STJ Fev25 - Acordão do TJES Anulado - Júri - Pronúncia com Base Em Testemunhos Indiretos e Elementos de Informação

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

há 33 segundos

HABEAS CORPUS Nº 970446 - ES (2024/0483626-9) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO 

ADVOGADOS : AMANDA DE FREITAS LOPES - ES039069 PALOMA MAROTO GASIGLIA - ES020217

DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de MARCIO XXXXXXXXXXno qual se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (RSE n. 0000222-82.2022.8.08.0006). 

Depreende-se dos autos que o Tribunal de origem negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo defesa contra a decisão que havia pronunciado o paciente, como incurso no art. 121, § 2º, I, IV e V, do Código Penal. O acórdão está assim ementado (e-STJ fl. 6):

DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de MARCIO ANTONIO DA SILVA no qual se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (RSE n. 0000222-82.2022.8.08.0006). Depreende-se dos autos que o Tribunal de origem negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo defesa contra a decisão que havia pronunciado o paciente, como incurso no art. 121, § 2º, I, IV e V, do Código Penal. O acórdão está assim ementado (e-STJ fl. 6):

Alega a defesa, neste writ, a inexistência de indícios suficientes para a manutenção da decisão de pronúncia.

 É o relatório. Decido. 

No procedimento de competência do Tribunal do Júri, a pronúncia encerra o juízo de admissibilidade da inicial acusatória, dispondo o art. 413 do Código de Processo Penal que o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Nos termos da orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a pronúncia é o "reconhecimento de justa causa para a fase do júri, com a presença de prova da materialidade de crime doloso contra a vida e indícios de autoria" (AgInt no AREsp n. 784.102/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 24/5/2016, DJe de 6/6/2016). Feitas essas ponderações iniciais, transcrevo o seguinte excerto da decisão de pronúncia (e-STJ fls. 25/30):

