STJ Mar25 - Busca Domiciliar Sem Mandado Feito Por Guarda Municipal - Nulidade das Provas - Absolvição- Art. 33 da Lei de Drogas

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

EMENTA HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DIREITO PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM MANDADO JUDICIAL, FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. CONTEXTO FÁTICO ANTERIOR. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. Ordem concedida nos termos do dispositivo.

DECISÃO O presente writ, impetrado em benefício de XXXXXXX – condenado às penas de 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 600 dias-multa, por incursão no crime de tráfico de drogas –, em que se aponta como órgão coator o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (Apelação Criminal n. 0005487-75.2022.8.08.0035), comporta acolhimento.

Busca-se, nesta impetração, a absolvição do paciente ao argumento de nulidade das provas obtidas mediante violação de domicílio. Aduz-se que as medidas invasivas foram realizadas tão somente com base em denúncia anônima. Subsidiariamente, requer-se a aplicação da causa especial de diminuição de pena do tráfico privilegiado. Sem pedido liminar. As informações foram prestadas às fls. 82/86.

O Ministério Público Federal, às fls. 136/147, opina pela denegação da ordem. É o relatório. O presente writ é substitutivo de recurso próprio, e é certo que o habeas corpus tem suas hipóteses de cabimento restritas e não deve ser utilizado a fim de provocar a discussão de temas afetos a recurso de apelação criminal, a recurso especial, a agravo em execução e a recurso em sentido estrito.

Não obstante, verifico que, no caso em tela, eventual concessão da ordem influenciará diretamente no status libertatis do paciente, de maneira que passo à análise do mérito.

Por oportuno, são estes, no que interessa, os termos da sentença do Juiz de primeira instância (fls. 19/20 – grifo nosso):

[...] O GM Ramon, em juízo, relatou que receberam denúncia de que o acusado estaria armazenando drogas para o tráfico da Gameleira e estaria em posse da substância. Prossegue dizendo que, ao chegar ao local foram recebidos por uma mulher, companheira do acusado, que autorizou a entrada dos policiais, chegando logo a seguir o acusado, relatando que tomava conta do local. Informou que no interior da casa foi encontrada uma réplica de fuzil, com ponta suprimida, para aparentar ser verdadeira e que, no forro do imóvel, foi encontrada uma sacola com pinos de cocaína, em forma de carga, sendo que o acusado disse que a droga seria de terceiro que havia estado no local em dia próximo, a quem poderia a substância pertencer, bem como, em outro momento, que para ela a guardava, contradizendo-se, ainda, ora dizendo que tinha ciência e ora que não, da existência das substâncias no local. O GM Renato, na fase judicial, declarou ter recebido denúncia de que o acusado estaria guardando cocaína/escama, para o movimento da Gameleira, do qual seria gerente e que chegando ao local, uma mulher se apresentou como esposa do acusado, autorizando a entrada dos policiais e que, logo em seguida, este também chegou ao local. Disse que em buscas, foi localizada na residência uma arma de air soft e no teto a escama de cocaína, informando que somente quem morava no local poderia lá acondicioná-la, eis que necessário uso de escada para acessar. Narrou que em princípio o acusado negou, mas, posteriormente confessou que fazia a guarda da substância para o indivíduo conhecido como Gigante. O Acusado, quando de seu interrogatório em Juízo, negou a propriedade da maconha e da cocaína, dizendo que aquela seria de sua esposa. Disse que os pinos de cocaína pertenciam a Gigante, a quem conhecia fazia três meses, e que seria o gerente do tráfico, para quem alugou uma das quitinetes das quais tomava conta. [...] Por sua vez, ao afastar a preliminar de nulidade, o Tribunal a quo fê-lo sob estes fundamentos (fls. 57/60 – grifo nosso): [...] Pois bem. Adentrando ao mérito propriamente dito, a denúncia de fls. 02/03, narrou que: “[...] no dia 15 de julho de 2022, por volta das l6h40min, na Rua Lúcio Barcelar, nº 186, Praia da Costa, Vila Velha/ES, o denunciado, acima qualificado, em associação, guardava, drogas ilícitas para o fim de traficância, conforme Boletim Unificado de fls. 13/15, Auto de Apreensão de fl. 11 e Auto de Constatação Provisório de Natureza e Quantidade de Drogas de fl. 12. Depreende-se dos autos que, guardas municipais, foram acionados por populares, informando que no bairro Praia da Costa, mais precisamente na Rua Lúcio Barcelar, n° 186, Praia da Costa, Vila Velha/ES, o indivíduo conhecido por Leonardo, vulgo ‘Leo’, era o responsável pela guarda de drogas, ou seja, estava ‘guardando a escama da favela da ‘concrevit’, em Itapuã, que ele seria o gerente da ‘escama’. Diante das informações recolhidas, a guarnição se dirigiu até o local, na porta da residência informada foi feito contato com a pessoa de Lídia Horraine Praxedes, qual autorizou a entrada dos guardas, logo na entrada, mais precisamente no quintal, um indivíduo se apresentou para a guarnição, sendo este Leonardo Saldanha de Oliveira, disse que era companheiro de Lídia e que a denúncia era infundada e os guardas poderiam verificar a residência. [...] Em relação ao pleito absolutório, inicialmente, a defesa aduziu que “os guardas municipais receberam ‘denúncia’ e procederam a busca no domicílio do apelante, após o que encontraram, em outro local, certa quantidade de drogas que ensejou a prisão em flagrante delito. Conclui-se, portanto, que não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita a efetuarem a busca e apreensão em relação ao acusado”. Assim, entende o apelante ter restado evidenciada a “ilicitude da prisão efetivada e das provas produzidas pelas buscas empreendidas, por falta de diligências que corroborassem a denúncia anônima, de mandado policial que as autorizasse, por falta de razões objetivas, racionais, visíveis de plano que caracterizassem situação de flagrância e por falta de provas seguras de que houve consentimento válido para o ingresso no local”. Ocorre que, idêntica argumentação já havia sido formalizada pela defesa em sede de alegações finais, sendo integralmente rechaçada pela magistrada a quo. Confira-se: Sob tal perspectiva, ressalto que o crime de tráfico de drogas se insere no rol dos delitos permanentes, de modo que o estado de flagrância se perpetua até cessada a prática crime, fato que também autoriza o ingresso de pessoas na residência para fazer cessar a conduta, conforme autorizado pela Constituição Federal, em seu art. 5º, XI, da CF, no qual afasta a inviolabilidade de domicílio nos casos de flagrante delito. [...] E não é só. Assim como descrito no judicioso parecer ministerial e “a despeito do que alega a defesa, consta do Boletim Unificado lavrado a informação de que o acusado e sua companheira teriam franqueado a entrada dos Guardas Municipais em sua residência, inclusive havendo nos autos vídeo da companheira do acusado franqueando a entrada dos agentes públicos”. Dessa forma, não houve qualquer mácula na diligência realizada, visto que o ingresso dos guardas municipais na residência do ora apelante foi autorizado, razão pela qual afasto tal argumento. [...]

