STJ Ago24 - Desclassificação de Homicídio para Lesão Corporal - Pronúncia Reformada - Ré-Mulher que se Defendia das Agressões do Marido "Contexto de 14 Eventos de Agressões e Lutas Corporais no mesmo Dia"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2600713 - RJ (2024/0108696-4)
DECISÃO
ELISÂNGELA XXXXXXXXXXX agrava de decisão que inadmitiu seu recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça Estado do Rio de Janeiro no Recurso em Sentido Estrito n. 0015470-05.2019.8.19.0001.
Nas razões do especial, a defesa apontou a violação dos arts. 121 do CP, 74, § 1º, e 419 do CPP, por entender que "o judicium accusationis não alcançou o standard probatório para fundamentar a pronúncia".
Sustentou que o Juiz de primeiro grau, ao desclassificar a conduta atribuída à acusada, levou em consideração todo o cenário, inclusive os indicativos de contexto de violência doméstica e até de possível feminicídio. Assentou que tais circunstâncias, aliadas ao fato de que as lesões não resultaram em perigo de vida nem em nenhuma sequela à vítima, demonstram a ausência do animus necandi.
Requereu o restabelecimento da decisão que desclassificou o delito.
O recurso não foi admitido, ante a incidência das Súmulas n. 279 do STF e 7 e 83 do STJ.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do agravo.
Decido.
I. Admissibilidade O agravo é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão atacada.
O recurso especial suplanta o juízo de prelibação, haja vista a ocorrência do necessário prequestionamento, além de estarem presentes os demais pressupostos de admissibilidade (cabimento, legitimidade, interesse, inexistência de fato impeditivo, tempestividade e regularidade formal), motivos por que avanço na análise de mérito da controvérsia.
II. Contextualização Consta dos autos que a agravante foi denunciada como incursa nos arts. 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, 329 e 331 do CP, em concurso material.
Inicialmente, o Juiz de primeiro grau, por entender ausente o animus necandi na ação da acusada, desclassificou sua conduta, nos termos do art. 419 do CPP, para crime diverso daqueles descritos no art. 74, § 1º, do mesmo Diploma Legal e afastou a competência do Tribunal do Júri para o julgamento do novo crime imputado à ré.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito perante o Tribunal de origem, o qual foi provido com o fim de determinar a submissão da insurgente a julgamento pelo Conselho de Sentença, como incursa nos arts. 121, § 2º, II, c/c o art. 14, II, 329 e 331 do CP. Confira-se (fls. 639-649, grifei):
Com o término da primeira fase do procedimento do Júri, o douto Magistrado da 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital entendeu que a recorrida teria agido sem a intenção de matar, daí por que desclassificou a conduta do delito de homicídio qualificado na modalidade tentada, na forma do artigo 419, caput, da Lei Adjetiva Penal.
Confiram-se alguns segmentos da decisão:
[...].
Ultimada a produção de provas na fase judicium accusationis, remanesceu demonstrada a materialidade através do Laudo de exame de Corpo Delito de Lesão Corporal de fls. 281/282 e dos depoimentos colhidos em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Ultrapassada a análise de condição processual penal de fato determinado, em observância ao comando do artigo 155 c/c 413, ambos do CPP, prossigo ã verificação da PROBABILIDADE DE AUTORIA a partir do exame das provas produzidas em Juízo, sob o crivo do contraditório.
A seguir, apertada síntese dos depoimentos judiciais colhidos durante a audiência de instrução promovida na sede deste Juízo:
O POLICIAL MILITAR ABEL SOARES relata que sua guarnição foi acionada por 190 para que fosse ao HOTEL TRANSAMÉRICA apurar eventual invasão. Lá chegando encontraram o gerente LUCIANO que descreveu os fatos e apontou o autor. Momentos após chegou ao saguão, vindo do apartamento, a acusada ELISANGELA. Logo a seguir se iniciou o entrevero.
AO MINISTÉRIO PÚBLICO conta que ELISANGELA usou um gargalo de garrafa para atacar o acusado.
