STJ Mar25 - Dosimetria Irregular - Ameaça - Vetorial Afastado - Circunstâncias do Crime :"Ameaça de morte faz parte do núcleo do crime - “mal injusto e grave”
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impetrado em benefício de HUDSXXXXXXXS contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 0008659-57.2021.8.19.0066.
Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 6 meses de detenção, em regime aberto, pela prática dos crimes previstos no art. 147, por duas vezes, na forma do art. 69, todos do Código Penal. Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi desprovido pelo Tribunal de origem, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 50/66):
“APELAÇÃO - Artigos: 147, 2X, n/f 69, ambos do CP. Pena de 06 meses de detenção. Regime aberto, concedido sursis pelo prazo de 02 (dois) anos. Narra a denúncia que, o apelante, nos dias 9 e 10 de julho de 2021, no horário empreendido entre 13h00min e 3h20min, de forma livre, voluntária e consciente, ameaçou a vítima Ester, sua excompanheira, de causar-lhe mal injusto e grave. Foi apurado que no dia 09/07/2021, a vítima passou a ser ameaçada e injuriada pelo apelante através do aplicativo de mensagens WhatsApp. Na madrugada do dia seguinte, a vítima recebeu uma mensagem da mãe do apelante informando que ele estava indo para sua residência para matá-la, sendo que em seguida ele chegou ao local e começou a gritar na porta do imóvel. Ao adentrar, o apelante foi para o quarto da vítima, e pediu para ter relação sexual com ela, sendo que ao se negar a fazê-lo, o apelante a ameaçou novamente de morte, e ainda lhe ofendeu a honra, dizendo-lhe "você é um demônio, piranha e inútil". Logo após, Policiais Militares chegaram no local e efetuaram a prisão em flagrante do apelante. SEM RAZÃO A DEFESA. Impossível a absolvição por insuficiência probatória: Prova robusta. Autoria induvidosa. APF. Materialidade positivada. Relevância da palavra da vítima. Precedentes. Corroborada pelo depoimento da mãe do apelante e pelos depoimentos dos policiais militares. Idoneidade dos depoimentos dos policiais. Súmula 70 do TJ. Não há falar em fragilidade probatória ou aplicação do in dubio pro reo, muito menos em atipicidade da conduta. Inviável a fixação da penabase no mínimo legal ou a diminuição do grau de aumento: Artigo 59 do CP. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. O aumento procedido pelo Juiz de primeiro grau se afigura absolutamente proporcional e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Incabível o afastamento da agravante prevista no artigo 61, II, “f” do CP ou a redução da fração de aumento: O fato da ameaça ser praticada contra mulher, no contexto das relações domésticas, não integra o tipo penal do crime capitulado no artigo 147 do CP, sendo assim, obrigatória a consideração de tal circunstância para agravamento da pena. Outrossim, deverá ser mantida a fração de aumento aplicada pelo magistrado a quo na segunda fase da dosimetria, eis que se mostrou proporcional e adequada. Descabido o reconhecimento da atenuante da confissão: Depreende-se dos autos que não houve confissão do apelante. Logo, não há que se falar em incidência de tal circunstância. Não há falar em reconhecimento de crime único ou da continuidade delitiva: Extrai-se dos autos que foram realizadas duas condutas em dois dias diferentes, sendo que em lugares diversos e modos de execução distintos, portanto, aplica-se o concurso material em razão do desígnio autônomo. Como bem fundamentou o I. Procurador: “Por fim, não merece guarida o argumento de que houve crime único ou continuidade delitiva, ao passo que o ora apelante praticou dois crimes de ameaça, em dias e locais diferentes, com formas de execução diversas, inicialmente através de mensagens, e de forma indireta através da mãe do Apelante, e novamente já na residência da vítima, de madrugada.” Do prequestionamento: Não basta a simples alusão a dispositivos legais ou constitucionais, devendo a irresignação ser motivada, a fim de possibilitar a discussão sobre as questões impugnadas. Assim, diante do não cumprimento do requisito da impugnação específica, rejeita-se o prequestionamento formulado pela Defesa. Manutenção da sentença. DESPROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO.”
No presente writ, a defesa sustenta a ocorrência de bis in idem quando da valoração negativa da culpabilidade na primeira fase da dosimetria da pena, alegando que o fundamento utilizado é inerente ao tipo penal, e, subsidiariamente, sustenta a desproporcionalidade do aumento de pena na primeira fase da dosimetria.
Ainda, busca seja reconhecida a figura do crime continuado, conforme previsão do art. 71 do Código Penal, afastando o concurso material aplicado. Requer, assim, que seja revista a dosimetria da pena, nos termos apresentados na inicial. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus, e, sendo conhecido, manifestou-se pela denegação da ordem (e-STJ, fls. 72/77).
