STJ Set24 - Provas Ilícitas - Acesso ao Dados da Tornozeleira Eletrônica Sem Ordem Judicial
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 773837 - PR (2022/0307400-5)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de CRISELMOXXXXXXXXcontra acórdão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, proferido no julgamento da Apelação n. 0001001-17.2021.8.16.0146.
Em 26 de março de 2021, o paciente, acompanhado de Alessandro Mariconi Sant'Anna e Marcos Aurélio Estivalete (já falecido) entraram em uma residência no município de Quitandinha, no Paraná e deram início à subtração de diversos objetos do interior do imóvel.
A ação foi praticada mediante grave ameaça exercida com emprego de três armas de fogo. Os agentes não obtiveram sucesso na empreitada criminosa, pois foram interrompidos por uma guarnição da Polícia Militar. Durante a fuga, Marcos Aurélio foi morto no confronto com os policiais. Alessandro foi capturado em um matagal e, em seguida, foi efetivada a prisão do ora paciente.
Para a prática do crime, foi utilizado um automóvel Fiat/Palio Weekend com sinais identificadores adulterados. O veículo havia sido roubado na cidade de Curitiba no dia 15 de março daquele ano (e-STJ, fls. 395-400).
Encerrada a instrução criminal, o paciente foi condenado a 14 (quatorze) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, mais 75 (setenta e cinco) dias-multa, pelos crimes do art. 288, parágrafo único, art. 311, art. 180 e do art. 157, § 2º, incisos II e V, e § 2º-A, inciso I, c/c art. 14, inc. II, todos do Código Penal. A sentença condenatória foi integralmente mantida pelo Tribunal de Justiça, que negou provimento ao apelo defensivo (e-STJ, fls. 100-134). O trânsito em julgado foi certificado em 27 de setembro de 2022 (e-STJ fl. 874).
No presente writ, sustenta a defesa a nulidade das investigações em razão das provas obtidas mediante o acesso indevido às informações referentes à monitoração eletrônica do acusado. Alega que a Carta Magna não permite que informações sigilosas sejam acessadas de livre vontade por quem as requeira, muito pelo contrário, há a necessidade de que um Juiz competente analise a situação de forma pormenorizada, e, se necessário, de forma fundamentada, permita o acesso (e-STJ fl. 8). Aponta que a mera assinatura do Magistrado no ofício encaminhado pela autoridade policial não se mostra válido para o acesso ao monitoramento eletrônico.
Desse modo, defende que, tendo em vista o caráter pessoal e sigiloso das informações constantes no Monitoramento Eletrônico da pessoa monitorada, estas apenas podem ser acessadas após a prolação de decisão judicial devidamente fundamentada para tanto. Ou seja, qualquer diligência realizada em desconformidade, se mostrará absolutamente nula, eis que ilegal. (e-STJ fl. 12) Alega, ainda, a ocorrência da nulidade da condenação imposta ao paciente em razão da ilegalidade do reconhecimento fotográfico realizado pela vítima via WhatsApp.
Requer, ao final, seja reconhecida a nulidade do acesso ao monitoramento eletrônico do paciente, de modo que tal meio de prova seja desentranhado dos autos e que seja reconhecida a nulidade no reconhecimento fotográfico realizado via WhatsApp, devendo o paciente ser absolvido de todos os crimes a ele imputados.
O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 861-862).
O Tribunal de origem prestou informações (e-STJ, fls. 866-910).
Os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal, que se manifestou pelo não conhecimento deste habeas corpus (e-STJ, fls. 914-919).
É o relatório. Passo a decidir.
O presente habeas corpus não merece ser conhecido a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, a, da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação, recurso em sentido estrito ou agravo em execução, como é o caso, é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, na medida em que o referido dispositivo faz menção expressa a causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais (...).
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC n. 313.318/RS, Quinta Turma, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJ de 21/5/2015; HC n. 321.436/SP, Sexta Turma, Relator Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ de 27/5/2015.
