STJ Abr25 - Tráfico de Droga Desclassificado para Importação Irregular de Medicamentos (art.273 CP) - Consecutiva Nulidade da Condenação Por Associação ao Tráfico (art.35) - Pena de 18 anos para 1 ano e meio.

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de agravo regimental interposto por DIEGO XXXXXX contra decisão em que conheci parcialmente do recurso especial e neguei-lhe provimento. Depreende-se dos autos que o recorrente foi condenado, como incurso nos arts. 12 e 14 da Lei n. 6.368/1976 e 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006, à pena de 21 anos, 4 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado.

Foi dado parcial provimento aos recursos de apelação da defesa, para reduzir a pena aplicada, estabelecida em 18 anos, 3 meses e 27 dias de reclusão, e do Ministério Público. O acórdão está assim ementado (e-STJ fls. 4.630/4.633):

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. FATOS OCORRIDOS NO ESTRANGEIRO. PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE. ARTIGO 36 DA CONVENÇÃO ÚNICA SOBRE ENTORPECENTES. APLICABILIDADE DA LEI BRASILEIRA.EXTRATERRITORIALIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. CRIME DE CONTEÚDO VARIADO. EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. ELEMENTOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA NA INICIAL.CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. FALTA DE LAUDO PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO OBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NO DECRETO Nº 3.810/01. ILICITUDE DAS PROVAS. NÃO OCORRÊNCIA. OITIVA ANTECIPADA DE TESTEMUNHAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL EM E-MAILS E SITES. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL NOS MEDICAMENTOS APREENDIDOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSENTE INTERESSE RECURSAL. APLICABILIDADE DA LEI 11.343/06. INOBSERVÂNCIA DE LIMITES IMPOSTOS PELA SENTENÇA DE EXTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE DO DELITO AUSÊNCIA DE LAUDO DEFINITIVO. ABSOLVIÇÃO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA FINALIDADE DE TRAFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. ALTERAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. REJEIÇÃO DO PLEITO. 1. A prova dos fatos ocorridos no exterior (tráfico de drogas) rege-se pela lei do país em que eles ocorreram. Logo, não infirma a persecutio criminis a circunstância de, com relação a tais fatos, não ter sido produzido laudo toxicológico, que é previsto na lei brasileira. 2. Além disso, em circunstâncias excepcionais - como ocorre no presente caso - admite-se a caracterização do delito de drogas, mesmo sem a elaboração do referido laudo, desde que as demais provas sejam suficientes para tal fim. 3. A excepcionalidade do presente caso reside na circunstância de que, mediante a utilização de estrutura de apoio no Brasil, o réu promoveu, nos Estados Unidos da América, a comercialização, no varejo, por meio da rede mundial de computadores, de medicamentos que continham, em suas formuladas, substâncias que se inserem na categoria de drogas. 4. A caracterização do delito de associação para o tráfico de drogas não reclama a produção de laudo toxicológico. prova pericial. Não se exige, como prova nrasilo irCom relação aos tráficos de drogas ocorridos no exterior do pais, a ausência dos laudos toxicológicos, provisório e definitivo, não infirma a persectutio criminis. fatos ocorridos no exterior do país, a ausência do laudo toxi O combate ao tráfico de entorpecentes orienta-se pelo princípio da universalidade buscando a cooperação dos Estados signatários para assegurar a punição do criminoso que se encontra em seu território, independentemente da nacionalidade do agente ou do lugar da prática do crime. ‎ 2. Em hipóteses como a dos autos, onde o agente é de nacionalidade brasileira, não sendo possível sua extradição, resta evidente que o artigo 36 da Convenção Única Sobre Entorpecentes não tem o condão de afastar a jurisdição nacional, porquanto estaria consagrando hipótese de impunidade, em clara dissonância com as interpretações lógica e teleológica do sistema. 3. A conduta delituosa imputada ao réu teve seu início em território brasileiro - com a exposição à venda de drogas através da disseminação de spams -, e resultado nos Estados Unidos da América, restando clara a aplicabilidade da legislação penal nacional ao caso, diante da conjugação do disposto nos artigos 5° e 6° do Código Penal. 4. O crime de tráfico de drogas é delito de ação múltipla ou conteúdo variado, consumando-se com a prática de quaisquer das condutas previstas no tipo penal e, assim, uma vez realizada a exposição à venda, a posterior efetivação do comércio não caracteriza novo ato de traficância, mas desdobramento do mesmo delito. 5. Uma vez estabelecido que as condutas ora perseguidas ocorreram, ao menos em parte, no território brasileiro, não caracterizando, portanto, hipótese de extraterritorialidade da legislação nacional, desnecessária a comprovação do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 7°, § 2°, do Código Penal. 6. Em que pese a existência de informações em língua estrangeira na exordial, estas não tiveram o condão de limitar o exercício do direito de defesa, concretizado em toda sua amplitude. 7. Em que pese o laudo de constatação preliminar seja elemento suficiente ao estabelecimento da materialidade do delito de tráfico de drogas para fins de recebimento da denúncia (artigo 50, § 1°, da Lei 11.343/06), não se exclui a possibilidade desta ser firmada, neste momento inicial, através de outros meios. 8. A requisição de assistência judiciária diferencia-se do fornecimento espontâneo de provas entre as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de entorpecentes, sendo o Decreto n° 3.810/01 aplicável tão somente à primeira hipótese e, ainda assim, sem exclusividade, haja vista a expressa previsão no sentido da possibilidade de aplicação de qualquer outro acordo, ajuste ou prática bilateral cabível. 9. A colheita antecipada do depoimento dos agentes da Drug Enforcement Administration - DEA se deu com observância da legislação processual pátria, uma vez que o artigo 225 do Código de Processo Penal admite a inversão da ordem dos atos processuais nas hipóteses em que devam as testemunhas se ausentar. 10. Tendo a acusação logrado trazer ao processo faustosa prova referente à autoria das condutas delitivas, desincumbindo-se de seu ônus, a infirmação dos elementos trazidos aos autos é incumbência da defesa, devendo ser observada a regra insculpida no artigo 156 do Código de Processo Penal. 11. No caso, no que se refere à titularidade dos sues utilizados na empreitada delituosa, a prova requerida pela defesa poderia ter sido produzida às próprias expensas, não dependendo de conhecimentos técnicos especializados, não havendo prejuízo no indeferimento da perícia. 12. A comprovação da materialidade do delito é ônus da acusação, ao passo que a ausência de prova referente a tal elemento deve ser interpretada em benefício da defesa, inexistindo interesse da defesa na realização de perícia sobre os medicamentos apreendidos e não havendo, por conseguinte, cerceamento de sua atuação em virtude do indeferimento da medida. 13. A denúncia narra a prática de atos de traficância e associação para o tráfico de drogas que teriam se perpetrado até o ano de julho de 2008, sendo aplicável ao caso o entendimento sedimentado pelo STF na Súmula 711, para determinar a incidência ao caso da Lei 11.343/06. 14. A sentença estrangeira reconheceu a jurisdição brasileira como competente para o processamento e julgamento de todos os fatos constantes do pedido de extradição, não havendo exclusão daqueles ocorridos durante a vigência da Lei 6.368/76. 15. A ausência nos autos do laudo toxicológico definitivo impõe a absolvição pela prática do crime de tráfico ilícito de drogas, considerando que não restou devidamente comprovada a materialidade do delito. 16. Em que pese o crime previsto no artigo 35 da Lei 11.343/06 consubstancie delito autônomo em relação ao tráfico de entorpecentes, imprescindível para sua concretização que os sujeitos associados tenham por finalidade o exercício da traficância, sendo essencial a comprovação de seu vínculo com o objeto material da traficância, qual seja, a droga, o que não ocorreu no caso dos autos. 17. Apesar de não existir prova suficiente à condenação do réu, há indícios que apontam para sua autoria, não tendo sido comprovado que o réu não teria concorrido para a infração penal e devendo, por conseguinte, ser mantida a absolvição com fundamento no artigo 386, inciso Vil, do CPP.