No mérito, sabe-se que a decisão de pronúncia, até mesmo por exigência legal (art. 413, §1º, do CPP), deve ser redigida de forma sutil, sob pena de incorrer em nulidade por excesso de linguagem. Atento a isso, passo a examinar as provas colhidas nos autos. Quanto a materialidade do crime, se faz incontroversa pelos laudos periciais de fls. 64/65 e 67/78. Quanto a autoria do crime, vejamos o conteúdo da prova colhida em juízo, verbis: “(…) Que teve pouca participação nas investigações; que de início, procuram os endereços dos denunciados; que de acordo com depoimentos, descobriram que os denunciados tinham “problemas” com a Brenda; que posteriormente, cumpriu o Mandado de Busca e Apreensão na casa do Márcio; que depois, foi junto de Júnior, motorista de aplicativo que levou o Ruan em data pretérita ao crime, exatamente ao local que o corpo da vítima foi encontrado; que este local teria aproximadamente 02 (dois) quilômetros de Guarapuama; que ficou constatado que Márcio habilitou o celular após o crime; que confirma os relatórios existentes nos autos do processo. (Depoimento judicial da testemunha PC Luiz Henrique, fls. 370-mídia). “(…) Que participou de algumas fases das investigações; que efetivamente sua participação foi fazer levantamentos dos endereços dos supostos autores e reconstituir o local que, segundo a testemunha Júnior, teria levado Ruan ao local em que a vítima foi encontrada; que de acordo com parentes, foram Ruan e Márcio os autores do crime; que Brenda estava sendo ameaçada por eles; que segundo familiares, Brenda fazia parte de uma facção rival de outro bairro; que vendia drogas; que Márcio era o gerente do tráfico no bairro Bela Vista em Ibiraçu; que Ruan e Márcio eram amigos de infância e traficavam juntos; que os dois denunciados, mas principalmente Márcio, eram muito temidos na região; que as pessoas tinham medo de falar sobre os denunciados; que o corpo foi encontrado em uma Zona Rural pertencente a cidade de Santa Rosa; que o local fica muito distante da casa da vítima, cerca de 20 (vinte) quilômetros; que a própria Brenda havia dito a familiares que estaria sendo ameaçada pelos denunciados, dias antes do crime; que disse ainda, que estava tendo problemas de relacionamento no bairro, pois os denunciados acreditavam que ela passaria informações do tráfico aos policiais; que posteriormente, um dos acusados foi preso, motivo no qual acreditaram ser por culpa de Brenda, por ser delatora; que a família disse, que Brenda estava sendo acusada de ter “um caso” com Ruan; que nas diligências na casa do Márcio foi encontrado um revólver .38 na residência; que Márcio tem apelido de “Coroa” ou “Miau”; que a vítima tinha um relacionamento homoafetivo com Júlia Ferraz; que o motivo da desavença entre Márcio e Júlia seria porque a vítima teria brigado com a filha do denunciado; que Márcio proibiu a vítima de frequentar o bairro; que Rônilson era próximo de Márcio e Ruan; que eram da mesma facção criminosa; que Ruan forçou a vítima a desbloquear o celular, mas Ruan nega.(Depoimento judicial da testemunha PC Luiz Fernando Rangel, fls. 370-mídia). “(…) Que se recorda de uma apreensão feito a Júlia Ferraz vulgo “Julhinha”; que ela era menor de idade e estava grávida; que ela tinha um relacionamento com o “Paulista”; que desde a época, Júlia e Brenda, andavam juntas; que estava de serviço quando recebeu um telefonema anônimo, dizendo que um foragido da polícia chamado “Rôninho” estava no Edição nº 56 - Brasília, Disponibilização: quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025 Publicação: sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025 Documento eletrônico VDA45503663 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Assinado em: 07/02/2025 19:11:52 Publicação no DJEN/CNJ de 14/02/2025. Código de Controle do Documento: eb704c7c-517d-4472-89e6-8dfe0aabf930 bairro próximo a casa abandonada; que após informações, os policiais se deslocaram ao endereço e efetuaram a prisão dele; que depois de prenderem o foragido avistaram Brenda olhando de longe para o fato ocorrido; que depois receberam a informação de que integrantes do tráfico teriam tomado o celular dela para descobrirem se ela passava informações do tráfico aos policiais; que testemunhas disseram que os criminosos pediram para Brenda desbloquear o celular e a mesma recusou; que Rônilson era da mesma facção de Márcio e Ruan; que Ruan ligou para Rônilson, informando que a polícia estava no local; que Márcio era gerente no bairro Bela Vista; que Ruan vendia entorpecentes e depois pegou gerencia de alguma das drogas; que Brenda teve “um caso” com Ruan; que soube que Ruan estaria tendo caso com Brenda e Júlia; que moradores confidenciaram que Ruan e Márcio quem seriam os autores do crime; que a motivação seria a prisão de “Roninho” e, por vingança, a mataram; que houve um período que Brenda