Cito, ainda, os seguintes precedentes:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
NÃO CABIMENTO. ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS E COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA.
SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. MODUS OPERANDI. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).
II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração.
Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.
[...] Habeas corpus não conhecido. (HC 320.818/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 27/5/2015).
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS.
O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.
Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da Republica, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional. Igualmente, contra o improvimento de recurso ordinário contra a denegação do habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, não cabe novo writ ao Supremo Tribunal Federal, o que implicaria retorno à fase anterior. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte. [...]. (STF, HC n. 113890, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJ 28/2/2014).
O primeiro ponto trazido a exame pelo impetrante diz respeito à suposta nulidade do acesso aos dados armazenados na tornozeleira eletrônica do paciente. Os dados foram obtidos sem autorização judicial. A Polícia Militar solicitou e teve acesso ao relatório da tornozeleira eletrônica nos dias 23, 26 e 27 de março de 2021 sem qualquer manifestação de autoridade judiciária permitindo o acesso a tais informações.
Como se sabe, a disciplina que rege as nulidades no processo penal leva em consideração, em primeiro lugar, a estrita observância das garantias constitucionais, sem tolerar arbitrariedades ou excessos que desequilibrem a dialética processual em prejuízo do acusado. Por isso, o reconhecimento de nulidades é necessário toda vez que se constatar a supressão ou a mitigação de garantia processual que possa trazer agravos ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
O dever de vigilância quanto à regularidade formal do processo assegura não apenas a imparcialidade do órgão julgador, como também o respeito à paridade de armas entre defesa e acusação.
Por outro lado, a declaração de nulidade de um ato processual deve ser precedida de demonstração de agravo concreto suportado pela parte, sob pena de se prestigiar apenas a forma, em detrimento do conteúdo do ato.
Nesse sentido, cito lição doutrinária de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho:
Sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil, que sacrificaria o objetivo maior da atividade jurisdicional; assim, somente a atipicidade relevante dá lugar à nulidade; daí a conhecida expressão utilizada pela doutrina francesa: pas de nullité sans grief.
(GRINOVER, Ada P. et. Al. As nulidades no processo penal. 11ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 25).
A questão trazida aos autos diz respeito ao controle judicial da ação policial, que deve compatibilizar os direitos de liberdade com as necessidades e interesses da segurança pública A monitoração eletrônica -introduzida pela Lei n. 12.258/2010 - é o conjunto de mecanismos de restrição da liberdade de pessoas sob medida cautelar ou condenadas por decisão transitada em julgado executados por meios técnicos que permitam indicar a sua localização. (art. 2º da Resolução CNJ n. 412/2021). O controle é feito por meio de equipamentos que fornecem dados sobre a localização da pessoa monitorada às autoridades penitenciárias.
Os dados produzidos pelas autoridades policiais responsáveis pelo monitoramento são abrangidos pela proteção insculpida no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal e, conforme a Resolução n. 412, de 23 de agosto de 2021, o compartilhamento dos dados, inclusive com instituições de segurança pública, dependerá de autorização judicial, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público. (art. 13, § 2º, da Resolução CNJ n. 412/2021). O compartilhamento de dados deve ser formalmente registrado, com informação sobre a data e o horário do tratamento, a identidade do servidor que obteve e do que concedeu o acesso ao dado, a justificativa apresentada, bem como quais os dados tratados, a fim de permitir o controle, além de eventual auditoria (art. 13, § 4º, da Res. CNJ n. 412/2021).
Desse modo, tem-se que a medida adotada violou garantia constitucional contida no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. Ainda que a regulamentação do acesso tenha sido realizada após a adoção da medida pelas autoridades policiais paranaenses, não se pode convalidar a providência. Muito embora a resolução do Conselho Nacional de Justiça tenha sido publicada após os fatos narrados neste habeas corpus, não há como chancelar a medida, tendo em vista que a providência envolve supressão de garantia constitucional cuja regularidade depende de prévio pronunciamento de autoridade judiciária, que não ocorreu.