Os embargos de declaração que se seguiram foram rejeitados (e-STJ fls. 4.994/5.034).

Na sequência, foi negado provimento aos embargos infringentes em acórdão assim ementado (e-STJ fl. 5.298):

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. Tendo em vista que o crime de associação para o tráfico ocorreu em parte no Brasil, não é hipótese de extraterritorialidade, razão pela qual não há vício na denúncia em relação ao referido crime.

No recurso especial, a par da invocação de dissídio jurisprudencial, alegou a defesa violação aos arts.156, 158, 184, 386, II, 395, III, e 564, III, “b”, todos do Código de Processo Penal, e 50, 50-A e 52, parágrafo único, da Lei de Drogas, haja vista não ter sido juntado aos autos laudo toxicológico, seja o definitivo, seja o provisório, estando ausente, segundo a defesa, a comprovação da materialidade da conduta em relação ao crime de tráfico de entorpecentes.

Asseverou o recorrente a violação ao art. 36, 2, "a", da Convenção Única de Nova Iorque. Afirmou, nesse sentido, que, "segundo a Convenção Única de Nova Iorque, cada conduta do tipo misto alternativo de tráfico constitui um crime autônomo, motivo pelo qual o fato de as condutas oferecer e expor à venda terem sido realizadas em solo brasileiro não atraí a competência territorial brasileira em relação às condutas ocorridas inteiramente nos EUA (i.e., venda de substância entorpecente e associação para o tráfico).

Por esse motivo, as referidas condutas só poderiam ter sido julgadas no Brasil como fatos extraterritoriais, por aplicação do princípio da universalidade, e, assim, mediante o preenchimento (e a correspondente demonstração desse preenchimento já na denúncia) dos requisitos do art. 7º, § 2º, do CP (referentes à competência brasileira para o julgamento de fato extraterritorial)" – e-STJ fls. 5.334/5.335.

Afirmou que, "ao condenar o recorrente por suposto envio de spams (conduta que consistiria na oferta e exposição à venda de medicamentos controlados – primeira imputação de tráfico), sem que se tivesse produzido a prova técnica necessária à elucidação dos fatos – i.e., o devido exame de corpo de delito – (salientando, ainda, que a produção da referida prova, desde a resposta à acusação, foi requerida repetidas vezes pela defesa), o acórdão negou vigência aos artigos 156, 158, 184, 564 III “b” e 181, todos do CPP" (e-STJ fl. 5.342).

