STJ Mar25 - Execução Penal - PAD Anulado - Princípio da intranscendência das Penas :"companheira tentou entrar no presídio com entorpecentes"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

DEIVISON XXXXXXXalega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Agravo em Execução nº 0013422-54.2024.8.26.0502.

A defesa aduz, em síntese, que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção devido à decisão que reconheceu a prática de falta grave, baseada em fatos ocorridos em 28/04/2024, quando sua companheira foi flagrada tentando ingressar em estabelecimento prisional com drogas.

A defesa argumenta que não há provas do envolvimento do paciente no crime praticado por sua companheira, invocando o princípio da intranscendência, que impede a responsabilização penal por atos de terceiros.

O parecer do Subprocurador-Geral da República Mario Luiz Bonsagli, fls. 123-132, foi pela concessão da ordem de habeas corpus, argumentando que não há evidências concretas do envolvimento do sentenciado na tentativa de introdução de drogas no presídio.

O parecer destacou o princípio da intranscendência penal, que impede a responsabilização por atos de terceiros.

Decido.

A decisão de primeira instância – depois mantida pela Corte estadual – considerou que:

No mérito, as provas contra o acusado são robustas diante das declarações dos funcionários que afirmaram que no momento da visita, a companheira do sentenciado, Ágata Larissa Dias, passou pelo scanner corporal que identificou objeto em seu corpo. Indagada, disse que havia ingerido porções de drogas e estava passando mal, solicitando que fosse encaminhada ao pronto-socorro. Após ser internada e medicada, expeliu 16 porções de substância análoga à droga. Na ocasião, informou que tentaria entrar com a droga na unidade como forma de pagamento de uma dívida de seu companheiro (fls. 479/480 e 481/482). A companheira do sentenciado confirma os fatos. Alega que no dia dos fatos, ao passar pelo scanner corporal foi observado uma mancha em seu corpo e confessou que engoliu vários invólucros de drogas e pediu que fosse conduzida ao hospital (fl. 470). O sentenciado nega. Afirma que não tinha conhecimento de que sua companheira tentaria entrar na unidade com ilícito (fl. 483). Em que pese as alegações do sentenciado, não encontram amparo no restante das provas colhidas. Os elementos dos autos dão conta de que a visitante era sua companheira (fl. 468) e foi surpreendida tentando entrar na unidade com 16 embalagens de substância ilícita (fl. 471). Segundo o que consta, a companheira confirmou ao agente penitenciário que a droga seria para pagamento de dívida do sentenciado (fl. 480). Nada nos autos aponta vontade dos agentes de imputar falsamente a prática da infração ao executado. As provas produzidas são suficientes para a formação da convicção do juízo quanto à materialidade e à autoria da falta grave, diante das declarações dos funcionários e pelas circunstâncias da apreensão dos ilícitos laudo químico-toxicológico positivo para TETRAHIDROCANNABIDIOL às fls. 509/511. (fls.86-87, grifei) Em vista desses elementos, considerou a prática de falta grave pelo reeducando, em dispositivo assim redigido: Em consequência, HOMOLOGO a conclusão da sindicância e determino regressão do(a) sentenciado(a) Deivison Fernando Gargioni Rodrigues, Penitenciária "João Batista de Arruda Sampaio" - Itirapina II + Anexo Penitenciário, ao regime fechado, bem como a anotação da falta no prontuário do(a) sentenciado(a) e a perda de um sexto dos dias remidos anteriormente à falta grave praticada. (fls.88, grifei)

O ato atacado não está em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Como se observa, foi reconhecida falta grave em desfavor do paciente por haver ele, em tese, solicitado que sua companheira ingressasse no estabelecimento prisional com entorpecentes para o pagamento de dívidas.

A jurisprudência majoritária desta Corte é firme em assinalar que o reeducando não pode ser responsabilizado por conduta praticada por terceiro, de forma automática, sem suporte probatório mínimo que se permita concluir pela sua efetiva participação nos fatos, haja vista o princípio da personalidade (art. 5° XLV, da CF), que assume relevo tanto para o processo de conhecimento, quanto para a execução penal.

O paciente não teve contato algum com o entorpecente e o Tribunal de Justiça não indicou prova concreta de que ele solicitou ou tinha conhecimento da conduta de sua companheira.

O vínculo afetivo não pode ensejar, por si só, o reconhecimento da autoria da falta grave. Ainda que sejam fortes as suspeitas que recaem sobre o reeducando, a ilação subjetiva, desamparada de qualquer outro sinal exterior que indique a provocação do fato e, portanto, sua participação no tráfico de drogas, é insuficiente para o reconhecimento da falta grave.

Ilustrativamente:

[...] 1. O reconhecimento da prática de falta grave em razão, tão somente, de conduta praticada por visitante de estabelecimento prisional, sem a demonstração de elementos concretos que evidenciem o conluio do apenado recluso, viola o princípio constitucional da intranscendência (art. 5.o, inciso XLV, da Constituição da República), o qual preconiza que ninguém pode ser responsabilizado por ato praticado por terceira pessoa. 2. No caso, a autoridade administrativa e os órgãos do Poder Judiciário concluíram que houve a prática de falta grave por parte do Paciente com base, unicamente, no fato de que a tentativa de introdução do aparelho de telefonia celular no estabelecimento prisional foi realizada por sua companheira/visitante. Em nenhum momento foram apresentados fatos ou provas capazes de demonstrar, concretamente, que o Apenado estava em conluio com a visitante ou que, ao menos, tinha conhecimento da tentativa de introdução do objeto no presídio. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 567.191/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 3/6/2020) Embora seja grande a probabilidade de anuência do detento, sua responsabilização não pode derivar de mera presunção. Não houve registro de provas ou indícios que sinalizassem a prévia solicitação da encomenda pelo reeducando. A responsabilização por ato de terceiro está lastreada, exclusivamente, em conjectura não respaldada por elemento concreto a indicar a ciência ou a participação do reeducando na conduta de terceiro. Mutatis mutandis: [...] 1. O princípio da personalidade, também conhecido como princípio da intranscendência penal, assume relevo tanto para o processo de conhecimento, quanto para o processo de execução penal. 2. Por esse princípio, compreende-se que a pena não pode passar da pessoa do autor ou partícipe do crime. O raciocínio deve ser estendido para os casos em que se apura a prática de falta grave no âmbito da execução penal, em decorrência das implicações que sofrerá o condenado com a constatação do ato de indisciplina. 3. Ainda que sejam fortes as suspeitas de que algum reeducando tenha solicitado a terceiros o envio, via correios, de aparelho celular, tal ilação, desamparada de outro elemento probatório concreto que indique a anuência com o ato de terceiro ou a solicitação da encomenda pelo preso, não se mostra suficiente para o reconhecimento da falta grave. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 723.120/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 16/3/2022)

À vista do exposto, concedo a ordem para cassar a decisão que reconheceu a prática de falta grave pelo paciente e afastar seus consectários legais. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 978559 - SP (2025/0029872-0) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 24/03/2025. )

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