Com relação ao reconhecimento fotográfico, alegam os impetrantes que o procedimento foi realizado via whatsapp sem observar as previsões contidas no art. 226 do Código de Processo Penal.
A jurisprudência desta Corte vinha entendendo que a eventual inobservância das formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal para o reconhecimento não é causa de nulidade, uma vez que não se trata de exigências, mas de meras recomendações a serem observadas na implementação da medida.
Essa compreensão foi rompida, passando-se a entender ser necessário observar o regramento contido no art. 226 do Código de Processo Penal, de modo a, por um lado, preservar-se a atuação dos órgãos investigativos, sem se descuidar da preservação das garantias constitucionais relativas ao due process of law, sobretudo em razão de o reconhecimento de pessoas costuma ser fonte de erros judiciários graves.
O marco dessa ruptura ocorreu com o julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz), realizado em 27/10/2020. Na ocasião, foi proposta nova interpretação do art. 226 do CPP, segundo a qual a inobservância do procedimento descrito no mencionado dispositivo legal torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo.
Dessa maneira, a jurisprudência não admite condenação com base apenas em eventual reconhecimento falho, ou seja, sem o cumprimento das formalidades legais, as quais constituem, em verdade, garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um delito.
No entanto, é possível que o julgador, destinatário das provas, convença-se da autoria delitiva a partir de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato do reconhecimento falho, porquanto, sem prejuízo da nova orientação, não se pode olvidar que vigora no nosso sistema probatório o princípio do livre convencimento motivado.
Assim, "diante da existência de outros elementos de prova, acerca da autoria do delito, não é possível declarar a ilicitude de todo o conjunto probatório, devendo o magistrado de origem analisar o nexo de causalidade e eventual existência de fonte independente, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal" (HC n. 588.135/SP, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 8/9/2020, DJe de 14/9/2020).
Com efeito, o Magistrado não está comprometido com qualquer critério de valoração prévia da prova, mas livre na formação do seu convencimento e na adoção daquele que lhe parecer mais convincente.
Assim, permite-se que elementos informativos de investigação e indícios suficientes sirvam de fundamento ao juízo, desde que existam, também, provas produzidas judicialmente. Ou seja, para se concluir sobre a veracidade ou falsidade de um fato, o juiz penal pode se servir tanto de elementos de prova - produzidos em contraditório - como de informações trazidas pela investigação.
Neste caso, o paciente era conhecido do coautor que morreu durante o confronto com a polícia. Além disso, as vítimas, em outras ocasiões, foram firmes em apontá-lo como um dos autores dos delitos.
O conjunto de evidências independentes do reconhecimento fotográfico realizado na fase policial e do acesso aos dados da tornozeleira eletrônica é suficiente para dar suporte à tese acusatória.
Dessa maneira, não obstante eventual inobservância do art. 226 do Código de Processo Penal e a ilicitude da prova obtida mediante acesso aos dados da tornozeleira eletrônica sem autorização judicial, não é possível desconsiderar as particularidades do caso concreto, em especial as seguras declarações da vítima, tanto em sede inquisitorial quanto em juízo, além dos demais elementos probatórios válidos e autônomos colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DAS MAJORANTES DO USO DE ARMA DE FOGO E DO CONCURSO DE AGENTES. EXCLUSÃO DA INDENIZAÇÃO FIXADA À VÍTIMA. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA ACERCA DESSAS MATÉRIAS NÃO ATACADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ QUANTO A ESSES PONTOS.
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. NULIDADE POR OFENSA AO ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. NÃO VERIFICADA. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS VÁLIDOS DE PROVA QUE EMBASAM A CONDENAÇÃO. AUTORIA DELITIVA CONFIGURADA. CONCLUSÃO DIVERSA QUE DEMANDA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada é requisito para o conhecimento do agravo regimental. Na hipótese, o presente recurso não merece ser conhecido em relação às pretensões de afastamento das majorantes do crime de roubo e de exclusão da indenização a título de danos morais fixada em favor da vítima, ante a incidência da Súmula n. 182 do STJ no tocante aos referidos pontos.