vendeu drogas no Mutirão; que ela era usuária de drogas. (Depoimento judicial da testemunha PM Josiockle Zaganelli, fls. 370-mídia). “(…) Que era motorista de aplicativo; que conhecia a Brenda somente de vista; que já a viu na boca de fumo; que já viu Brenda com Julhinha; que já ouviu falar que as duas traficavam no Mutirão; que conhece ao acusado Márcio só de vista; que já fez várias corridas para Ruan e que o destino era sempre o motel; que fez uma corrida para próximo de Pedro Palácio para Ruan; que não conhece a vida de Ruan; que Ruan só pediu a corrida e o deixou em uma roça de café; que era próximo a um “barraquinho”; que não sabe o que Ruan foi fazer lá; que de acordo com boatos, Ruan era envolvido com o tráfico de drogas no bairro Bela Vista em Ibiraçu; que após 10 (dez) dias, recebeu um vídeo do corpo da vítima; que não sabe dizer se era no mesmo local que deixou Ruan; que não sabe quem matou a Brenda. (Depoimento judicial da testemunha José Antônio Junior, fls. 370-mídia). “(…) Que a depoente relatou em juízo, que Ruan tem um filho com sua sobrinha; que o “Coroa” ameaçou a Brenda na porta de sua casa uma semana antes de seu assassinato; que ele chamou seu filho Bruno para falar “que não queria Júlia junto de Brenda, senão ele mataria a Brenda”; que Júlia era amiga de Brenda; que após a morte de Brenda, soube que Júlia mantinha um relacionamento homoafetivo com a vítima; que não sabia que Brenda gostava de meninas; que Júlia namorou algum integrante da facção do morro; que Júlia saiu fugida do morro Pombal e foi residir na casa de Bruna; que não consentiu com a ida de Júlia para sua casa; que as duas se conheciam há 02 (dois) meses; que após Bruna falecer, soube que ela e Júlia eram envolvidas com o tráfico de drogas e que Bruna conversava com policiais; que Márcio, o “Coroa”, de acordo com boatos, vendia drogas e que na casa dele, nos fundos, era a “boca de fumo”; que Ruan era da mesma facção criminosa de Márcio; que Ruan tomou o celular da mão de Júlia e deu um tapa em seu rosto; que a filha do “Coroa” bateu em Brenda; que no dia dos fatos os denunciados bateram muito na vítima; que Ruan disse que viu mensagem de Bruna com um policial; que Márcio pegou a Júlia pelos cabelos e a expulsou do bairro; que Júlia disse “que entregaria todos à polícia”; que Brenda defendia a Júlia; que Márcio era muito temido na região; que no mesmo dia que Rônilson foi preso, mataram Brenda; que em uma sexta-feira encontrou o corpo de Brenda; que uma amiga tinha ligado para Brenda para ir até a casa dela; que foi armação e “pegaram” Brenda; que eles matariam as duas, mas Júlia viajou no dia; que soube que um Uber os levou para o local do assassinato; que eram 04 (quatro) homens; que cortaram a orelha, dedo, rasparam o cabelo e puseram fogo na vítima; que a espancaram e a judiaram muito antes dos disparos; que os autores seriam Ruan e Márcio e outros dois homens que não se recorda dos nomes; que Brenda era uma ótima filha; que ela era dócil; que sua vida acabou após a morte da filha; que sempre chora de saudade; que deseja ter sido morta no lugar de Brenda; que foi morta de forma muito cruel; que visualizou o corpo de Brenda no local; que toda a população afirma que foram os denunciados os autores do homicídio; que após matar a Brenda o “Coroa” foi até a residência da vítima para ajudar procurar a Brenda; que um fake do Facebook, enviou informações para Bruno de fotos e de quem teria matado a Brenda; que tem certeza que Ruan e Márcio estão envolvidos na morte de Brenda. (Depoimento judicial da testemunha Luciene de Lima Alves, fls. 457-link). “(…) Que Brenda e Júlia se conheciam há dois anos; que tinham um Edição nº 56 - Brasília, Disponibilização: quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025 Publicação: sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025 Documento eletrônico VDA45503663 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Assinado em: 07/02/2025 19:11:52 Publicação no DJEN/CNJ de 14/02/2025. Código de Controle do Documento: eb704c7c-517d-4472-89e6-8dfe0aabf930 relacionamento amoroso de 04 (quatro) meses; que Brenda defendia muito a Júlia; que ambas eram envolvidas com o tráfico de drogas; que soube disso após Brenda ser assassinada; que Márcio era quem gerenciava o tráfico de drogas e sempre o via na região; que Brenda e Júlia faziam concorrência com Márcio na venda dos entorpecentes; que Rônilson vendia drogas com Márcio; que a população tem medo dos denunciados; que soube da morte de sua irmã, porque viu um vídeo na internet; que soube do ocorrido após 05 (cinco) dias; que Márcio comandava de dentro da cadeia; que o corpo estava perto de um riacho; que Júlia havia sido agredida pelos denunciados, que Márcio o chamou e disse “que se Brenda aceitasse a Júlia em sua casa, a mataria em qualquer lugar”; que o motivo do assassinato seria