Na sequência, aduziu a ocorrência de violação aos arts. 619 e 620 do CPP, pois as seguintes alegações não foram enfrentadas, mesmo com a oposição dos embargos declaratórios (e-STJ fls. 5.346/5.347):

(3.1.1) Ausência de análise da prova acerca da propriedade dos websites, através dos quais os medicamentos teriam sido vendidos – material juntado pela defesa em sua apelação que comprova que nenhum dos referidos websites foi ou é de propriedade do ora recorrente –; (3.1.2) Ausência de análise acerca dos deveres exigidos pelo art. 33, da Lei de Drogas, aliado ao art. 35, da Portaria SVS/MS nº 344/98 – questão que, uma vez verificada, evidencia a atipicidade do fato imputado ao recorrente; (3.1.3) Diante da demonstração defensiva de que a prova dos fatos ocorridos nos EUA provinha de ação penal diversa daquela em que o recorrente figurava como acusado no referido país: completa ausência de enfrentamento pelo acórdão recorrido das decisões norte-americanas (trazidas pela defesa) que comprovam a absoluta falta de relação entre as mencionadas ações penais estrangeiras; (3.1.4) Diante da demonstração defensiva de que o comércio de medicamentos controlados via internet nos EUA somente foi criminalizado em data posterior aos fatos imputados ao recorrente: igual ausência de enfrentamento do ponto pelo acórdão recorrido, que nada disse à respeito.

Com relação ao mérito da imputação, alegou que "o fato narrado pela denúncia e pelo qual o acusado [...] [foi] condenado –, isto é: 'oferecer e expor à venda substâncias entorpecentes psicotrópicas, sem a necessidade de que o consumidor apresentasse a prescrição médica exigida' – não constitui crime segundo a legislação nacional.

O art. 35, da Portaria SVS/MS n. 344/98 não regulamenta a publicidade de medicamentos controlados, mas única e exclusivamente a forma por meio da qual deve se dar a venda de medicamentos controlados" (e-STJ fl. 5.369). Ressaltou, ainda, que o fato seria atípico também nos EUA.

Por fim, apontou que, "se o réu é brasileiro, nada autoriza o acusador a versar a inicial do processo-crime em outro idioma que não seja o português.

Se entender necessário o uso de informações contidas em documentos cujos originais encontrem- se redigidos em língua estrangeira, nada há que o impeça, mas obrigatoriamente deve promover a tradução do material, de modo a assegurar que a denúncia esteja versada integralmente em língua portuguesa. Ou é assim, ou se produz denúncia obscura, lacunosa, que estiola as garantias pétreas do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, caso da inepta inicial aqui debatida" (e-STJ fl. 5.390).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso, para que lhe fosse dado parcial provimento, nos termos da ementa a seguir transcrita (e-STJ fls. 5.601/5.604):

