do agente passivo da obrigação tributária, para configurar o atuar criminoso: [...] Não se confunde o não pagamento do tributo com o delito de sonegação fiscal, pois não se pode exigir que alguém, em extremas dificuldades financeiras, esteja em dia com suas obrigações tributárias. Porém, é razoável exigir que o agente preste as informações reais ao fisco, abstendo-se de fraudar a fixação precisa do tributo devido, embora tenha que, por inexigibilidade de conduta diversa, inadimplir com a obrigação fiscal. Em relação à presunção baseada em razões contábeis e derivadas de suposição de supressão tributária, o auto de infração não se presta a comprovar a sonegação pretérita, presumida pela omissão de registro de notas de entrada. A despeito de ser elemento indiciário de materialidade e autoria, não se constitui em prova, ainda mais porque a sua constituição, conforme jurisprudência dominante, não pode ser discutida no âmbito da ação penal. Documento eletrônico VDA46716552 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 08/04/2025 10:56:02 Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025. Código de Controle do Documento: 4b54d5d2-cf40-43c7-8c9d-1dcc7fe05ce0 Essa “prova única”, que não pode ser desconstituída, não pode ter caráter absoluto, sob pena da contraprova da defesa ser diabólica, ou seja, impossível de ser produzida. A prova da conduta e do dolo, nos delitos tributários aferidos por presunção, é elemento sem o qual não se pode impor um decreto condenatório, sendo ônus da acusação demonstrá-las. Assim, é inviável a condenação com base apenas na conclusão dos fiscais fazendários, que se valeram de prova juris tantum, ou seja, presunção relativa, que se baseia em técnicas contábeis de auditoria, as quais permitem, no âmbito de processo administrativo tributário, presumir-se a omissão sobre receitas tributáveis e a consequente imputação de supressão de imposto, gerando-se crédito em prol da fazenda pública. O auto de infração, como prova isolada e constituída a partir de uma presunção, é insuficiente para atestar a prática de sonegação (crime), e, a condenação fundada apenas em tal prova importa, sem dúvidas, em responsabilidade penal objetiva. Destarte, indevida qualquer presunção de sonegação para fins penais, dependendo a responsabilização criminal de provas que demonstrem a atuação dolosa do agente, ônus que se impõe ao Estado-acusador. Não existe a obrigação de se fazer prova negativa, prova de que não praticou o crime. Do contrário, cabe ao Parquet provar a sonegação que alega, demonstrando a ocorrência da conduta ilícita e da culpabilidade do agente." (grifou-se)

No presente caso, tenho que a condenação do agravante está amparada exclusivamente na sua condição de sócio-administrador da sociedade empresária, pois não há, nos autos, nenhuma prova direta da prática do crime de sonegação fiscal que lhe foi imputado, tampouco de sua participação dolosa. 

Conforme destacado pelo Tribunal de origem, a única prova de autoria colhida durante a instrução foi o próprio interrogatório do réu, no qual ele afirmou que as declarações tributárias eram elaboradas por contador contratado, a quem fornecia a documentação necessária, não havendo prova de que tenha instruído ou consentido com a suposta omissão de informações. 

Ademais, a sentença condenatória incorreu em manifesta inversão do ônus da prova ao afirmar que “cabia ao réu, sócio e administrador da empresa, provar sua inocência” (e-STJ, fl. 510), o que viola frontalmente o art. 156 do CPP, segundo o qual incumbe à acusação demonstrar os elementos necessários à condenação penal.

 A jurisprudência desta Corte exige a demonstração concreta da conduta dolosa, ainda que sem exigência de dolo específico - como ocorre nos delitos previstos no art. 1º da Lei 8/137 /1990 -, sob pena de se consagrar a responsabilidade penal objetiva, o que é vedado no sistema penal pátrio. No mesmo sentido, confiram-se os seguintes julgados:

"DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. ART. 7º, VII, DA LEI Nº 8.137/90.RECURSO MINISTERIAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DE CONDUTAS COMISSIVAS OU OMISSIVAS INDIVIDUAIS. ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE BASEADA EXCLUSIVAMENTE NA CONDIÇÃO DE SÓCIO- ADMINISTRADOR DA EMPRESA. VIOLAÇÃO DO ART. 41 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado do Piauí contra decisão monocrática que deu provimento a recurso em habeas corpus para trancar a ação penal nº 0828359-14.2023.8.18.0140, reconhecendo a inépcia da denúncia por ausência de descrição de conduta específica atribuível ao agravado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) Verificar se a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do CPP, contendo descrição suficiente de condutas comissivas ou omissivas que justifiquem a imputação penal ao agravado; (ii) Avaliar se a atribuição de responsabilidade penal apenas com base na posição de sócio-administrador da empresa é admissível à luz do princípio do direito penal do fato. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 41 do CPP exige que a denúncia contenha a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, descrevendo condutas comissivas ou omissivas específicas imputadas ao acusado, de modo a permitir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. 4. A mera condição de sócio-administrador não é suficiente para justificar a imputação de responsabilidade penal, pois o direito penal é orientado pelo princípio do fato, exigindo a demonstração de uma ação ou omissão que tenha contribuído para a prática delitiva (art. 13 do CP). 5. A denúncia apresentada não descreve condutas específicas praticadas pelo agravado, limitando-se a mencionar sua posição de sócio-administrador e a atribuir responsabilidade com base no "domínio da empresa", o que caracteriza responsabilidade penal objetiva, vedada no ordenamento jurídico brasileiro. 6. Embora o inquérito policial possa conter indícios de condutas praticadas pelo acusado, é a denúncia que delimita a acusação e vincula o julgamento, sendo inaceitável suprir a ausência de descrição fática por meio de elementos constantes no caderno investigativo. 7. A ausência de descrição adequada na denúncia configura inépcia, impedindo o prosseguimento da ação penal, sem prejuízo de nova propositura de ação desde que suprida a irregularidade. IV. DISPOSITIVO 8. Agravo regimental desprovido." (AgRg no RHC n. 200.187/PI, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 17/2/2025 - grifou-se) "AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. NORMA PENAL EM BRANCO. AUSÊNCIA DE REFERÊNCIA AO ATO INFRALEGAL REGULATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. Documento eletrônico VDA46716552 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 08/04/2025 10:56:02 Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025. Código de Controle do Documento: 4b54d5d2-cf40-43c7-8c9d-1dcc7fe05ce0 1. Não obstante compreender-se que a denúncia não passa de uma proposta de demonstração da prática de fato típico e antijurídico imputado a pessoa determinada, não lhe sendo exigida provas exaurientes de que os fatos ocorreram tal como ela narra, não se pode admitir a propositura de ação penal sem que haja a mínima indicação das condutas delitivas perpetradas, de modo a permitir que a defesa escolha as estratégias que julgar adequadas para infirmar a narrativa acusatória. 2. Em inúmeros pronunciamentos anteriores desta Corte Superior de Justiça decidiuse pela inépcia da denúncia que, em crimes societários e de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física apenas por sua condição de sócioadministrador, deixando de demonstrar o vínculo entre o denunciado e a conduta criminosa, o que inviabiliza o exercício da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, materializando a responsabilidade penal objetiva, rechaçada pelo Direito brasileiro. 3. O texto do inciso I do artigo 1º da Lei n. 8.176/1991 revela uma norma penal em branco, que exige complementação por meio de ato regulador, devendo a inicial acusatória expressamente mencionar o ato regulatório extrapenal destinado à concreta tipificação do ato praticado, sob pena de inépcia formal da denúncia (HC n. 350.973/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016). 4. Dessa maneira, constatada além da inépcia formal - pela falta de referência à norma infralegal complementar - a inépcia material da denúncia, que teria falhado em descrever as ações ou omissões por parte do agravado e que teriam sido relevantes para os atos delituosos. Assim, não há como manter a denúncia por se revelar demasiado genérica quanto ao ora agravado. 5. Agravo regimental não provido." (AgRg nos EDcl no HC n. 848.613/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 18/10/2023.)

Por fim, embora no recurso especial de Antônio tenha sido pleiteada apenas a desclassificação da conduta para o tipo previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137/1990, a análise do conjunto probatório revela ausência de provas suficientes da prática delituosa e, sobretudo, da existência de dolo por parte do réu, o que torna inviável qualquer forma de responsabilização penal. Diante dessa constatação, impõe-se a concessão de habeas corpus de ofício, medida admitida pela jurisprudência desta Corte Superior nos casos em que, mesmo à míngua de pedido expresso, constata-se flagrante ilegalidade ou constrangimento ilegal no curso do processo. Ante o exposto, concedo habeas corpus, de ofício, a fim de absolver XXXXXXX NETO nos autos da Ação 0000344-34.2019.8.15.2002, por conseguinte, julgo prejudicado o recurso especial do MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA PARAIBA - PGJ. Publique-se. Intime-se.

(STJ -  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2826130 - PB (2024/0478174-9) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 10/04/2025)

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