Alessandro estava sangrando. O depoente se empenhou em conter a acusada que reagiu à prisão e tentou lhe agredir, todavia acabou imobilizada.
ELISANGELA estava bem alterada. Dentro da viatura tentava desferir chutes, danificar o veículo, propalou ofensas e ameaçou os agentes militares e civis envolvidos na ocorrência.
O ferimento em ALESSANDRO foi próximo ao pescoço, do lado esquerdo.
INDAGADO PELA DEFESA, diz ter visto um corte em ALESSANDRO, mas não conseguiu perceber a profundida- de. Presenciou o fato na rua, embaixo do hotel. Não subiu ao quarto.
INDAGADO PELA SEGUNDA DEFESA diz que ao chegar para tentar conter a briga os dois acusados estavam em um canteiro próximo à grade de um condomínio vizinho ao Hotel.
Enquanto ALESSANDRO tentava conversar, ELISANGELA tentava lhe agredir. Fizeram uso de spray de pimenta para apartar, mas não adiantou.
LUCIANO SILVA DE OLIVEIRA conta que estava de plantão no hotel quando surgiu um desentendimento entre o casal ora acusado. A briga permaneceu no decorrer do dia, o que levou a administração a acionar a PMERJ através do telefone 190.
ELISANGELA desautorizou a entrada de ALESSANDRO no hotel. Em razão da insistência deste acusado em ingressar no local, o depoente viu-se obrigado a acionar a polícia.
Afirma que foi por duas vezes a DP com ALESSANDRO no dia do fato.
Durante o período noturno ALESSANDRO retornou e invadiu, de forma clandestina e pelo portão dos fundos o hotel.
Graças a essa ação o acusado conseguiu chegar ao andar de ELISANGELA o que forçou o depoente a acionar a PMERJ pela terceira vez.
Soube que o acusado acessou o quarto e jogou alguns pertences da acusada pela janela. O depoente recolheu estes pertences e os acautelou na administração.
INDAGADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO esclarece que o apartamento era particular. Na ficha figurava o nome de ambos, inclusive com permissão para ingresso dos mesmos.
Inicialmente o proprietário permitiu a entrada de ELISANGELA que, por sua vez permitiu a de ALESSANDRO.
No dia do fato o depoente orientou a ELISANGELA que desautorizasse por escrito o ingresso de ALESSANDRO.
As agressões ocorreram em via pública, fora do estabelecimento. Viu a confusão a distância e percebeu os policiais tentando apartar a briga. ELISANGELA gritava e xingava os agentes.
Confirma o seu depoimento prestado em sede policial. Acredita que os acusados moravam há uns seis meses no local.
Entre ambos nada parecido ocorrera antes do dia destes fatos.
INDAGADO PELA DEFESA DE ELISANGELA, declara que a confusão se deu a cerca de cem metros do hotel. Dava para ver e escutar o que acontecia em razão do elevado tom de voz. Não viu a lesão de ALESSANDRO. Viu ELISANGELA tentando atacar os policiais.
INDAGADO PELA DEFESA DE ALESSANDRO, disse que não chegou a receber nenhuma ordem do proprietário do apartamento desautorizando a entrada de ALESSANDRO no hotel.
O resumo acima foi transcrito do conteúdo audiogravado durante a audiência realizada (mídia de fl. 221).
Cinjo-me, em respeito ao Princípio do Juiz Natural à análise da existência de INDICIOS MINIMOS SUFICIENTES DA AUTORIA infligida a acusada.
Inobstante respeite os entendimentos divergentes, penso que o contexto fático aponta como necessária a desclassificação da conduta imputada a ELISANGELA, o que se torna possível graças a evidente ausência do animus necandi.
[...].
A prova testemunhal ouvida criou elementos suficientes para permitir a plausibilidade da violação dos crimes conexos apontados.
O Policial ABEL SOARES e o gerente LUCIANO SILVA apontam, em seus depoimentos judiciais, indícios da suposta prática dos crimes de resistência e desobediência por parte de ELISANGELA.