RECURSO ESPECIAL. TRAFICO ILÍCITO DE DROGAS. OFERECIMENTO E VENDA DE MEDICAMENTOS DE USO CONTROLADO PARA O EXTERIOR, VIA INTERNET, SEM ATENDIMENTO ÀS DISPOSIÇÕES REGULAMENTARES. RECEITAS EMITIDAS POR MÉDICOS CONTRATADOS E PAGOS PELO PRÓPRIO ACUSADO, SEM CONSULTA PRESENCIAL ENTRE PACIENTE E MÉDICO. COMPETÊNCIA. MATERIALIDADE. LAUDOS TOXICOLÓGICOS. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OMISSÃO DO ACÓRDÃO QUANTO A EXAME DE QUESTÕES SUSCITADAS PELA DEFESA. POSSÍVEL ATIPICIDADE DA CONDUTA, DIANTE DO ALCANCE DA PORTARIA QUE, SEGUNDO ENTENDIMENTO DO RECORRENTE, SE DIRIGE APENAS AOS MÉDICOS E FARMACÊUTICOS. Dissídio pretoriano não comprovado nem caracterizado. Para fixação da competência da Justiça brasileira, além de considerar que “O combate ao tráfico de entorpecentes orienta-se pelo princípio da universalidade buscando a cooperação dos Estados signatários para assegurar a punição do criminoso que se encontra em seu território, independentemente da nacionalidade do agente ou do lugar da prática do crime”, o acórdão recorrido ainda invocou como fundamento, o fato de que, “Em hipóteses como a dos autos, onde o agente é de nacionalidade brasileira, não sendo possível sua extradição , resta evidente que o artigo 36 da Convenção Única Sobre Entorpecentes não tem o condão de afastar a jurisdição nacional, porquanto estaria consagrando hipótese de impunidade, em clara dissonância com as interpretações lógica e teleológica do sistema.” (nosso o destaque). O segundo fundamento, suficiente para a manutenção do acórdão, não foi impugnado pelo recorrente, atraindo a incidência da Súmula 283, como obstáculo ao conhecimento do apelo. De qualquer sorte, sendo o acusado brasileiro, residente no Brasil, tendo cometido fato criminoso cujo resultado alcançou mais de um país, tratando-se, ainda, de tipo penal de múltipla incriminação – caso do tráfico de drogas –, cuja competência internacional para o processo e julgamento é concorrente, expressando o Princípio da Justiça Universal, a teor do disposto no art. 36, II, a, da Convenção Única de Nova York, promulgada pelo Decreto n° 54.216/64, deve ser julgado pela Justiça Brasileira, em relação a todos os fatos, sob pena de restar impune em relação àquele praticado no estrangeiro, o que, a toda evidência, não é o objetivo da Convenção em destaque, tendo em vista que não poderia ser extraditado para os Estados Unidos da América para responder pelos crimes lá eventualmente consumados. Além disso, o acórdão recorrido demonstrou, à saciedade, que os fatos imputados ao recorrente tiveram sua execução iniciada no Brasil, embora o resultado ocorresse no exterior, onde as drogas eram entregues, certo que em relação à associação criminosa, embora estivesse associado a pessoas de outra nacionalidade, daqui do Brasil, ou de onde estivesse, comandava a organização, não se caracterizando, sequer, hipótese de extraterritorialidade da legislação nacional. Relativamente à não comprovação da materialidade, por falta de laudos toxicológicos, o acórdão recorrido decidiu a questão à luz do art. 13, do Decreto-Lei n° 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), segundo o qual, “A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.” Ressaltou que, pelo menos parte dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado ocorreu em território alienígena, destacando, ainda, que “As provas nas quais a denúncia se baseia - comprovantes de compras de drogas, feitas por agentes policiais infiltrados, arquivos de mídia, comprovantes de movimentações bancárias etc. - não são desconhecidas pela lei brasileira.” Dito fundamento, suficiente para manutenção do acórdão, não foi impugnado pelo recorrente, atraindo a incidência da Súmula 283-STF. De qualquer sorte, ao concluir pela existência de prova da autoria e materialidade do crime, o acórdão recorrido consignou que, “Por amostragem, os medicamentos apreendidos foram periciados (fls. 976/998), e a perícia comprovou que todos eles continham os princípios ativos que justificavam sua inclusão em listas de medicamentos de uso controlado” e que “Exame laboratorial realizado sobre o produto adquirido confirmou a presença do princípio ativo phentermine hydrochloride (fls 920-3)”, daí ressaindo que foi realizada perícia técnica para comprovação da materialidade delitiva, de sorte que para desconstituir dita conclusão, há necessidade de incursão em sítio probatório, inadmissível em sede especial, nos termos da Súmula 7-STJ. Relativamente a apontada nulidade, por indeferimento de prova técnica para identificação dos proprietários dos websites envolvidos na empreitada criminosa, através dos quais era realizada a oferta e venda de drogas, o acórdão recorrido considerou que “a verificação de quem é, formalmente, o proprietário de um website, independe da realização de prova pericial”. “Além disso, a sentença demonstra, concretamente, que a defesa poderia com facilidade obter, ela própria, a prova que reclama.” O segundo fundamento não foi impugnado pelo recorrente, atraindo, mais uma vez, a incidência da Súmula 283-STF. Quanto ao indeferimento, na fase de diligências, do pedido de ouvida do perito e dos assistentes técnicos, cumpre registrar que o Juiz pode, fundamentadamente, indeferir diligências que considere dispensáveis ou meramente procrastinatórias, estando o entendimento sufragado pela Corte Regional Federal em perfeita harmonia com a jurisprudência dessa Augusta Corte, atraindo a incidência da Súmula 83-STJ. Ademais, para aferir ocorrência de eventual necessidade da diligência, considerada de nenhuma valia pelo acórdão recorrido, há necessidade de reexame de sítio probatório, inadmissível na instância nobre, nos termos da Súmula 7-STJ. Alegação de inépcia da denúncia perde relevo após superveniência de sentença condenatória já confirmada em segundo grau. Verifica-se, todavia, que a questão relativa à atipicidade da conduta, sob argumento de que “O TIPO PENAL DE TRÁFICO NÃO PODE SER IMPUTADO AO RECORRENTE” na medida em que “OS DEVERES PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO AMERICANA E BRASILEIRA PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS CONTROLADOS SE DIRIGEM A MÉDICOS E A FARMACÊUTICOS”, lembrando que “o tipo penal de tráfico, no que toca à venda de medicamentos controlados, é integrado pela Portaria SVS/MS nº 344/98”, de sorte que “tendo em vista que o direito penal atual dispõe como um dos requisitos à averiguação da possibilidade de se imputar um resultado a alguém (da chamada imputação objetiva do resultado), que este resultado pertença ao chamado âmbito de proteção da norma (ou, fim de proteção do tipo)” o que haveria de ser aferido, segundo a defesa, a partir da norma inscrita no art. 35, da referida Portaria. Considerando que a tese esgrimida pelo recorrente está centrada na atipicidade da conduta a ele atribuída – apenas de oferecer medicamentos através de spans –, ressaltado que o tipo penal que lhe foi imputado – norma penal em branco – é integrado pela Portaria SVS/MS nº 344/98, cujo regramento inscrito em seu art. 35 se destina aos médicos e farmacêuticos, certo que o dever ali previsto não pode ser atribuído a quem não ostenta tais qualidades, haveria o acórdão de enfrentar a questão, vez que, eventualmente vitoriosa a tese, o resultado do julgamento certamente seria distinto. O acórdão, em tal segmento, portanto, foi omisso, restando caracterizada a alegada ofensa ao art. 619, do Código de Processo Penal. A questão suscitada no item seguinte está diretamente relacionada à apontada falta de ilicitude da conduta, com base na aplicação da Portaria SVS/MS nº 344/98, ficando seu exame, desse modo, por ora prejudicado. Parecer pelo parcial conhecimento do recurso especial, provendo-o, em parte, na extensão conhecida, para determinar o rejulgamento dos embargos declaratórios, examinando a questão relativa à atipicidade da conduta atribuída ao recorrente, quanto ao alcance das normas inscritas na Portaria SVS/MS nº 344/98, especialmente em seu art. 35, decidindo-a como entender de direito.

Contra a decisão de e-STJ fls. 5.814/5.842 a defesa interpõe o presente agravo regimental, no qual alega que, ao contrário do que foi decidido, "houve, sim, impugnação específica de ambos os fundamentos, no tópico referente ao laudo toxicológico do Recurso Especial" (e-STJ fl. 5.854).

