STJ Maio25 - Quebra de Sigilo Telemático - Provas Digitais - Ausência de Fundamentação Curtir Comentar - Ferimento aos Art. 315 do CPP e Art. 93, IX da CF

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de WILLIAN NXXXXXXem que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante e denunciado pela suposta prática dos crimes descritos nos arts. 14, caput, da Lei n. 10.826/2003 e 329, caput, do Código Penal.

A impetrante sustenta, em síntese, a existência de nulidade na decisão judicial que decretou a quebra do sigilo dos dados telefônicos por ausência de fundamentação válida.

Alega ainda, a nulidade do pedido ministerial, por configurar fishing expedition (pescaria probatória).

Requer, liminarmente e no mérito, a revogação da decisão que decretou o afastamento do sigilo, declarando sua nulidade por falta de fundamentação e vinculação ao flagrante que originou o processo n. 5012295-97.2023.8.24.0045, com o consequente desentranhamento das provas advindas da decisão reputada como nula. Por meio da decisão de fls. 37-38, o pedido liminar foi indeferido.

Em seguida, foram juntadas as informações prestadas pela origem, bem como o parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo não conhecimento do habeas corpus, porém pela concessão da ordem de ofício (fls. 61-65).

É o relatório.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração. Nesse sentido: AgRg no HC n. 933.316/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 27/8/2024; e AgRg no HC n. 749.702/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024.

Em atenção ao disposto no art. 647-A do CPP, cumpre-se verificar a existência de flagrante ilegalidade apta a ser reconhecida de ofício. Sobre o tema, na linha da jurisprudência desta Corte Superior, "a decisão de quebra de sigilo telefônico não exige fundamentação exaustiva. Assim, pode o Magistrado decretar a medida mediante motivação concisa e sucinta, desde que demonstre a existência dos requisitos autorizadores da interceptação telefônica" (AgRg no HC n. 894.529/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024).

No caso dos autos, a decisão que determinou o afastamento do sigilo dos dados do celular apreendido foi assim fundamentada (fl. 28):

Com fulcro no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, e no artigo 3º da Lei n. 9.296/96, DEFIRO a quebra de sigilo dos dados telefônicos do celular apreendido e determino a realização de perícia no aparelho, que deverá ser remetido ao Instituto Geral de Perícias - IGP, servindo a presente decisão como ofício para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente, diretamente nestes autos, o competente laudo pericial, visando a extração de fotografias, conversas e quaisquer outros dados referentes a prática de crime.

Analisando a decisão proferida pelo Juízo de primeiro grau, verifica-se que não houve fundamentação mínima suficiente ao afastamento do sigilo, não tendo explicitado a decisão por qual motivo seria necessária a quebra do sigilo.

Nesse sentido:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E TELEFÔNICO. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. AGRAVO DES PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, anulando decisões judiciais que determinaram a quebra de sigilo bancário e telefônico no âmbito de investigação por corrupção passiva e participação em organização criminosa. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se as decisões judiciais que determinaram a quebra de sigilo bancário e telefônico foram devidamente fundamentadas, conforme exigido pela Constituição da República e pelo Código de Processo Penal. III. Razões de decidir 3. A decisão de quebra de sigilo bancário foi considerada nula por falta de fundamentação concreta, não havendo referência às razões de pedir do órgão acusador ou a elementos específicos que justificassem a medida. 4. A decisão de quebra de sigilo telefônico também foi considerada nula pelos mesmos motivos, não apresentando fundamentação suficiente que demonstrasse a necessidade e a utilidade da medida. 5. As provas obtidas por meio das quebras de sigilo foram consideradas ilícitas e inadmissíveis, não havendo outros elementos probatórios idôneos e independentes que sustentem a acusação, configurando constrangimento ilegal. IV. Dispositivo e tese6. Agravo desprovido. Tese de julgamento: "1. A decisão que determina a quebra de sigilo bancário e telefônico deve conter fundamentação concreta e específica, justificando a necessidade e a utilidade da medida. 2. A ausência de fundamentação adequada torna nula a decisão e inadmissíveis as provas obtidas por meio dela". Dispositivos relevantes citados: CR/1988, art. 5º, X e LVI; CPP, art. 157. Jurisprudência relevante citada: STJ, RMS 51273 SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11.12.2018; STJ, HC 388012 RJ, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 03.05.2018. (AgRg no RHC n. 204.868/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 26/2/2025, grifei.) HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE CARTEL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. OPERAÇÃO CICONIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Embora asseguradas, constitucionalmente, a intimidade e a privacidade das pessoas, o sigilo das comunicações telefônicas não constitui direito absoluto, pois pode sofrer restrições se presentes os requisitos exigidos pela Constituição Federal e pela Lei n. 9.296/1996. 2. A Lei n. 9.296/1996, a qual rege a matéria atinente à interceptação de comunicações telefônicas, dispõe que a medida, para fins de prova em investigação criminal e em instrução processual penal, dependerá de ordem do juiz competente para a ação principal e somente poderá ser decretada se houver indícios razoáveis de autoria ou de participação em infração penal, se a prova não puder ser feita por outros meios e se o fato investigado for punível com reclusão. Mais adiante, em seu art. 5º, a lei estabelece que a decisão será fundamentada, sob pena de nulidade. 3. É nula a decisão judicial que autoriza a interceptação telefônica de alguém tão somente com a finalidade de investigar outrem, que seria um possível interlocutor do primeiro. Para a decretação da medida, é necessária a demonstração concreta da existência de indícios de autoria ou de participação da pessoa investigada. 4. No caso, a defesa se insurge contra decisão que autorizou a interceptação telefônica da paciente no curso de investigação destinada a apurar a prática de formação de cartel, associação criminosa e organização criminosa no âmbito dos serviços de transporte rodoviário de veículos zero-quilômetro. Embora a paciente ocupe o cargo de vice- presidente em grupo econômico apontado como integrante do cartel, não há, na decisão judicial que autorizou a medida, menção a eventual envolvimento nem mesmo potencial ciência por parte dela a respeito do esquema criminoso. A quebra de sigilo das comunicações telefônicas da investigada foi requerida apenas com a finalidade de tentar identificar a linha telefônica de seu pai (presidente do grupo econômico) e possivelmente captar algum diálogo entre ambos. 5. Portanto, a quebra de sigilo telefônico está absolutamente carente de fundamentação idônea, notadamente porque nem sequer faz referência a indícios de autoria ou de participação da paciente nos delitos investigados. São ilícitas, então, as provas obtidas por meio das interceptações telefônicas da paciente, bem como de todas as que delas decorreram. 6. Ordem concedida para reconhecer a nulidade das interceptações telefônicas da paciente, bem como de tudo o que delas decorreu, com o consequente trancamento do inquérito policial em relação à paciente. (HC n. 867.778/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/9/2024, DJe de 27/9/2024, grifei.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, porém concedo a ordem de ofício para declarar a nulidade da decisão que decretou o afastamento do sigilo dos dados do aparelho celular apreendido, bem como das provas dela decorrentes. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OG FERNANDES

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 851580 - SC (2023/0318370-0) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES, Publicação no DJEN/CNJ de 12/05/2025.)

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