STJ Jun25 - Tráfico de Drogas e Associação - Absolvição por Bis In Idem - Crime permanente e de Ações Múltiplas, no mesmo contexto fático, é considerado crime único.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LUCASXXXXXXX XXXXX contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL na revisão criminal nº 1410167-18.2022.8.12.0000. Consta dos autos que o paciente foi condenado, no bojo da ação penal nº 0000368-63.2019.8.12.0024 à pena de 09 anos e 04 meses de reclusão em regime inicial fechado pela prática do crime descrito no artigo 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006 e, no bojo da ação penal nº 0000365-11.2019.8.12.0024, à pena de 05 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, pela prática do crime descrito no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
Nesta via, o impetrante alega, em síntese, que tais condenações dizem respeito à mesma conduta criminosa, a evidenciar a existência de bis in idem. Requer, no mérito, seja declarada a nulidade a nulidade da condenação por tráfico de drogas prolatada na ação penal de nº 0000368- 11.2019.8.12.0024, ante o evidente bis in idem.
Informações prestadas pelo Tribunal impetrado às fls. 1554/1562. Parecer do MPF às fls. 1567/1584 onde se manifesta pelo não conhecimento do writ, mas pela concessão da ordem de ofício para que seja declarada a nulidade da Ação Penal n.º 0000365-11.2019.8.12.0024, por se referir aos mesmos fatos punidos na Ação Penal n.º 0000368-63.2019.8.12.0024.
Pugna, ainda, de forma subsidiária, pela absolvição do paciente no bojo da ação penal 0000365-11.2019.8.12.0024 ou pela desclassificação da conduta do art. 33 para o art. 28 da lei nº 11.343/06.
É o relatório. DECIDO.
De início, observo que a presente impetração investe contra acórdão, funcionando como substituto do recurso próprio, motivo pelo qual não deve ser conhecida. A 3ª Seção, no âmbito do HC 535.063-SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/06/2020, e o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg no HC 180.365, de relatoria da Ministra Rosa Weber, julgado em 27/03/2020, consolidaram a orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo ao recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
É possível, contudo, observar a existência de coação ilegal ao paciente, o que permite a concessão da ordem de ofício, em observância ao § 2º do artigo 654 do Código de Processo Penal.
A Corte de origem se utilizou dos seguintes fundamentos para não conhecer da ação proposta:
"O rol das hipóteses de revisão criminal previsto no art. 621, do Código de Processo Penal é taxativo, tem natureza de ação constitutiva negativa, ou seja, contra decisão judicial eivada de vício de procedimento ou de julgamento, a fim de proferir um novo julgamento em substituição ao anterior, tornando nulo o processo ou julgando-o pelo mérito. Em decorrência da relevância jurídica atribuída à coisa julgada, sobretudo no campo das relações sociais e da segurança jurídica, é imprescindível que a presente ação constitucional seja adstrita a casos excepcionais, de forma a assegurar a garantia constitucional de proteção ao indivíduo e aos conflitos já julgados e compostos pelo Poder Judiciário. Em razão disso, o legislador ordinário, então, houve por bem estampar, de forma taxativa, o rol de situações jurídicas que comportam o cabimento da revisão criminal. Nesse sentido, destaco o art. 621 do Código de Processo Penal, onde estão enumeradas as hipóteses legais que permitem o requerimento do pedido revisional. Contudo, verifica-se que o pedido objeto da presente ação já foi deduzido no âmbito de Ação de Revisão Criminal anteriormente proposta pelo autor – autos n.º 1400157-46.2021.8.12.0000. Aliás, os pedidos aqui formulados, foram examinados, tendo sido a ação julgada improcedente, por unanimidade, conforme julgamento assim ementado: "EMENTA - REVISÃO CRIMINAL – DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS – ALEGADA DUPLA CONDENAÇÃO PELO MESMO FATO CRIMINAL – INOCORRÊNCIA – CONDENAÇÕES POR FATOS DIVERSOS – COMPROVADA A PRÁTICA DE CRIMES DISTINTOS – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS - PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO – PEDIDO NÃO CONHECIDO - SENTENÇA REEXAMINADA EM RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - REITERAÇÃO DE PEDIDOS – AÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE, CONHECIDA JULGADA IMPROCEDENTE. I - In casu, inocorreu o bis in idem pela dupla condenação por um mesmo crime, visto que houve duas condenações por fatos criminosos distintos, decorrentes de dois processos diversos, instaurados com referência em contextos fáticos próximos. II - Em relação ao pedido de absolvição pelo delito de associação ao tráfico, verifica-se que já foi exaustivamente analisado e discutido em apelação criminal, o que impossibilita o conhecimento desta ação revisional, por se tratar de mera reiteração de pedido. Nos termos do art. 622, parágrafo único, do Código de Processo Penal, a reiteração de pedido somente será permitida caso a pretensão venha embasada em novo material probatório, o que, porém, não é o caso dos autos. Revisional conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada improcedente." Aliás, a pretensão aqui discutida foi expressamente tratada no julgamento da Ação Revisional anteriormente proposta, in verbis: 1 – Pedido de nulidade da sentença nos autos n.