Quanto ao ponto, destaca que, "mesmo nos casos de tráfico internacional de drogas, a prova pericial para a materialidade do delito não é dispensada. É imprescindível, no mínimo, a elaboração de um exame técnico definitivo – ainda que realizado por autoridade estrangeira – para identificar a natureza da substância, de forma a não remanescer dúvida a respeito da materialidade delitiva" (e-STJ fl. 5.854).

Por fim, aduz que, "mesmo nos EUA, o rigor técnico e a confiabilidade da perícia são requisitos indispensáveis para a comprovação da materialidade do delito, o que reforça a necessidade de sua observância no presente caso" (e-STJ fl. 5.857).

A defesa reitera a alegação de que a conduta atribuída ao agravante seria atípica, pois, "no caso em exame, os e-mails anexados aos autos, que supostamente comprovariam uma oferta inequívoca de medicamentos controlados sem prescrição, não fazem menção sobre a exigência ou dispensa de receita médica. Limitam-se a divulgar o produto, sem especificar critérios de venda" (e-STJ fl. 5.863).

Ademais, enfatiza que "a regularidade de consultas médicas e das receitas prescritas é uma questão jurídica complexa, exigindo análise técnica especializada. Para que se discuta a validade ou eventual nulidade de prescrições médicas, seria indispensável o exame por profissionais da área" (e-STJ fl. 5.865).

Além disso, destaca não haver óbice ao exame de norma infralegal por meio do recurso especial. Por fim, aponta o advento da Lei n. 14.510/2022, que autorizou a prática da telessaúde.

Suscita a defesa o malferimento ao art. 36, 2º, "a", da Convenção de Nova Iorque, apontando que "o fato de as condutas de oferecer e expor à venda terem ocorrido em solo brasileiro não atrai automaticamente a competência territorial do Brasil para julgar os atos praticados integralmente nos Estados Unidos, como a venda de substâncias entorpecentes e a associação para o tráfico" (e-STJ fl. 5.871).

Reitera a violação aos arts. 619 e 620 do CPP, tendo em vista que as omissões apontadas no recurso especial remanescem.

Ao final, "requer [...] a concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 647-A do CPP sendo franqueado ao acusado amplo acesso ao conteúdo das delações premiadas dos informantes, em estrita observância à legislação aplicável e à jurisprudência consolidada do STJ e do STF, determinando a nulidade do processo desde então" (e-STJ fls. 5.879/5.880).

É o relatório. Decido.

Conforme se depreende da leitura do relatório, o agravante, na instância ordinária, foi condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes e por associação para o mesmo fim. Neste agravo regimental, interposto contra decisão de minha lavra que conheceu parcialmente do recurso especial e lhe negou provimento, a defesa reitera as mesmas alegações constantes do recurso especial, atinentes a questões preliminares e ao mérito. Não obstante tais ponderações, melhor examinando os elementos que informam este feito, constato, a necessidade de, de ofício, se proceder à adequada classificação dos fatos narrados na denúncia. Impende consignar que, constatada situação de flagrante ilegalidade, cabe a concessão de habeas corpus de ofício, a fim de fazer cessar o constrangimento ilegal infligido ao acusado.

Neste sentido: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do agravo em recurso especial, em razão da ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida, conforme Súmula n. 182 do STJ. 2. O agravante foi condenado pelos delitos de tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico, ambos previstos na Lei n. 11.343/2006. 3. No agravo regimental, a defesa reiterou os fundamentos do recurso especial e requereu a concessão de habeas corpus de ofício. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se a ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial impede o conhecimento do agravo regimental. 5. Outra questão é a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício para absolver o agravante dos crimes imputados. III. Razões de decidir 6. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida atrai a incidência da Súmula n. 182 do STJ, impedindo o conhecimento do agravo regimental. 7. A concessão de habeas corpus de ofício é cabível quando se verifica flagrante ilegalidade, como ocorre no caso dos autos, em que não se verifica elemento que comprove a estabilidade e permanência da associação para o tráfico, conforme exigido pelo art. 35 da Lei n. 11.343/2006. IV. Dispositivo e tese 8. Agravo regimental não conhecido, mas concedida a ordem de habeas corpus de ofício para absolver o agravante da conduta descrita no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06. Tese de julgamento: "1. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida impede o conhecimento do agravo regimental. 2. A concessão de habeas corpus de ofício é cabível quando verificada flagrante ilegalidade". Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, art. 932, III; Lei n. 11.343/2006, art. 35. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2008006/SP, Rel. Min. Olindo Menezes, Sexta Turma, DJe 07/04/2022; STJ, AgRg no AREsp 2037040/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 28/03/2022. (AgRg no AREsp n. 2.445.988/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 24/3/2025.)