porque Brenda, estava passando informações a polícia; que cortaram os dedos da vítima; que Brenda havia entregado Rôninho a polícia; que Rôninho era um dos que gerenciava o tráfico; que no mesmo dia que Rôninho foi preso Brenda sumiu; que no dia da morte, a Brenda foi conduzida até a casa de Rose, mulher de “Bicudo”, logo foi pega por Márcio; que Brenda foi espancada na casa da Rose; que Ruan, Riquelme, Márcio e o quarto integrante de nome desconhecido, foram quem espancaram a vítima; que da casa de Rose até o local que o corpo foi encontrado é longe; que os criminosos pediram Uber para poder levar Brenda até o local; que os quatro criminosos foram ao local da execução; que após matarem a Brenda, Márcio se dirigiu até a casa da família perguntando se estava tudo bem; que colocaram o cabelo da vítima e puseram fogo; que cortaram o dedo dela com o serrote; que Brenda não teve como se defender dos acusados; que os populares disseram, que Márcio estaria envolvido no crime; que Ruan, inclusive, queria fazer alguma coisa com seu irmão; que Pablo Monfardini confessou para a genitora da vítima que teria assassinado a Brenda; que ao todo, são 06 (seis) pessoas envolvidas na morte de Brenda sendo Ruan, Márcio, Pablo, Riquelme, Rose e o marido da Rose, vulgo “Bicudo”; que Rose e seu marido participaram para atrair a vítima e o restante dos integrantes na execução; que Brenda foi morta em Santa Rosa; que Pablo confessou o crime e disse que Ruan, Márcio e Riquelme estavam com ele; que moradores reafirmam oque foi dito por Pablo. (Depoimento judicial da testemunha Bruno Alves Rodrigues, fls. 457-link). “(…) Que o interrogando nega ter assassinado a vítima Brenda; que não tem nenhum envolvimento no crime; que apenas visualizou Brenda na região algumas vezes; que trabalhava fixado e não tinha motivo para assassinar a Brenda; que tem o apelido de “Márcio Miau”; que conhece a Ruan desde pequeno; que não sabe dizer quem matou a vítima; que está preso há nove meses; que já foi preso por tráfico de drogas; que após ser solto, não quis mais se envolver com o tráfico; que trabalhava na colheita de café; que procurou a Bruno para dizer “que era pra Brenda evitar de andar com Júlia”, pois, Júlia não tinha um bom comportamento; que Júlia havia brigado com sua filha; que não soube que Ruan tomou o celular de Júlia; que conhece Rôninho; que soube que Rôninho foi preso porque estava foragido; que não sabe dizer se Brenda e Júlia mantinham relacionamento; que nunca agrediu a Júlia; que foi encontrado um revólver em sua casa de calibre .38; que comprou a arma porque como já havia sido preso, teve medo, e por isso adquiriu o revólver; que não proibiu Júlia de frequentar o bairro; que não era gerente do tráfico no bairro Bela Vista; que não sabia que Brenda estava sendo ameaçada; que trabalhava até 18h30min; que só soube que Brenda ficou desaparecida; que no dia do desaparecimento, estava trabalhando; que em um dia que foi ao dentista, e não compareceu ao trabalho, que soube que Brenda havia desaparecido; que soube que o corpo da vítima foi encontrado pelo Facebook; que não sabia que Brenda tinha envolvimento com o tráfico de drogas; que depois de preso, soube que Brenda era envolvida com o tráfico por outros presos; que soube que Júlia era envolvida com o tráfico; que por isso procurou a Bruno para dar conselho a Brenda; que não sabe o dia exato que Brenda foi assassinada. (Interrogatório judicial do acusado Márcio Antônio da Silva, fls. 473). (…) Que o interrogando nega estar envolvido no assassinato da vítima Brenda; que conhece a Márcio; que são amigos; que conhecia Brenda de vista; que não sabe o dia que mataram a Brenda; que no dia do crime, provavelmente, estava em casa; que não tem apelido; que possui várias passagens criminais; que não andou com motorista de aplicativo; que é usuário de drogas; que o motorista de aplicativo, sempre era chamado para poder levá-lo no Motel para usar drogas; que trabalhava como mecânico; que Rôninho é seu ex-cunhado; que não tem envolvimento com o tráfico de drogas, apenas é usuário. Que não sabia que Bruno e Brenda eram irmãos; que não sabe dizer se Brenda estava sendo ameaçada; que estava a pouco tempo na região; que veio de Minas Gerais; que de acordo com boatos, Brenda devia a traficantes.(Interrogatório judicial do acusado Ruan Carlos Barcelos da Silva, fls. 473). Portanto, em que pese a negativa de autoria dos acusados, os elementos informativos colhidos na fase inquisitória às fls. 10/11, 15/17, 28/30, 42/44, 47/49, 59/63, 82/95, 139/141, 142/143, 192/194, 204/205, 211/213, 215/216, 219/221, 224/225, 227/230, 235/236, 238/239 e 240/254 foram devidamente corroborados pelas provas colhidas à luz do contraditório judicial às fls. 368/370, 455/457 e 470/473, restando demonstrados os indícios de autoria da infração penal narrada na exordial acusatória.

