STJ Fev25 - Absolvição - Lei de Drogas - Condenação no Art.33 Baseada na Palavra do Policial e Pequena Quantidade de Entorpecente (36g) "Inexistência de Demais Elementos de Provas - princípio do in dubio pro reo"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2825330 - ES (2024/0476292-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

ADVOGADO : JAMILSON MONTEIRO SANTOS - ES020056

DECISÃO Trata-se de agravo manejado contra a decisão que inadmitiu o recurso especial interposto por PAULO HENRIQUE XXXXXXXXXXXX e JOXXXXXXXXX, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição da República, em oposição a acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, assim ementado:

"APELAÇÕES CRIMINAIS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PROVA CONTUNDENTE DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. REJEITADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MANTIDA. VALORAÇÃO DE TRÊS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS. RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. APLICADA A FRAÇÃO DE 1/3 PARA REDUÇÃO. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1 – Os réus infringiram a norma descrita no art. 33, por, ao menos, trazerem consigo substância entorpecente cuja destinação comercial é evidenciada pelos elementos de prova, tendo em vista a quantidade de entorpecentes apreendidos, o acondicionamento e também o sugestivo contexto fático em que ocorreu a prisão em flagrante, o que afasta por completo o pleito de absolvição. 2 – Diante do contexto fático da apreensão e da quantidade de droga apreendida (51 papelotes de cocaína), não é crível a alegação de que seria para uso próprio. Assim, não se há de falar em desclassificação para o crime de “uso de drogas” (art. 28 da Lei 11.343/06). 3 – Pena-base mantida diante da correta valoração de três circunstâncias judiciais. 4 – A condenação por fato posterior não pode ser utilizada para afastar o tráfico privilegiado. As ações penais em curso também não obstam a aplicação da minorante. 5 – A quantidade e natureza das drogas foram utilizadas na primeira fase para exasperar a pena- base, não podendo ser utilizado tal fundamento para modular a fração da terceira fase pelo reconhecimento do tráfico privilegiado, sob pena de caracterizar bis in idem. 6 – Reconhecido o tráfico privilegiado para os réus utilizando a fração de 1/3, em razão do envolvimento de três adolescentes. 7 – Recursos conhecidos e parcialmente providos." (e-STJ, fl. 1.006).

Os agravantes alegam que a análise das questões delineadas no recurso especial não encontra óbice na Súmula 7 do STJ, bem como que a pretensão não carece de fundamentação e encontra amparo na jurisprudência desta Corte de Justiça. 

No recurso especial inadmitido, apontam violação ao art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal e requerem a absolvição dos agravantes pelo crime de tráfico de drogas, ou a desclassificação de sua conduta, alegando que não ficou comprovada a difusão ilícita de substâncias entorpecentes.

 Subsidiariamente, postulam a revisão na dosimetria da pena: pela ofensa ao art. 59 do Código Penal, por entenderem que a pena-base foi excessivamente recrudescida sem fundamentos válidos; e por entenderem que "a Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, cujos dispositivos relativos ao tráfico privilegiado e ao porte de drogas para consumo pessoal não foram adequadamente considerados pelo tribunal a quo" (fl. 1.081). 

O recurso especial foi inadmitido na origem (e-STJ, fls. 1.101-1.104), ao que se seguiu a interposição de agravo (e-STJ, fls. 1.106-1.118). Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo conhecimento do agravo para prover-se parcialmente o recurso especial, consoante parecer assim ementado (eSTJ, fl. 1.147):

"PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA Nº 07 DO STJ. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. DESPROPORCIONALIDADE. PELO CONHECIMENTO DO AGRAVO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL." 

É o relatório. Decido.