2. Em revisão à anterior orientação jurisprudencial, ambas as Turmas Criminais que compõem esta Corte, a partir do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz), realizado em 27/10/2020, passaram a dar nova interpretação ao art. 226 do CPP, segundo a qual a inobservância do procedimento descrito no mencionado dispositivo legal torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado em juízo.
3. Contudo, atualmente, este Tribunal vem adotando o entendimento de que, ainda que o reconhecimento do réu haja sido feito em desacordo com o modelo legal e, assim, não possa ser sopesado, nem mesmo de forma suplementar, para fundamentar a condenação do réu, certo é que se houver outras provas, independentes e suficientes o bastante, produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para lastrear o decreto condenatório, não haverá nulidade a ser declarada (AgRg nos EDcl no HC n. 656845/PR, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 28/11/2022).
4. Na hipótese em tela, embora não tenham sido observados os procedimentos dispostos no art. 226 do CPP, o conjunto probatório coletado no feito, notadamente os depoimentos da vítima e dos agentes policiais prestados em juízo, foram considerados como versões firmes e coerentes acerca dos fatos delitivos e da autoria imputada ao agravante.
5. Conforme ressaltado pela Corte a quo, previamente ao reconhecimento fotográfico feito em delegacia, foi realizada pela vítima a descrição detalhada acerca dos fatos e das características físicas dos acusados, sendo que, somente posteriormente, foram-lhe apresentadas as fotografias dos possíveis suspeitos, com lastro em sua declaração, momento em que reconheceu, de pronto, o agravante como um dos autores do delito. Ao prestar suas declarações em Juízo, a ofendida confirmou o reconhecimento fotográfico feito extrajudicialmente e narrou, de maneira firme e detalhada a empreitada criminosa, enfatizando que o ora agravante era o único que não estava encapuzado, motivo pelo qual, após a apresentação das fotografias dos suspeitos na delegacia, o reconhecimento do réu foi feito de imediato e com total segurança, em razão das "características marcantes do acusado, luzes no cabelo e nariz achatado".
6. Além disso, os policiais civis que conduziram as investigações, ao prestarem depoimento em juízo como testemunhas, foram categóricos ao afirmar que a vítima e seu filho, o qual também estava no local do crime, quando compareceram à delegacia e lhe foram apresentadas as fotos dos possíveis suspeitos, reconheceram em conjunto e de imediato a fotografia do agravante, apontando, com firmeza, a sua participação no delito. Os agente públicos salientaram, também, que o filho da ofendida, antes de realizar o reconhecimento fotográfico perante a autoridade policial, já tinha afirmado que "um dos indivíduos, se chamava 'Vitinho', que teria visto algumas vezes ele pela região, que este era o único que não estava encapuzado".
7. Desse modo, a conclusão do Tribunal de origem encontra amparo na atual jurisprudência desta Corte, no sentido de que a inobservância das formalidades previstas no art. 226 do CPP não configura necessariamente nulidade, notadamente quando o reconhecimento fotográfico for realizado com segurança pela vítima, bem como estiver a sentença condenatória amparada em outros elementos probatórios válidos e autônomos colhidos sob o crivo do contraditória e da ampla defesa, como no caso em epígrafe.
8. Para se acatar o pleito absolutório fundado na suposta ausência de provas suficientes para a condenação, seria inevitável o revolvimento fático-probatório do feito, vedado pela Súmula n. 7 deste Superior Tribunal de Justiça.
9. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.991.935/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 14/2/2023.)
Diante do exposto, não conheço deste habeas corpus. De ofício, concedo a ordem apenas para declarar nula a prova obtida mediante acesso direto aos dados da tornozeleira eletrônica do paciente, mantendo, no entanto, a sentença condenatória ante a presença de provas autônomas.
Publique-se.
Brasília, 12 de setembro de 2024.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator
(STJ - HC: 773837, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 16/09/2024)
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