É o relatório. Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
Inicialmente, sustenta a defesa a configuração de bis in idem quando da valoração negativa da culpabilidade na primeira fase da dosimetria da pena, alegando que o fundamento utilizado é inerente ao tipo penal, e, subsidiariamente, sustenta a desproporcionalidade do aumento de pena na primeira fase da dosimetria.
Quando da dosimetria da pena, o Juízo sentenciante assim fundamentou o aumento da pena na primeira fase da dosimetria (e-STJ, fl. 30):
“1ª Fase - art. 59 do CP: a culpabilidade não está alinhada à pena mínima fixada em abstrato, na medida em que o mal prometido foi a morte. Destarte, considerando a previsão do art. 59, II, do CP, fixo a pena base em 2 (dois) meses de detenção para cada ameaça..” Ao apreciar o recurso defensivo, o Tribunal a quo consignou (e-STJ, fls. 63/64): “Inviável a fixação da pena-base no mínimo legal ou a diminuição do grau de aumento: No presente caso, insurge-se a defesa contra os fundamentos constantes na sentença vergastada, utilizados pelo Magistrado para exasperar a pena-base, eis que seriam inidôneos para ensejar a exasperação. Pretende que a pena-base seja fixada em seu mínimo legal ou que seja reduzido o seu grau de aumento. Em atenção às diretrizes do artigo 68 do Código Penal e pelo exame das balizas delineadas no artigo 59 da Lei Penal, o Magistrado deve realizar o processo dosimétrico. Isso significa que as circunstâncias judiciais devem ser levadas em consideração pelo Juiz na tarefa individualizadora da pena-base. [...] É de se verificar que a pena-base foi fixada de forma devidamente justificada, observando-se o princípio da proporcionalidade, de modo a se preservar o livre convencimento motivado e a discricionariedade vinculada do julgador. Ao contrário do que alega a defesa, a majoração da pena-base está lastreada em circunstância judicial claramente desfavorável ao apelante, devendo afastar-se do patamar mínimo. Assinale-se que a exasperação da pena está devidamente justificada, diante da valoração negativa das circunstâncias judiciais, no caso, a culpabilidade do apelante, visto que ameaçou a vítima de morte, merecendo, assim, maior censura. [...] Em que pese o inconformismo defensivo em relação à possibilidade de avaliação judicial dos critérios acima expostos, tal possibilidade foi conferida pelo legislador ao Magistrado, justamente para que fosse realizada uma adequada individualização da sanção penal. Pertinente ao quantum de exasperação da pena-base, temos que o magistrado sentenciante não está adstrito a nenhum critério objetivo, desde que exaspere de forma proporcional e devidamente fundamentada, bem como que não ultrapasse o máximo da pena legalmente cominada, como ocorreu no presente caso. Consigne-se, ainda, que o entendimento jurisprudencial acerca dos critérios que devem incidir sobre a quantificação prática da pena-base, relativamente à valoração das circunstâncias judicias do artigo 59 do Código Penal, deve ser analisado caso a caso, competindo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a correção de eventuais discrepâncias: [...] Assim, agiu com correção o magistrado, que valorou os critérios legais e recomendados pela doutrina para fixar a pena, de forma a ajustá-la ao seu fim social. Ponderadas as circunstâncias do presente caso, o aumento operado se revela proporcional e razoável. À conta de tais considerações, não merece prosperar o pleito defensivo de fixação da pena-base no mínimo legal ou sua redução. Repisa-se, o aumento procedido pelo Juiz de primeiro grau se afigura absolutamente proporcional e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. A sentença está devidamente fundamentada e justificada, não ferindo qualquer princípio constitucional de garantia.”
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a fixação da pena é um ato discricionário do juiz, vinculado às circunstâncias específicas do caso, cuja revisão é admissível apenas em hipóteses de flagrante ilegalidade ou manifesta desproporcionalidade.
Nos termos do art. 59 do Código Penal, a culpabilidade deve ser compreendida como um juízo sobre a reprovabilidade da conduta, indicando o grau de censura ao comportamento do réu e o nível de reprovação penal de sua conduta, com base em elementos concretos do delito. Como cediço, o art. 147, do Código Penal tipifica a conduta daquele que ameaça “[...] alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”.
A norma visa tutelar a liberdade da vítima, principalmente em seu aspecto psicológico, protegendo-a contra o temor fundado de que um mal significativo possa ser efetivamente concretizado.
O bem jurídico tutelado pelo tipo penal é justamente a tranquilidade pessoal da vítima, que se vê coagida pela gravidade da intimidação sofrida. No presente caso, a ameaça de morte proferida pelo paciente insere-se integralmente no núcleo do tipo penal, uma vez que a privação da vida constitui, indiscutivelmente, um “mal injusto e grave”, de modo que a ameaça de morte não constitui circunstância extraordinária que justifique a valoração negativa da culpabilidade.
Portanto, ao proferir ameaça de morte contra a vítima, o agente praticou conduta que se amolda ao previsto no tipo penal do art. 147 do Código Penal, de modo que a conduta do agente não desborda do comumente verificado, não justificando, assim, a valoração da circunstância de forma desfavorável ao agente.
