STJ Ago24 - Aditamento da Denúncia com Base em Provas Já Tidas Como Ilícitas - Nulidade - Tipo Penal da Lei de Drogas :"Obrigação de Desentranhar Provas Ilícitas"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 183937 - SC (2023/0235502-0)
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS (OPERAÇÃO EXPRESS). APELO CONSIDERADO PREJUDICADO. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA A RESPEITO DA SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. RECONSIDERAÇÃO QUE SE IMPÕE. ALEGAÇÃO DE QUE O ADITAMENTO À DENÚNCIA ESTARIA INQUINADO DE NULIDADE. MENÇÃO AOS ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO CONSIDERADOS NULOS. NEGATIVA DE DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
Decisão de prejudicialidade do recurso reconsiderada. Recurso provido nos termos do dispositivo.
DECISÃO
Trata-se de agravo regimental interposto por J L de S contra a decisão da minha lavra em que julguei prejudicado o recurso em habeas corpus interposto por ele, assim ementada (fl. 244):
RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO EXPRESS. PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DO ADITAMENTO À DENÚNCIA. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E AUSÊNCIA DE ORIGINALIDADE DOS ARQUIVOS.
PLEITO DE DESENTRANHAMENTO DAS PROVAS. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA.
PERDA DO OBJETO.
Recurso prejudicado.
Alega o agravante a existência de equívoco na decisão hostilizada, uma vez que o recurso ordinário não estaria prejudicado porque não sobreveio sentença na Ação Penal n. 002597-28.2021.8.24.0113.
Postula, então, seja esclarecida a ausência de superveniente sentença penal, contexto em que inexiste prejuízo ao exame do presente feito, pede-se o conhecimento e provimento deste agravo regimental, por retratação do nobre Ministro Relator ou julgamento colegiado da Sexta Turma, para conhecer do recurso ordinário em habeas corpus, provendo-o também, ainda que de ofício, e conforme as razões próprias (fl. 252).
É o relatório.
O presente agravo comporta acolhimento, devendo ser reconsiderada a decisão na qual se julgou prejudicado o recurso ordinário.
Isso porque a decisão se baseou na premissa equivocada, constante da página eletrônica do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de que teria sido proferida sentença condenatória na ação penal em questão.
Assim, imperiosa a reconsideração da decisão que obstou a análise das alegações formuladas pelo recorrente, devendo ser possibilitada a apreciação da pretensão.
Considerando que o feito já conta com parecer do Ministério Público Federal, viável a análise do mérito do recurso.
Com efeito, busca o recorrente a anulação da ação penal, ao argumento de que o aditamento à denúncia está inquinado, manchado e borrado de ilicitude, eis que narra fatos e circunstâncias com base nas provas declaradas inadmissíveis e irrepetíveis (não foram preservadas para repetição), sendo inconvalidável e incorrigível pela autoridade judiciária, sob pena de quebra do sistema acusatório, além de prejuízo ao contraditório efetivo (defesa técnica e autodefesa) diante de imputação que tornou-se deficiente e bagunçada, portanto inepta (fl. 183).
Conforme consta dos autos, ao analisar a questão, o Magistrado singular consignou que (fls. 162/163 - grifo nosso):
IV. DO ACUSADO [recorrente]:
Conforme se infere da investigação (evento 01, IP 8, fls. 20-26;
evento 01, IP 9, fls. 01-15; evento 01, IP9, fls. 16-24; evento 03, IPs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, fls. 01-08; e evento 8, IP 4, fls. 4-6, todos dos autos n. 5003641-82.2021.8.24.0113), e da denúncia do evento 39 dos autos n. 5002597-28.2021.8.24.0113, OS FATOS ATRIBUÍDOS AO ACUSADO [recorrente] FORAM, EM SUA MAIORIA, OBTIDOS DE FORMA INDEPENDENTE DA EXTRAÇÃO DE DADOS DOS APARELHO CELULARES APREENDIDOS COM [...]
Note-se, inicialmente, que segundo a acusação, o réu é casado com [.
..]l, irmã dos corréus [...], sendo, portanto, em diversos monitoramentos realizados pela autoridade policial, visto na companhia de [...], bem como no imóvel ondo o réu [...] é visto saindo com destino a Rodoviária de Balneário Camboriú/SC, local em que teria despachado uma encomenda de 6.000 comprimidos de ecstasy, posteriormente apreendidos em operação conjunta realizada em 24/09/2020 na cidade de Brasília/DF.