O agravo impugna adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecido. Passo, portanto, ao exame do recurso especial propriamente dito. O Juízo de primeiro grau detalhou a autoria e materialidade do crime de tráfico de drogas, nestes termos:

"Ao serem interrogados em Juízo (fis. 301/303-verso), os réus PAULO HENRIQUE MACHADO GARCIA, JOSIMAR GONÇALVES e JOEL RIBEIRO PIMENTA JUNIOR, alegaram inocência quanto às acusações. Entrementes, a despeito da negativa de autoria, os Policiais Militares VAGNER GOTLER SAMPAIO e MARDEHON FERREIRA GOMES, inquiridos durante as Edição nº 57 - Brasília, Disponibilização: sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025 Publicação: segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025 Documento eletrônico VDA45591718 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 13/02/2025 19:51:50 Publicação no DJEN/CNJ de 17/02/2025. Código de Controle do Documento: 601100d4-259e-4a01-8e1a-9189fce9974d investigações (fis. 08/09 e 10/11), prestaram relatos contundentes acerca dos fatos, noticiando, ambos, que: I - receberam denúncia de que 06 (seis) indivíduos estavam em Barra do Sahy, em um veículo de cor vermelha, em atitude suspeita; II - foram ao local e abordaram os acusados PAULO HENRIQUE MACHADO GARCIA, JOSIMAR GONÇALVES e JOEL RIBEIRO PIMENTA JUNIOR, e os adolescentes [M.M.L.], [M.G.daS.] e [F.A.G.dosS.]; III - encontraram 09 (nove) papelotes de cocaína do outro lado do muro; IV - durante as buscas no veículo, encontraram 15 (quinze) fracos contendo loló no console, 02 (duas) sacolinhas contendo papelotes de cocaína no banco do motorista e mais uma sacolinha com cocaína atrás do banco do motorista; V - as sacolas totalizaram 51 (cinquenta e um) papelotes de cocaína; VI - foi apreendida a quantia de R$125,00 (cento e vinte e cinco reais). Extrai-se, portanto, dos depoimentos dos Militares, que a guarnição foi ao local, em virtude de denúncia de que 06 (seis) indivíduos estavam em um veículo, em atitude suspeita, sendo que, ao chegarem, encontraram os acusados PAULO HENRIQUE MACHADO GARCIA, JOSIMAR GONÇALVES e JOEL RIBEIRO PIMENTA JUNIOR, e os os adolescentes [M.M.L.], [M.G.daS.] e [F.A.G.dosS.], tendo os Policiais localizado 51 (cinquenta e um) papelotes de cocaína, no banco do motorista, atrás do banco do motorista e em um muro próximo, bem como 15 (quinze) frascos de loló no console do automóvel. Ressalta-se que, ao ser ouvido em Juízo (fi. 300), o Policial Militar VAGNER GOTLER SAMPAIO prestou relatos em harmonia com seu depoimento da esfera administrativa, esclarecendo que as drogas estavam em cima do banco do motorista, no tapete do carona e em um muro próximo aos abordados. De igual modo, o Militar MARDEHON FERREIRA GOMES, em Juízo (fl. 335), confirmou a apreensão das drogas no interior do automóvel. Para além disso, vale destacar que o próprio réu PAULO HENRIQL MACHADO GARCIA, em Juízo (fis. 303/303-verso), assumiu que era o condutor do veículo, o qual pertencia ao seu pai, e que os demais abordados também eram ocupantes do automóvel, ao passo que os acusados JOEL RIBEIRO PIMENTA JUNIOR e JOSIMAR GONÇALVES, em Juízo (fis. 301/301-verso e 302/302-verso), também confirmaram que eram ocupantes do veículo, juntamente com os menores. Destaca-se, ainda, que a cópia do CRLV de fl. 55 demonstra que o automóvel - no qual as drogas foram encontradas - estava registrado em nome do réu PAULO HENRIQUE MACHADO GARCIA. [...] Infere-se, com isso, que as oitivas das testemunhas, tanto na esfera policial, quanto em Juízo, foram firmes e harmônicas, estando tais depoimentos integrados com todo o contexto probatório reunido, não deixando dúvidas acerca da prática do crime de tráfico de drogas por parte dos réus." (e-STJ, fls. 845-847, destaquei). 