Inobstante as provas apontem a violação das condutas indicadas no parágrafo anterior, quando se trata de crime doloso contra a vida verifica-se o oposto; é dizer: o contexto trazido aos autos não comporta um juízo de pronúncia.
Isso se dá porque a acusada, melhor dirá o juízo comum, descontrolou-se após um dia inteiro de 14 confrontos com ALESSANDRO, tanto que LUCIANO, gerente do hotel, chegou a destacar que foi obrigado a acionar por três vezes a PMERJ, todas para conter o acusado que acabou, após a segunda vez, invadindo o hotel clandestinamente para chegar ao apartamento da acusada onde, inclusive, causou danos e lançou pertences pela janela.
Acresça-se, nessa toada, que CRISTIANO aponta ALESSANDRO como infrator aos agentes da PMERJ quando estes lá chegam pela terceira vez.
Denota-se a existência de luta corporal entre os envolvidos, o que certamente foi motivado pela ira de ALESSANDRO ante a rejeição de ELISANGELA a reatar o relacionamento.
Restam evidentes os indicativos de mais uma ocorrência de violência doméstica, muito provavelmente até de feminicídio, o que não sobreveio porque, ao contrário do que comumente ocorre, naquele dia a figura feminina conteve a ira agressiva de seu algoz.
O estado de privação de sentidos, típico do calor deste acontecimento restou comprovado pelo Exame de Corpo Delito e de Lesão Corporal. Nele as respostas aos quesitos 4 a 9 apontam ausência de perigo de vida, de incapacidade para ocupações habituais e/ou de qualquer debilidade em ALESSANDRO. (fls. 281/282), o que reforça a probabilidade de que as ações de ELISANGELA tenham sido efetivadas durante luta corporal até mesmo por instinto de sobrevivência e/ou defesa.
Desta feita, após análise de todo o carreado deve a acusada responder, em tese, tão somente pelos atos que praticou.
Por todo o exposto DESCLASSIFICO a imputação ofertada em desfavor da acusada ELISANGELA BERNARDINA ABAS, qualificada nos autos, no tocante ao crime doloso contra a vida tentado almejado, o que faço com base no artigo 419, caput, do Código de Processo Penal.
[...].
Não obstante os fundamentos dos quais fez uso o MM Juiz a quo para desclassificar a conduta do delito de homicídio, a decisão contra a qual se insurge o Ministério Público se mostra passível de ser reformada por meio do presente recurso, na medida em que não apenas a materialidade, mas também os indícios da autoria de um crime praticado com animus necandi restaram comprovados na hipótese dos autos.
Os indícios de que a recorrida agiu com o dolo de matar decorrem das circunstâncias que cercam o fato e das peculiaridades da sua própria conduta, cujo exame em sede de juízo de admissibilidade, fundado na suspeita, não pode se aprofundar nos detalhes que envolvem o mérito da causa, sob pena de usurpação da competência constitucional do Tribunal Popular.
Além dos documentos que instruem a inicial acusatória e dos quais derivam a comprovação da materialidade do crime, há três testemunhas presenciais que assistiram pessoalmente toda a dinâmica da conduta imputada, principalmente os policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante, cujo depoimento prestado na primeira fase do Tribunal do Júri, sob o crivo do contraditório, deve ser levado ao conhecimento do Conselho de Sentença, a quem compete julgar com imparcialidade a causa, segundo a própria consciência e os ditames da justiça.
Os indícios de autoria e a materialidade delitiva restaram suficientemente comprovados na hipótese vertente, sobretudo diante dos depoimentos prestados em Juízo, aos quais corroboram as demais provas do processo, como o auto de prisão em flagrante (e-doc 07), o registro de ocorrência (e-doc 09), os termos de declaração (e-docs 12/14), o auto de apreensão (e-doc 22), o auto de encaminhamento (e-doc 25), o laudo de descrição de material (e-doc 222), o boletim de atendimento médico do Hospital Municipal Lourenço Jorge (e-doc 233) e o laudo de exame de corpo de delito (e-doc 359), que não deixam a menor dúvida acerca da procedência do objeto do recurso.