Logo, ainda que o acusado tenha sido qualificado a partir de fotografia encontrada quando da extração de dados do aparelho celular de [...] (evento 3, IP 5, fl. 20, dos autos n. 5003641-82.2021.8.24.0113), tenho que, naquele momento, a autoridade policial já detinha informações sobre o réu - notadamente diante do monitoramento acima mencionado e do conteúdo das interceptações telefônicas -, de sorte que o conteúdo dos aparelhos celulares serviu, inicialmente, para reforçar as suspeitas.
Vale mencionar, no ponto, que não se descuida de que novos indícios foram trazidos aos autos - como eventual participação de maior importância -, todavia, o conteúdo dos aparelhos celulares de [...]
não será aproveitado por este Juízo, MORMENTE PORQUE TODOS OS DOCUMENTOS SERÃO EXCLUÍDOS DOS AUTOS.
Outrossim, tenho que os demais indícios obtidos a partir da Operação @Express, como os bens localizados na residência do réu, o seu elevado padrão de vida - sem eventual comprovação de origem-, além dos dados oriundos da extração dos aparelhos celulares do próprio acusado e de [...], obtidos de forma independente e, no meu entender, sem relação com o conteúdo dos aparelhos celulares de [...
], JUSTIFICAM A MANUTENÇÃO DA AÇÃO PENAL EM SEU DESFAVOR, EM REFORÇO AO CONTIDO ACIMA.
Destarte, pelos motivos acima expostos, denota-se que a maior parte das provas produzidas em relação ao acusado [recorrente] são independentes daquelas obtidas a partir da extração de dados dos aparelhos celulares de [...], e nem dela derivam, pelo que o prosseguimento do feito em relação a ele é medida impositiva, COM A RESSALVA, PORÉM, DE QUE AS MENÇÕES FEITAS NA DENÚNCIA AOS RESPECTIVOS APARELHOS, NEM AOS SEUS CONTEÚDOS, NÃO SERÃO CONSIDERADAS. [...]
IV. Observados os termos desta decisão, assim como daquela proferida no evento 1499, e transcorrido o prazo para eventual recurso, DETERMINO sejam desentranhados:
a) dos autos n. 5003641-82.2021.8.24.0113 os Relatórios de Informações e demais documentos oriundos do aparelho Apple A1688, modelo Iphone 6S, de propriedade de [...], presentes no evento 01, IP 9, fls. 16-24, evento 03, IP's 1, 2, 3, 4, 5 e 6, este às fls. 01-08, e evento 08, IP 3, fls. 1-7, todos daqueles autos; bem como os Relatórios de Informações e demais documentos extraídos do aparelho Apple A1901, modelo Iphone X, também pertencente a [...], e presentes no evento 01, IP 8, fls.20-26, e IP 9, fls. 01-15, além dos itens 10 a 22, igualmente daqueles autos;
b) dos autos n. 5001881-98.2021.8.24.0113 os Relatórios os de Informações e demais documentos oriundos dos aparelhos Apple A1688, modelo Iphone 6S e Apple A1901, modelo Iphone X, ambos de propriedade de [...], e presentes no evento 01 (representações 23, fl. 19; 24, 25, 26, 27,28, 29, 30 e 31, fls. 1-13; além dos áudios, vídeos e documentos dos itens 39-93), no evento 10 (itens1-146), e evento 11 (itens 1-130);
c) destes autos, de n. 5002597-28.2021.8.24.0113, as mídias com extrações de dados dos aparelhos celulares pertencentes a [...] - Apple A1688, modelo Iphone 6S e Apple A1901, modelo Iphone X -, descritas no evento 654,itens 4226000782, 2444741949, 1270564316, 318511144, 3515225643 e 1526496060.
IV.
I. Destaco, ainda, que eventuais menções aos dados extraídos dos aparelhos celulares - AppleA1688, modelo Iphone 6S e Apple A1901, modelo Iphone X, de propriedade de [...] -,constantes de outros documentos atrelados ao presente feito, ou aos seus apensos, não serão objeto de desentranhamento, a uma porque a medida acarretaria demasiada carga de trabalho, inviabilizando a prestação jurisdicional, e a duas porque, como já decidido, os seus conteúdos não serão considerados e/ou sopesados a fim de apurar os eventuais fatos presentes no evento 39 destes autos.[...]
Outrossim, os fatos abaixo destacados, e imputados ao denunciado [..