Ao preservar a condenação dos réus, a Corte de origem assim se manifestou: 

"De forma sucinta, descreve a denúncia que, no dia 27/02/2014, na Barra do Sahy, Aracruz/ES, os denunciados, na companhia de 03 (três) adolescentes, traziam consigo, para fins de tráfico, 51 (cinquenta e um) papelotes da droga conhecida popularmente como “cocaína”, 15 (quinze) frascos contendo a droga conhecida popularmente como “loló”, e posteriormente, mais 09 (nove) papelotes de “cocaína”, próximo ao muro, sem autorização legal e em desacordo com determinação legal ou regulamente. Em razão do quadro fático, acima delimitado, e após ser assegurado aos réus o direito ao contraditório e à ampla defesa, foram os mesmos condenados pela prática do crime de tráfico de drogas. De acordo com laudo de exame químico (fls. 297/298), as 51 (cinquenta e uma) porções da substância em pó, envoltas individualmente por plástico, pesando o total de 36,6 gramas, correspondem ao entorpecente “cocaína” (benzoilecgonina). Autoria e materialidade restaram devidamente comprovadas pelo boletim de ocorrência (fls. 25/26), auto de prisão em flagrante (fls. 35/37), auto de apreensão (fl. 24) e termos de declaração (fls. 08/17), senão vejamos: “(...) Que tais indivíduos foram identificados como sendo: Paulo Henrique Machado Garcia, Josimar Gonçalves, Joel Ribeiro Pimenta Junior e os adolescentes [M.M.L.], [M.G.daS.] e [F.A.G.dosS.]; Que após a abordagem foi encontrada do outro lado do muro uma sacolinha contendo 09 papelotes de substâncias semelhante a Cocaína; Que ao verificar o veículo Fiat/Pálio, de cor vermelha, de placas 0VK5505, com características idênticas as passadas pelo denunciante foi possível visualizar embalagens plásticas contendo substância semelhante a "loló",e uma sacolinha contendo substância semelhante a cocaína no banco do condutor; Que logo após receberem a informação que o veículo seria guinchado Carlos Henrique Barbosa Garcia, assumiu a propriedade do veículo comprovado através do CRLV e entregou a chave que estava em sua posse; Que foi feita uma busca minuciosa no veículo e foram encontrados no console 15 frascos de contendo substâncias semelhante a loló; Que no banco do motorista foi encontrado duas sacolinhas contendo papelotes de substância semelhantes a cocaína e atrás do banco do motorista mais uma sacolinha com a mesma substância, totalizando 51 papelotes, Que com os nacionais e os adolescentes foram arrecadados a quantia de R$125,00 em espécie. (...)” (Depoimento do policial militar Mardehon Ferreira Gomes, em sede policial – às fls. 10/11). “(...) Que afirma que quando chegou a viatura policial, e abordou o informante e seus amigos foi encontrado atrás de um muro e dentro do carro fiat Palio de propriedade de Paulo Henrique várias sacolas - contendo cocaína e vários frascos com loló; (...)” (Depoimento do adolescente Mateus Miranda Lopes, em sede policial – à fl. 14). “(...) Que afirma que nesta data encontrava-se em companhia de Paulo Henrique Machado Garcia, Josimar Gonçalves, Joel Ribeiro Pimenta Junior e os adolescentes [F.A.G.dosS.] e [M.M.L.]; Que afirma que quando chegou a viatura policial, e abordou o informante e seus amigos foi encontrado atrás de um muro e dentro do carro fiat Palio de propriedade de Paulo Henrique várias sacolas contendo cocaína e vários frascos com loló (...)” (Depoimento do adolescente Maycon Garcia da Silva, em sede policial – à fl. 16). Cumpre salientar que o depoimento do policial militar Mardehon foi corroborado pelo condutor e policial militar Vagner Gotler Sampaio, na qual ambas as declarações foram confirmados em juízo, em total harmonia com aqueles prestados em esfera administrativa. Vale destacar que, por mais que o adolescente Maycon tenha assumido toda posse da droga para consumo pessoal, restou evidente ao longo de todo processo, por meio dos depoimentos e ainda mais pela forma de embalo e quantidade dos entorpecentes encontrados, 51 (cinquenta e um) papelotes, que se tratava de inequívoco tráfico de drogas. Assim, pela quantidade da droga e circunstâncias dos fatos, resta inquestionável que os acusados estavam transportando o entorpecente para fins de comercialização. Nesse sentido, ainda que a defesa dos apelantes tenha sustentado que não estava o mesmo praticando tráfico de drogas, restou devidamente demonstrado pelos depoimentos dos policiais militares, que efetuaram a prisão em flagrante, que os apelantes incorreram nos elementos do tipo penal previsto no art. 33, “caput” da Lei 11.343/2006. [...] Ademais, já se consolidou na jurisprudência dos tribunais que não é necessária a prova flagrancial do comércio, bastando que o agente seja surpreendido ao realizar uma das elementares do referido tipo penal, dentre as quais se insere o núcleo "trazer consigo", do que se conclui ter incorrido em conduta formal e materialmente típica, ilícita e culpável. Sendo assim, entendo não assistir razão às defesas ao pugnarem pela absolvição, uma vez que restaram evidenciados que os mesmos traficavam drogas. Pelos mesmos motivos expostos acima, quantidade da droga, 51 (cinquenta e um) papelotes, e de forma devidamente individualizada e embalada para o comércio, afasto o pedido das defesas pela desclassificação para o crime de porte de drogas para consumo pessoal, presente no art. 28, caput, da Lei 11.343/06. Desse modo, por não haver motivos para modificar a sentença, mantenho inalterada a condenação dos mesmos como incursos no art. 33, caput, c/c art. 40, VI, ambos da Lei 11.343/06." (eSTJ, fls. 1.014-1.016, grifou-se)