Outrossim, busca a Defesa seja afastado o concurso material de crimes e reconhecida a continuidade delitiva no presente caso. Da análise da sentença condenatória, o Juízo de origem consignou que “Considerando que o acusado com duas ações, segundo a teoria final da ação, em contextos de tempo distintos, praticou dois crimes de ameaça, de modo que incide a regra prevista no art. 69 do CP.” (e-STJ, fl. 29).
O Tribunal a quo, quando do julgamento do recurso de apelação, assim decidiu (e-STJ, fls. 65/66):
“Para o reconhecimento da continuidade delitiva, é necessário que seja atestada a pluralidade de infrações, que se estenderam por um determinado período de tempo, além dos demais requisitos do instituto (semelhança de tempo, lugar e maneira de execução e unidade de desígnios). Extrai-se dos autos que foram realizadas duas condutas em dois dias diferentes, sendo que em lugares diversos e modos de execução distintos, portanto, aplica-se o concurso material em razão do desígnio autônomo. Como bem fundamentou o I. Procurador: “Por fim, não merece guarida o argumento de que houve crime único ou continuidade delitiva, ao passo que o ora apelante praticou dois crimes de ameaça, em dias e locais diferentes, com formas de execução diversas, inicialmente através de mensagens, e de forma indireta através da mãe do Apelante, e novamente já na residência da vítima, de madrugada.” (doc. 359)”
Conforme o entendimento desta Corte, para o reconhecimento do disposto no art. 71, caput, do Código Penal, exige-se, “[...] concomitantemente, três requisitos objetivos: I) pluralidade de condutas; II) pluralidade de crime da mesma espécie; III) condições semelhantes de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes (conexão temporal, espacial, modal e ocasional); e, por fim, adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito da unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido esses delitos subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente (HC n. 384.736/RJ, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 12/12/2017).” (AgRg no HC n. 622.022/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/3/2021, DJe de 29/3/2021; grifo nosso.)
No presente caso, apesar de se tratarem de crimes da mesma espécie e praticados em momentos temporais próximos, verifica-se que a execução das condutas não se deram de forma semelhante, eis que, em um primeiro momento, as ameaças foram proferidas por meio de um aplicativo de mensagens, enquanto, posteriormente, a ameaça se deu pessoalmente, afastando a incidência da figura do crime continuado.
Para além disso, o reconhecimento da tese aventada demanda revolvimento do conjunto fático-probatório, providência vedada na via estreita do habeas corpus. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DUAS AMEAÇAS. CONTINUIDADE DELITIVA. UNIDADE DE DESÍGNIOS NÃO IDENTIFICADA. HABITUALIDADE CRIMINOSA. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. De acordo com orientação consolidada neste Superior Tribunal, "Adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e a jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito outro de ordem subjetiva, que é a unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame entre os crimes, apto a evidenciar de imediato terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente. Dessa forma, diferenciou-se a situação da continuidade delitiva da delinquência habitual ou profissional, incompatível com a benesse" (AgRg no HC n. 638.078/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 14/2/2022) 2. As instâncias ordinárias apontaram, com base no acervo probatório dos autos, que o réu agiu com ânimos diferentes em relação a cada uma das vítimas e que há indícios de que ele dirigia ameaças não só a elas, mas a toda a família com habitualidade; não há, pois, que se falar em continuidade delitiva. 3. Nesse contexto, concluir de forma diversa, a ponto de reconhecer que os crimes se deram de forma continuada, exigiria o reexame do contexto fático desenvolvido no processo, providência obstada pela Súmula n. 7 do STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.095.976/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 10/10/2022.)
Assim, diante da necessidade de recálculo da pena, a fim de adequá-la aos fundamentos ora expostos, diante do afastamento da valoração negativa na primeira fase da dosimetria, fixo a pena-base em seu mínimo legal para cada qual dos crimes de ameaça.
Ainda, quanto à segunda fase, verifica-se que o Juízo de origem, no momento da prolação da sentença, reconheceu a incidência da “agravante prevista no art. 61, II, f, do CP, na medida em que os crimes foram praticados nas circunstâncias da Lei 11.340/06”, e aplicou, à época, a fração de 1/2, em face da qual o ora paciente não apresentou oposição.
Assim, mantendo a fração anteriormente fixada, e não havendo qualquer causa de aumento ou diminuição na terceira fase da dosimetria, fixa-se, em definitivo, a pena de 1 mês e 15 dias de detenção para cada qual dos crimes de ameaça. Por fim, aplicando-se o concurso material de crimes, resta fixado, em definitivo, a pena de 3 meses de detenção, mantendo as demais disposições incólumes. Ante o exposto, com fulcro no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço da presente impetração, contudo, concedo a ordem, de ofício, para afastar a valoração negativa da circunstância judicial da culpabilidade, redimensionando a reprimenda para 3 meses de detenção. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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