º 0000368-63.2019.8.12.0024 Depreende-se da inicial de fls 01-11, que o requerente almeja a nulidade da sentença proferida nos autos n.º 0000368-63.2019.8.12.0024, sob o argumento de que foi condenado pelo mesmo crime nos autos n.º 0000365-11.2019.8.12.0024. Observa-se que o requerente foi processado e condenado pelos delitos previstos nos artigos 33 e 35 da Lei n.º 11.343/06 porque vendeu droga (cocaína) para Ivanildo e associou-se para a prática de tráfico de drogas (autos n.º 0000368-63.2019.8.12.0024), cujos fatos ocorreram em 07.02.2019, assim descrito: "Consta do incluso Inquérito Policial que, em data anterior e no dia 07 de fevereiro de 2019, em horário não especificado, na Avenida Presidente Vargas, nas imediações da Rodoviária, nesta cidade e comarca de Aparecida do Taboado/MS, o denunciado LUCAS MANOEL BATISTA NOVAEZ vendeu drogas ao denunciado IVANILDO ALVES VILELA, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta ainda que, no dia 08 de fevereiro de 2019, por volta das 18h15min., no Bar Corujão, localizado na Avenida São Cristóvão, Bairro Vila São Luiz, bem como na Avenida da Saudade, nº 2110, Bairro Jardim das Flores, ambos nesta cidade e comarca de Aparecida do Taboado/MS, o denunciado IVANILDO ALVES VILELA adquiriu, trazia consigo, tinha em depósito, guardava, transportava e vendia drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta também que, na mesma data, na Avenida da Saudade, nº 2110, Bairro Jardim das Flores, nesta cidade e comarca de Aparecida do Taboado/MS, o denunciado IVANILDO ALVES VILELA possuía munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência. Consta por fim que, em data anterior, nesta cidade e comarca de Aparecida do Taboado/MS, os denunciados IVANILDO ALVES VILELA e LUCAS MANOEL BATISTA NOVAEZ associaram-se para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Segundo apurado, durante diligências visando averiguar denúncias de tráfico de drogas na região, Policiais Militares realizaram a abordagem do denunciado IVANILDO ALVES VILELA e constataram que ele trazia consigo, no interior de sua carteira de bolso, 01 (um) pino contendo droga do tipo cocaína, bem como guardava, no interior de seu veículo, 05 (cinco) pinos contendo droga do tipo cocaína, pesando aproximadamente 4,4 g (quatro gramas e quatro decigramas), e mais um recipiente grande contendo o mesmo tipo de droga, que pesou 2,3 g (dois gramas e três decigramas). O denunciado IVANILDO ALVES VILELA também tinha em depósito, na cômoda de sua residência, 01 (um) tubo transparente com tampa amarela contendo 13 g (treze gramas) de droga do tipo cocaína e uma munição intacta, calibre .32, marca CBC. Apurou-se ainda que a droga apreendida com o denunciado IVANILDO ALVES VILELA era destinada à venda, visto que ele exercia o comércio ilegal de drogas, conforme comprovado pelo auto de degravação das mensagens extraído de seu aparelho celular. Por fim, restou apurado que o denunciado LUCAS MANOEL BATISTA NOVAEZ vendeu à IVANILDO ALVES VILELA a droga do tipo cocaína que foi apreendida na posse deste último (f. 27) pelo valor de R$ 300,00 (trezentos reais), além dos denunciados já terem comercializado a mesma substância entorpecente em data anterior, conforme comprovado pela troca de mensagens entre os denunciados (f. 87/88). Diante dos fatos apurados e ora descritos, resta evidente que os denunciados IVANILDO ALVES VILELA e LUCAS MANOEL BATISTA NOVAEZ estavam associados de forma organizada, estável e permanente para o fim de praticarem o delito de tráfico de drogas. (...) Constata-se, pois, ao contrário do que assevera o requerente, que não ocorreu o bis in idem pela dupla condenação em razão dos mesmos fatos, mas sim, condenações por fatos distintos, primeiro a venda de substância de substância (cocaína) e associação para a traficância e, no segundo processo condenação porque mantinha em depósito substância entorpecente (maconha). Tratando-se, pois de crimes diversos, embora da mesma natureza, mas referentes a fatos diversos. (...) Desta forma, a presente revisional objetiva a reapreciação do julgamento já decidido nos autos da Ação de Revisão Criminal anteriormente proposta – autos n.º 1411400157-46.2021.8.12.0000, não passando de mero inconformismo com relação àquele julgamento, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses taxativas do art. 621 do Código de Processo Penal, pelo que não deve ser conhecida."