As declarações apresentadas na 16ª Delegacia de Polícia no dia dos fatos se coadunam com os depoimentos prestados em Juízo pelas testemunhas arroladas pelo Ministério Público.
O laudo de exame de corpo de delito, por sua vez, descreve que a vítima foi lesionada por meio de um instrumento cortante e numa região próxima ao pescoço.
Com efeito, a polícia apreendeu no dia dos fatos um gargalo de vidro pontiagudo, capaz de produzir as lesões descritas no boletim de atendimento médico e atestadas pelos peritos criminais.
A sentença de pronúncia constitui uma decisão interlocutória mista, que julga o mero juízo de admissibilidade, fundado na suspeita, e não na certeza.
Com a pronúncia, o Magistrado encerra a fase de formação de culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, quando se julgará o mérito.
Ao Juiz cabe tão somente verificar a prova da existência do fato descrito como crime e os indícios suficientes de autoria, a teor do artigo 413 do Código de Processo Penal e à luz do princípio in dubio pro societatis.
Levando-se em conta os indícios de que a acusada é a autora dos delitos imputados na denúncia, não se mostra correto, nesta fase do procedimento, afastar a competência do Plenário do Júri, a quem o Poder Constituinte Originário outorgou a competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, com o fim de valorar as provas coligidas nos autos e dirimir eventuais dúvidas ponderadas pela defesa.
Como lecionam EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, [...].
Nesse sentido, convém trazer à colação os seguintes arestos do Superior Tribunal de Justiça:
[...]
De igual modo, afigura-se incabível o afastamento da qualificadora imputada na denúncia.
Eventuais dúvidas sobre a real causa da ação criminosa devem ser dirimidas pelo Conselho de Sentença, diante da possibilidade de a recorrida ter sido movida por um motivo insignificante, que a levou supostamente a praticar uma conduta altamente desproporcional à ação da vítima, o que pode configurar, em princípio, a qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, II, do Código Penal, cujo afastamento, na fase do iudicium accusationis, somente seria admissível se as circunstâncias fáticas se mostrassem incontroversas.
Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento, a fim de pronunciar a recorrida nas penas dos artigos 121, § 2º, II, n/f do 14, II, 329 e 331 do Código Penal.
III. Arts. 74, § 1º, e 419 do CPP
A Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus veredictos.
Entretanto, a fim de reduzir o erro judiciário (art. 5º, LXXV, CF), seja para absolver, seja para condenar, exige-se uma prévia instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado, com a finalidade de submeter a julgamento no Tribunal do Júri somente os casos em que se verifiquem a comprovação da materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413, § 1º, do CPP, que encerra a primeira etapa do procedimento previsto no Código de Processo Penal.
A pronúncia funciona, portanto, como um filtro pelo qual apenas passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo Conselho de Sentença.
Questões referentes à certeza da autoria e da materialidade do delito deverão ser analisadas pelos jurados. Vale dizer, em atenção ao princípio do juiz natural, somente é cabível a desclassificação do delito, na fase de judicium accusationis, quando manifestamente improcedente o animus necandi na conduta imputada ao acusado - o que foi verificado no caso em exame.
A denúncia imputou o crime de homicídio qualificado tentado à ora recorrente, uma vez que ela teria desferido "golpes utilizando o gargalo de uma garrafa de vidro quebrada, contra o pescoço e as costas da vítima Alessandro Vidal De Lacerda, seu companheiro, causando-lhe as lesões descritas no Boletim de Atendimento Médico e no Laudo de Exame de Corpo de Delito" (fl. 10).
No caso, ao compreender pela necessidade de desclassificação da conduta da ré, o Juízo singular asseverou que os fatos se deram depois de um dia inteiro de 14 confrontos entre o ofendido e a acusada. Destacou que o gerente do hotel foi obrigado a acionar a polícia local por três vezes com o fim de conter o ofendido, que chegou a invadir o hotel clandestinamente para chegar ao apartamento da acusada, onde, inclusive, causou danos e lançou pertences pela janela.