Com efeito, tem-se que a Sexta Turma deste Tribunal Superior, no julgamento do HC n. 598.051/SP, assentou que o ingresso regular em domicílio alheio é possível apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, cuja urgência em sua cessação demande ação imediata, definindo condições e procedimentos para ingresso domiciliar sem autorização judicial, a saber:

1. Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito. 2. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada. 3. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. 4. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo. 5. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência. (HC n. 598.051/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021).

Inicialmente, cumpre destacar que o entendimento desta Corte Superior, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se em situação de flagrante delito.

No caso em apreço, verifico que a moldura fática delineada na instância ordinária é de que o ingresso forçado dos policiais na residência do paciente foi fundada unicamente em denúncia anônima informando que ele guardava cocaína/escama para o movimento da Gameleira, de modo que não restou verificada a necessária justa causa apta a demonstrar a legalidade do ingresso forçado ou autorizado na residência do réu.

Com efeito, não houve indicação de nenhuma diligência investigatória preliminar apta a demonstrar elementos mais robustos de que o paciente ocultasse droga ou algum dos objetos mencionados no art. 240 do CPP e, naquele momento, justificasse a entrada dos policiais.

Tal o contexto, é ilícita a prova obtida na diligência em comento, bem como aquelas que dela derivaram (art. 157, § 1º, do CPP), inclusive a suposta autorização da companheira de entrada no imóvel, que nem sequer foi ouvida em juízo. Mister ressaltar que, no caso dos autos, não havia sequer motivo para os agentes policiais intentarem a entrada no imóvel, fosse forçada ou autorizada, visto que não empreenderam nenhuma diligência para confirmar a denúncia anônima recebida.

Nesse toar, a despeito da autorização da companheira do réu para o ingresso em sua residência, de rigor o reconhecimento da ilicitude do ato. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: AgRg no HC n. 768.191/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 27/2/2023; HC n. 704.803/SP, Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 7/4/2022; e AgRg no HC n. 710.304/SC, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 26/4/2022.

Logo, é o caso de anular a condenação e, desde logo, absolver o paciente com fundamento no art. 386, II, do CPP, pois inexiste prova independente daquela tida como ilícita apta a manter a condenação pelo crime de tráfico de drogas. Prejudicada a análise do pedido subsidiário referente à dosimetria da pena. Ante o exposto, concedo a ordem em favor do paciente para, ao reconhecer a nulidade das provas obtidas pelos guardas municipais, bem como as delas derivadas, absolvê-lo com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao Tribunal estadual e ao Juízo a quo. Intime-se o Ministério Público do Espírito Santo. Publique-se.

Relator

SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 843163 - ES (2023/0272256-0) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Publicação no DJEN/CNJ de 12/03/2025

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