Conforme se observa, o Tribunal a quo preservou a condenação dos agravantes com base nos depoimentos dos policiais e na apreensão de 36,6 gramas de cocaína encontradas no veículo utilizado pelos réus e por outros três menores.

 Contudo, as investigações não conseguiram individualizar a conduta de cada um dos 6 (seis) passageiros do veículo e, principalmente, identificar o(s) proprietário(s) das drogas. 

A atuação policial nem sequer foi motivada por denúncia de tráfico: apenas em razão de suposta "atitude suspeita" (e-STJ, fl. 845); e a força policial policial tampouco conseguiu visualizar movimentação típica de tráfico ou interrogar eventuais usuários de drogas.

 Ademais, não foram encontrados petrechos para o preparo das drogas, caderneta com anotações típicas do tráfico; até mesmo as drogas estavam localizadas em locais diversos: em cima do banco do motorista, no tapete do carona e em um muro próximo aos abordados, sendo impossível presumir sua propriedade.

 Como se sabe, o direito penal não pode se contentar com suposições nem conjecturas, de modo que o decreto condenatório deve estar amparado em um conjunto fáticoprobatório coeso e harmônico, o que não é o caso dos autos. É sempre bom lembrar que no processo penal, havendo dúvida, por mínima que seja, deve ser em benefício do réu, com a necessária aplicação do princípio do in dubio pro reo.

 Destarte, considerando que não há provas seguras da autoria delitiva do tráfico, de rigor a absolvição dos réus. Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "c", do RISTJ, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver todos os réus do conduta a eles imputada. 

Estendo os efeitos dessa decisão ao corréu JOEL RIBEIRO PIMENTA JÚNIOR, por se encontrar em idêntico contexto fático-jurídico. 

Edição nº 57 - Brasília, Disponibilização: sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025 Publicação: segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025 Documento eletrônico VDA45591718 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 13/02/2025 19:51:50 Publicação no DJEN/CNJ de 17/02/2025. Código de Controle do Documento: 601100d4-259e-4a01-8e1a-9189fce9974d

 Publique-se. Intimem-se. Brasília, 13 de fevereiro de 2025. Ministro Ribeiro Dantas Relator

(STJ -  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2825330 - ES (2024/0476292-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS,  Publicação no DJEN/CNJ de 17/02/2025)

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