O Juízo primevo assinalou ter havido luta corporal entre os envolvidos motivada, pelo que se infere dos fatos, "pela ira de Alessandro ante a rejeição de Elisangela a reatar o relacionamento" (fl. 643). Ainda, destacou que o Exame de Corpo Delito e o laudo de Lesão Corporal atestaram que não houve perigo de vida, nem incapacidade para ocupações habituais e/ou de qualquer debilidade na vítima, circunstâncias que, no seu entender, reforçam "a probabilidade de que as ações de Elisângela tenham sido efetivadas durante luta corporal até mesmo por instinto de sobrevivência e/ou defesa" (fl. 643).
Entretanto, embora o Tribunal a quo haja entendido haver dúvida quanto ao animus necandi e, por isso, optado pela pronúncia da ré, para essa conclusão, indicou, além das provas da materialidade e dos indícios de autoria, apenas o fato de a lesão haver sido praticada em lugar próximo ao pescoço da vítima, sem, entretanto, elencar elementos que dessem lastro à tese de que a ré haveria agido com intenção de matar.
Deveras, observado que não foram apontados indícios suficientes de que havia o ânimo de matar, sobretudo à luz do contexto trazido pelo Juiz de primeiro grau, que chegou a destacar a presença de circunstância indicativa "de mais uma ocorrência de violência doméstica, muito provavelmente até de feminicídio" (fl. 643, destaquei), o restabelecimento da decisão que desclassificou a conduta é medida de rigor.
A propósito:
[...]
7. Embora haja prova de materialidade e indícios válidos de autoria, não se visualiza o animus necandi na conduta do Réu. Essa constatação não implica nem a impronúncia - requerida como pedido principal na exordial do writ - tampouco, obviamente, a pronúncia do Acusado, mas sim a desclassificação da imputação, justamente o que fez o Julgador de Primeiro Grau, mais próximo das provas produzidas.
8. A conclusão quanto à ausência de animus necandi, especificamente, nesse caso, prescinde de análise vertical do conjunto probatório, pois decorre (i) da própria descrição da imputação feita pelo Parquet e (ii) da moldura fática delineada pela Jurisdição Ordinária. Não é necessário, portanto, inverter qualquer premissa assentada na origem como fruto de exame mais aprofundado do acervo probatório, razão pela qual a apreciação da matéria é cabível neste writ.
9. O relato da vítima e o testemunho do policial civil indicam não haver conduta dolosa contra a vida. Segundo atestado pelas instâncias antecedentes, em razão da recusa da vítima em pagar um suposto pedágio exigido por uma facção criminosa local, o Réu teria lhe desferido uma facada e dito "só paga o bagulho", tendo saído, logo em seguida, caminhando do local (palavras da própria vítima). A autoridade policial questionou ao perito se a conduta teria gerado risco à vida do ofendido (quesito n. 5 do Laudo Pericial), tendo sido negativa a resposta do expert.
10. O Réu desferiu um único golpe de faca contra a vítima, conduta esta que, embora de todo reprovável, não chegou a gerar risco concreto para a vida do ofendido. Ademais, se o autor estivesse, realmente, imbuído de animus necandi poderia ter continuado sua ação, pois, conforme delineado na decisão de primeiro grau, não havia impeditivos para o prosseguimento da empreitada delitiva.
11. No caso, as premissas fáticas delineadas na decisão e no acórdão de origem não deixam dúvidas quanto à inexistência de conduta dolosa contra a vida, razão pela qual deve ser restabelecida a decisão de primeiro grau que desclassificou a imputação para delito de competência do Juízo Criminal Comum.
12. Agravo regimental parcialmente provido para restabelecer a decisão de primeiro grau de jurisdição.
(AgRg no HC n. 755.217/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, relatora para acórdão Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 6/10/2023.)
IV. Dispositivo À vista do exposto, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial e restabelecer a decisão de primeiro grau.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 31 de julho de 2024.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Relator
(STJ - AREsp: 2600713, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 02/08/2024)
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