No caso em exame, o Ministério Público Federal, ao denunciar o agravante, consignou o que se segue (e-STJ fls. 15/17 e 32):

Em julho de 2005, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, por meio do órgão especiali7ado Drug Enforcement Administration (DEA), da Divisão de São Francisco (Califórnia), iniciou uma investigação sobre unia organização criminosa que estaria efetuando a venda de drogas pela Internet, consistente em medicamentos submetidos a controle especial, comercializados com receitas ilegais. Dentre as diligências levadas a cabo pelo Drug Enforcement Administration (DEA), destaca-se a reali7ação de medida de busca e apreensão na sede da UNITED CARE PHARMACY, registrada em filmagem (Anexo H, Vol. 3 - DVD) pelos agentes norte-americanos. As imagens disponibilizadas pelo DEA demonstram que a UNITED CARE PHARMACY armazenava os medicamentos, os quais eram adquiridos em grandes quantidades e, posteriormente, acondicionados em embalagens menores para remessa ao consumidor por meio das empresas de transporte FEDERAL EXPRESS CORPORATION (FEDEX) e UNITED PARCEL SER VICE INC. (UPS). Com base nesses dados, o Drug Enforcement Administration (DEA) deflagrou, em 2007, a Operação CLICK-4-DRUGS (Anexo H, Vol. 1 - fls. 16-20). No curso das investigações, o DEA identificou a participação do norte - americano MICHAEL ARNOLD, assim como do brasileiro DIEGO PODOLSKY PAES, o qual, utilizando -se da propagação de spams que clireciortavarn a websites de "farmácias virtuais", oferecia, expunha à venda e efetivamente promovia a venda, por meio da PITCAIRN INVESTM ENTES INC. (empresa controlada por DIEGO), e da UNITED CARE PHARMACY (sua principal fornecedora), assim como de outras farmácias norte-americanas, de medicamentos controlados, compostos de substâncias ativas são consideradas entorpecentes e psicotrópicas, capazes de causar dependência, tanto na legislação dos Estados Unidos quanto no Brasil, tudo em desacordo com a lei e a regulamentação pertinente (Anexo 11, Vol. 1 - fLs. 16-20). (...) Os denunciados DIEGO PODOLSKY PAES e BRUNO LACERDA RATNTEKS, a partir de maio de 2006, pelo menos, e até julho de 2008 (quando foram presos), associaram-se para a prática reiterada dos crimes previstos no art. 12 da Lei 6.368/76 (até 07/10/2006) e art. 33 da Lei 11.343/06 (de 08/10/2006 em diante), consistentes no oferecimento, exposição à venda e efetiva venda, em desacordo com a determinação legal e regulamentar, de substâncias entorpecentes e psicotrópicas capazes de causar dependência, submetidas a controle especial, nos termos da Portaria SVS/MS ni2 344, de 12 de maio de 1998, com correspondência na legislação dos Estados Unidos, destino final da maior parte das substâncias controladas e vendidas com receita ilegal, como, por exemplo: ambien, phentermine, valiam, xanax, butalbital, tramado!, ultracet, ultram, e zoioft, tudo conforme detalhado mais adiante (item H-B). (...) O Drug Enforcement Administration (DEA), no escopo de comprovar a efetiva comercialização de medicamentos contendo substâncias entorpecentes e psicotrópicas à margem das disposições legais e regulamentares, acessou alguns dos zvebsites divulgados pelos spams enviados por DIEGO, por meio dos quais o denunciado os vendia, e adquiriu medicamentos controlados sem qualquer exigência de receita médica pelo vendedor (Anexo II, Vol. 3 - fLs. 02-03 e 269), conforme se observa a seguir: (a) Em 16/11/2005, utilizando o pseudônimo de Eugene Johnson, bem como o e-mail bigiedipimp@yahoo.com , agentes do DEA acessaram o site www.ezprescription.net , controlado por DIEGO, cuja honzepage apresentava as categorias de produtos oferecidos (antidepressivos, antibióticos, ansioliticos, anticoncepcionais, diuréticos, antigripais, relaxantes musculares, remédios para saúde sexual, emagrecedores etc), e procederam à aquisição do produto da seguinte forma:

Vê-se, portanto, que a conduta imputada ao agravante consistia, exclusivamente, na venda de medicamentos, pela internet, em desacordo com a determinação legal.

Neste caso, tendo em vista o princípio da especialidade, parece-me mais adequada a capitulação dos fatos no art. 273 do Código Penal, ao invés do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, tendo em vista que a conduta restringiu-se à venda irregular de medicamentos e não de outras substâncias psicotrópicas, como maconha, cocaína, ou quaisquer outras drogas.

Assim dispõe o art. 273 do Código Penal:

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Modalidade culposa § 2º - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Com efeito, ao participar de um esquema que, em última instância, pretendia vender, de forma irregular, medicamentos por meio de farmácias virtuais na internet, a conduta deve se subsumir ao disposto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.