.] na denúncia do evento 39, item 2.5, fl. 15, pelos mesmos motivos já exaustivamente mencionados, também não serão objeto de apuração neste feito, nem servirão para formar a eventual convicção desta Magistrada: "Ademais, por meio da análise dos dados extraídos do aparelho celular do denunciado [...], ficou evidenciado o papel de liderança ocupado pelo denunciado dentro da organização criminosa.
Pelos diálogos, observa-se que [...], identificado como [...], é quem controla, juntamente com [...], o estoque e distribuição das drogas para a venda por parte dos integrantes do 2º escalão, responsáveis pelas" vendas a varejo "das substâncias ilícitas na cidade de Camboriú e adjacências. Da mesma forma, foram identificadas conversas em que [...] menospreza e desafia o Sistema de Justiça e as Forças de Segurança, dizendo que: 'Cadeia última coisa vai ser me ver lá...Aqui só leva se for dentro do caixão'."[..
.]
Da atenta análise dos trechos transcritos, observa-se que três fatos se encontram incontroversos:
a) existe prova independente a justificar a deflagração de ação penal contra o recorrente;
b) existem menções, na inicial acusatória, aos elementos de informação considerados ilícitos; e c) existe negativa do Juízo de primeiro grau em desentranhar as provas declaradas ilícitas, em contrariedade ao disposto no art. 157 do Código de Processo Penal.
Assim, entendo que deve ser dado provimento ao recurso para determinar que o Juízo providencie o cumprimento do comando constante do art. 157 do Código de Processo Penal, sob pena de ofensa à paridade de armas, pois a garantia do devido processo legal não se cumpre apenas com a garantia de que a existência nos autos das provas ilegais e das menções pelo órgão da acusação não serão consideradas pelo Magistrado, mas com o próprio ato de se retirar tais elementos nulos dos autos da ação penal.
A propósito:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ILICITUDE DA PROVA. RECONHECIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR. NULIDADE. DESENTRANHAMENTO. ART. 157 DO CPP. NECESSIDADE.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO.
1. A República Federativa do Brasil, fundada, entre outros, na dignidade da pessoa humana e na cidadania, consagra como garantia "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, (...) o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV, da Constituição Federal).
2. Nesse aspecto, "o devido processo legal, amparado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, é corolário do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, pois permite o legítimo exercício da persecução penal e eventualmente a imposição de uma justa pena em face do decreto condenatório proferido", assim, "compete aos operadores do direito, no exercício das atribuições e/ou competência conferida, o dever de consagrar em cada ato processual os princípios basilares que permitem a conclusão justa e legítima de um processo, ainda que para condenar o réu" (HC 91.474/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe 2/8/2010).
3. No ponto, destaca-se que, segundo entendimento pacífico desta Corte Superior, a vigência no campo das nulidades do princípio pas de nullité sans grief impõe a manutenção do ato impugnado que, embora praticado em desacordo com a formalidade legal, atinge a sua finalidade, restando à parte demonstrar a ocorrência de efetivo prejuízo.
4. É cediço que, em regra, a ilicitude da prova inquina de nulidade o processo e, segundo o art. 157, caput, do Código de Processo Penal, devem "ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".
5. No caso em exame, o Juízo singular anulou o feito "desde o despacho de fls. 194/195", qual seja a apresentação das defesas preliminares e designação da audiência de instrução e julgamento.
6. Tendo reconhecido a existência de vício insanável na instrução criminal, por ausência de publicação e intimação dos defensores, quanto ao recebimento da denúncia e da designação da audiência de instrução e julgamento, caberia à magistrada o desentranhamento das provas colhidas consideradas nulas, diante da sua ineficácia jurídica. Precedentes desta Corte e do STF.
7. Recurso ordinário provido, para determinar o desentranhamento dos autos as provas declaradas nulas pelo Juízo de primeiro grau.
(RHC n. 70,793/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 10/5/2017 - grifo nosso).
Em face do exposto, reconsidero a decisão na qual julguei prejudicado o recurso ordinário e dou-lhe provimento para determinar ao Juízo de Direito da Vara Criminal da comarca de Camboriú/SC, nos Autos n. 5002597-28.2021.8.24.0113, que oportunize a realização do novo aditamento à denúncia, sem menção aos elementos de informação considerados nulos, bem como providencie o imediato desentranhamento dos autos das provas consideradas nulas e contaminadas pela ilicitude.
Comunique-se com urgência, inclusive ao Supremo Tribunal Federal, diante do ofício de fl. 279.
Publique-se.
Brasília, 02 de agosto de 2024.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator
(STJ - AgRg no RHC: 183937, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 06/08/2024)
👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10
👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv
Comentários
Postar um comentário