Como se sabe, o delito de tráfico de drogas é classificado como crime de ação múltipla, de modo que o exercício de mais de uma conduta prevista entre os núcleos do tipo penal previsto pelo art. 33 da lei nº 11.343/06, no mesmo contexto fático, é considerado crime único. Neste sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA OU DE CONTEÚDO VARIADO. DIFERENTES CONDUTAS TÍPICAS. GRAVIDADE SEMELHANTE. CONTEXTO FÁTICO. CRIME ÚNICO. 1. Os tipos penais de ação múltipla ou de conteúdo variado, com o delito previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, elencam condutas diversas com gravidade semelhante, num mesmo contexto de violação a um mesmo bem jurídico. Assim, quando são praticadas diferentes condutas típicas num mesmo contexto fático, não há falar em concurso de crimes, mas em crime único. Precedentes. (...) 4. Ordem denegada. (STJ - HC: 795758 SC 2023/0001036-0, Relator: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 16/05/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/05/2023)
Na hipótese em apreço, observa-se que, no bojo da ação penal 0000368-63.2019.8.12.0024, a condenação do paciente se deu a partir da extração das mensagens que constavam no celular do corréu Ivanildo, preso em flagrante em 08/02/2019, com um total 19,7g cocaína, que apontaram a venda da droga pelo paciente ao corréu realizada no dia 07/02/2019.
Verificou-se, ainda, a estabilidade e permanência da associação entre os acusados que se reuniam para comercializar as drogas, conduta subsumida ao delito previsto no art. 35 da lei nº 11.343/06. A partir do flagrante acima mencionado, deflagrou-se investigação em desfavor do paciente, o que resultou na expedição de mandado de busca e apreensão a ser realizado em seu domicílio, cujo cumprimento se deu em 12/02/2019, oportunidade na qual foi constatado que o paciente tinha em depósito 69g de maconha, em porção única, embebida em álcool, o que rendeu ensejo ao oferecimento de denúncia pelo Ministério Público local pelo delito de tráfico de drogas e gerou a ação penal 0000365-11.2019.8.12.0024.
A narrativa exposta demonstra que as condutas incriminadas se encontram inseridas dentro de um mesmo contexto fático, dado que ambas, cometidas em um espaço de apenas cinco dias, isto é, “vender” e “ ter em depósito”, constituem núcleos do delito previsto no art. 33 da lei nº 11.343/06.
Ora, é plenamente razoável deduzir que a venda de drogas perpassa pela conduta prévia de ter em depósito o produto ilícito a ser comercializado, o que evidencia a ocorrência de crime único decorrente do mesmo desdobramento causal. No mesmo sentido, o parecer ministerial, com destaque para o trecho abaixo, que adoto como razões complementares (fl. 1.576):
Assim, considerando que (i) os delitos ocorreram no mesmo contexto fático, dada a evidente conexão probatória e pelo fato de que se sucederam em curta distância temporal de 5 dias; (ii) o tipo misto alternativo do delito de tráfico, que se subsume a qualquer uma das condutas do art. 33 da Lei de Drogas, não constituindo, cada conduta, crime autônomo a ser somado em concurso material quando praticada no mesmo contexto fático; (iii) a característica de permanência do delito de " ter em depósito" e a alta probabilidade, dado o contexto fático, de que Lucas já tivesse em depósito a maconha no momento em que vendeu cocaína a Ivanildo, 5 dias antes; (v) a fragilidade dos fundamentos adotados pela Corte de origem na primeira revisão criminal (autos nº. 1400157-46.2021.8.12.0000) para distinguir as condutas, o que fez apenas com base na distinção dos verbos nucleares e do tipo de droga encontrada em cada uma das apreensões, é imperioso, inclusive por ressair, de todo exposto, dúvida bastante razoável sobre as circunstâncias de fato efetivamente ocorridas na espécie, reconhecer que houve dupla penalização pelos mesmos fatos.
Neste contexto, a condenação posterior do paciente deve ser anulada, sob pena de se chancelar sua dupla condenação. Ante o exposto não conheço do writ, porém concedo de ofício a ordem de habeas corpus em favor de LUCAS XXXXXXXXXXXXXXX para declarar a nulidade da Ação Penal n.º 0000365-11.2019.8.12.0024 por se referir aos mesmos fatos punidos na Ação Penal n.º 0000368-63.2019.8.12.0024. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
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