Nesse sentido, vale registar que esta Corte, em caso análogo, assim decidiu:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS VERSUS ART. 273 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INCIDÊNCIA. FINALIDADE ÚNICA DAS CONDUTAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AGRAVANTE DA LIDERANÇA. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. PENA-BASE E REGIME. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Com a prolação de sentença condenatória (confirmada, aliás, em apelação), fica esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia. Isso porque se, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos ao longo da instrução criminal, já houve um pronunciamento sobre o próprio mérito da persecução penal (denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória), não há mais sentindo em se analisar eventual inépcia da denúncia, mácula condizente com sua própria higidez. 2. Os acusados foram condenados pela prática dos delitos previstos nos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006, e no art. 273, caput, §§ 1º e 1º-B, I e V, do Código Penal, nenhum deles considerado crime funcional para fins de aplicação dos arts. 513 a 518 do Código de Processo Penal, o que afasta a incidência do art. 514 e, por conseguinte, a obrigatoriedade de oferecimento de resposta antes do recebimento da denúncia. De todo modo, o art. 514 do Código de Processo Penal, por expressa previsão legal, somente tem incidência nos casos de crimes afiançáveis, inaplicável, portanto, aos delitos de tráfico de drogas e de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, que, a teor do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, são inafiançáveis. 3. Mostra-se inviável a análise da alegada ausência de prova pericial suficiente para a comprovação da materialidade delitiva, uma vez que os recorrentes não apontaram, com a necessária precisão e clareza, quais os dispositivos de lei federal tidos como violados, de modo que está inequívoca a deficiência em sua fundamentação. Incidência, por analogia, da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. 4. A pretendida desclassificação da conduta imputada aos recorrentes para o crime previsto no art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/1990 demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, providência que, conforme é cediço, é vedada em recurso especial, a teor do disposto na Súmula n. 7 deste Superior Tribunal. 5. Os tipos penais previstos no art. 273, caput, §§ 1º e 1º-B, I e V, do Código Penal - cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública - visam a punir a conduta do agente que, entre outros, importa, vende, expõe a venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto "falsificado, corrompido, adulterado ou alterado" (§ 1º-B, caput), "sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente" (§ 1º-B, inciso I) ou "de procedência ignorada" (§ 1º-B, inciso V). 6. A definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (daí a classificação doutrinária, em relação ao art. 33 da Lei n. 11.343/2006, de que se está diante de uma norma penal em branco heterogênea). 7. Em que pese haver sido constatado que parte do material apreendido e periciado contém substâncias psicotrópicas constantes da Portaria n. 344, de 12/5/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, capazes de causar dependência - conduta que, em princípio, se amolda ao tipo descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 -, não há como subsistir a condenação dos acusados em relação ao crime de tráfico de drogas, de forma autônoma. 8. Um dos requisitos do concurso aparente de normas penais e do princípio da consunção consiste, justamente, na pluralidade de normas aparentemente aplicáveis a uma mesma hipótese. Isso acarreta a necessidade de que o caso concreto preencha, aparente e completamente, a estrutura essencial de todas as normas incriminadoras. 9. Não obstante, à primeira vista, a valoração dos fatos postos em discussão aponte, em tese, para o possível cometimento, em concurso, dos crimes de tráfico de drogas e de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, certo é que o fato rendeu a prática de um único crime. Isso porque a intenção criminosa dos recorrentes era, em última análise, a de adquirir, ter em depósito, guardar, prescrever especificamente "produtos terapêuticos ou medicinais", utilizando-se, para tal finalidade, de estabelecimento comercial. 10. Não se mostra plausível sustentar a prática de dois crimes distintos e em concurso material quando, em um mesmo cenário fático, se observa que a intenção criminosa era dirigida para uma única finalidade, perceptível, com clareza, ante os assentados de maneira incontroversa pelo acórdão recorrido. 11. No universo de medicamentos ou de substâncias ilegais que eram manipulados, prescritos, alterados ou comercializados, foram apreendidas algumas que estão previstas em portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária como substâncias psicotrópicas no Brasil (diazepam, zopiclona, zolpidem, bromazepam). Ou seja, trata-se de continente que abarcava, em seu conteúdo, substâncias que, em princípio, caracterizariam o tráfico de drogas. 12. Nessa conduta dirigida a comercializar ilegalmente medicamentos destinados a fins terapêuticos e medicinais, sucedeu de haver substâncias que ora não possuíam registro no órgão de vigilância sanitária, ora estavam elencadas na lista de substâncias psicotrópicas da Portaria SVS/MS n. 344/1998, ora possuíam princípios ativos controlados, ora tiveram a alteração de suas cápsulas, para dar a aparência de que manipulados fossem. 13. Os fatos materializados demonstraram ser a conduta dos recorrentes, desde o início de sua empreitada, orientada para, numa sucessão de eventos e sob a fachada de uma farmácia, falsificar, vender e manter em depósito para venda produtos falsificados destinados a fins terapêuticos e medicinais. Essa unidade de valor jurídico da situação de fato justifica, no caso concreto, a aplicação de uma só norma penal. 14. Inequívoco que o fato aparentemente compreendido na norma incriminadora afastada (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) encontra-se, na inteireza da sua estrutura e do seu significado valorativo, na estrutura do crime regulado pela norma que, no caso, será prevalecente (art. 273 do Código Penal). 15. A conclusão pela incidência do princípio da consunção não demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento, de fato, vedado na via do recurso especial, consoante o disposto na Súmula n. 7 do STJ. O caso em análise, diversamente, demanda apenas a revaloração de fatos incontroversos já delineados nos autos e de provas já devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória, bem como a discussão, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada aos tipos penais previstos nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e 273, caput, §§ 1º e 1º-B, I e V, do Código Penal, quando presentes no mesmo contexto fático. 16. Ainda que o Decreto Legislativo n. 273/2014 do Senado Federal (norma posterior de caráter mais benéfico) haja sustado os efeitos da RDC n. 52, ainda permanece o rigoroso controle de comercialização das substâncias mazindol, femproporex e anfepramona, justamente em razão da dependência que podem causar. De todo modo, o referido decreto faz menção apenas às substâncias anfepramona, femproporex e mazindol, seus sais, isômeros e intermediários, bem como àquelas que contenham a substância sibutramina, seus sais, isômeros e intermediários, sendo certo que diversas outras substâncias, também sujeitas a controle especial, foram localizadas em poder dos recorrentes (metilfenidato e diazepam), sem o registro no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal). 17. As alegações de que não ficou demonstrado o elemento subjetivo especial dos agentes, não adveio perigo concreto da conduta dos recorrentes, não foi vulnerada a saúde pública (porquanto os medicamentos seriam apenas para uso pessoal), não foram tratadas, nem ao menos implicitamente, no acórdão impugnado, motivo pelo qual incide o enunciado nas Súmulas n. 282 e 356, ambas do STF, aplicadas por analogia ao recurso especial. 18. Com o afastamento da condenação relativa ao crime de tráfico de drogas, não há como subsistir a condenação pelo delito descrito no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, o qual fica caracterizado somente se houver associação estável e permanente voltada para o fim de praticar, reiteradamente ou não, apenas os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei n. 11.343/2006. 19. Aplicado o princípio da consunção, fica prejudicada a análise da pretendida redução da pena-base aplicada tanto em relação ao crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 quanto em relação ao delito descrito no art. 273, caput, §§ 1º e 1º-B, I e V, do Código Penal, devendo os autos retornar ao Juízo de primeiro grau, a fim de que, em razão da nova capitulação jurídica dada às condutas praticadas pelos recorrentes, realize nova dosimetria da pena. 20. Uma vez evidenciado que a recorrente exerceu papel de liderança na atividade criminosa, deve ser mantida a incidência da agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal. O fato de a recorrente ser companheira do corréu - e, portanto, o fato de se tratar de relação familiar - não obsta, por si só, o reconhecimento da agravante, porquanto não afasta, de per si, a circunstância de haver ela coordenado ou dirigido a prática delitiva. 21. Não obstante os recorrentes fossem tecnicamente primários ao tempo do delito e possuidores de bons antecedentes, mostra-se inviável a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, em razão da existência de elementos concretos que levaram a crer que os acusados se dedicavam a atividades criminosas, tendo em vista ter sido suficientemente comprovada a união estável e permanente entre eles para o fim de praticar crimes, notadamente o delito descrito no art. 273 do Código Penal. 22. Uma vez que foi reconhecida a incidência do princípio da consunção, caberá ao Magistrado de primeiro grau, ao reanalisar a dosimetria da pena, reavaliar o regime inicial de cumprimento da reprimenda, com observância às disposições contidas no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. 23. Recurso especial parcialmente provido, nos termos do voto do Ministro Rogerio Schietti. (REsp n. 1.537.773/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/2016, DJe de 19/9/2016.)

Assim, faz-se necessário proceder ao redimensionamento da pena. Ocorre que o delito descrito no art. 273, § 1º-B, do Código Penal, foi alvo de exame pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 979.962, com repercussão geral (Tema n. 1.003), no qual se considerou inconstitucional o preceito secundário, especificamente do inciso I, § 1º-B, do art. 273 do Código Penal, determinando a repristinação do preceito secundário da norma, que previa a pena de 1 a 3 anos de reclusão.

Neste sentido:

HABEAS CORPUS. ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 9.677/1998. INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO. PRECEDENTE. ALCANCE. TIPO MISTO ALTERNATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 979.962 (TEMA 1003). REPRISTINAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DA REDAÇÃO ORIGINAL DO TIPO. 1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pronunciou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tendo em conta a violação do princípio da proporcionalidade pelo legislador na fixação em abstrato da pena (AI no HC n. 239.363/PR, de minha relatoria, Corte Especial, DJe de 10/4/2015). 2. No julgamento do RE n. 979.962, com repercussão geral (Tema 1.003), o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o preceito secundário, especificamente do inciso I, § 1º-B, do art. 273 do Código Penal, determinando a repristinação do preceito secundário da norma, solução diversa da adotada por este Tribunal. 3. O tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal perfaz-se com a prática de quaisquer das condutas elencadas nos seus incisos e, quando praticadas num mesmo contexto, configuram crime único. Trata-se de tipo penal misto alternativo (ou de ação múltipla ou conteúdo variável). No caso, a interpretação dada pelo Tribunal local violou a técnica legislativa, cindindo o tipo penal. A gravidade das condutas descritas nos incisos não é exatamente a mesma. A técnica legislativa do tipo misto alternativo elenca condutas diversas, mas dentro de um mesmo contexto de reprovabilidade, com gravidade muito semelhante. 4. Necessário adequar a jurisprudência deste Tribunal e aplicar o preceito secundário da redação original do art. 273 do Código Penal. 5. Ordem concedida para determinar que o Quinto Grupo Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo rejulgue a Revisão Criminal n. 2286712-43.2021.8.26.0000, observando a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal. Determinado, ainda, o recolhimento do mandado de prisão até o julgamento do feito pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. (HC n. 739.791/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

Assim, tendo em vista os parâmetros adotados na instância ordinária, mantenho o aumento da pena-base na fração de 3/5, alcançando a pena de 1 ano, 7 meses e 6 dias de reclusão, a qual torno definitiva. Por conseguinte, reconheço o advento da prescrição da pretensão punitiva, pois o prazo prescricional de 4 anos já foi ultrapassado, considerando-se que o último marco interruptivo, o julgamento dos embargos infringentes, ocorreu em 16/5/2019.

Ademais, a desclassificação do crime de tráfico implica o afastamento do crime da respectiva associação, haja vista a relação de dependência existente entre ambos. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para desclassificar a conduta e, consequentemente, declarar extinta a punibilidade do agravante. Julgo prejudicado o agravo regimental. Publique-se. Intimem-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1835395 - RS (2019/0259924-9) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 14/04/2025.)

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