Na sequência, a Corte de origem manteve a decisão de pronúncia (e-STJ fls. 9/10):

Em sede judicial (folha 473), ambos os acusados negaram a autoria do crime, entretanto, as testemunhas forneceram informações que corroboram para a confirmação dos fatos descritos na denúncia. O PC Luiz Henrique, em sede judicial (mídia anexa aos autos digitais - folha 370), afirmou o seguinte: [...] que de acordo com depoimentos, descobriram que os denunciados tinham “problemas” com a Brenda [...] Ademais, o PC Luiz Fernando Rangel, também em juízo (mídia anexa aos autos digitais - folha 370), afirmou: [...] que efetivamente sua participação foi fazer levantamentos dos endereços dos supostos autores e reconstruir o local que, segundo a testemunha Júnior, teria levado Ruan ao local em que a vítima foi encontrada; que de acordo com parentes, foram Ruan e Márcio os autores do crime; que Brenda fazia parte de uma facção rival de outro bairro; que vendia drogas; que Márcio era o gerente do tráfico no bairro Bela Vista em Ibiraçu; que Ruan e Márcio eram amigos de infância e traficavam juntos [...] que a própria Brenda havia dito a familiares que estaria sendo ameaçada pelos denunciados, dias antes do crime; que disse ainda, que estava tendo problemas de relacionamento no bairro, pois os denunciados acreditavam que ela passaria informações do tráfico aos policiais; que posteriormente, um dos acusados foi preso, motivo no qual acreditaram ser por culpa de Brenda, por ser delatora [...] Ainda, o PM Josiockle Zaganelli, em juízo (mídia anexa aos autos digitais - folha 370), afirmou o seguinte: [...] que moradores confidenciaram que Ruan e Márcio quem seriam os autores do crime; que a motivação seria a prisão de “Roninho” e, por vingança, a mataram [...] Por fim, a testemunha Luciene de Lima Alves, em sede judicial (mídia anexa aos autos digitais - folha 457) afirmou que tem certeza que Ruan e Márcio estão envolvidos na morte de Brenda. Assim, nos termos do que prevê o artigo 413, do Código de Processo Penal, "o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação". Ou seja, evidenciada a materialidade e a fundada suspeita da autoria – frisese, não se mostra necessária, neste momento, a certeza – o réu deverá ser pronunciado; e ambos os requisitos encontram-se satisfatoriamente preenchidos diante do boletim unificado (folhas 06/08), laudo de exame cadavérico (folhas 61/62), laudo pericial do local do crime (folhas 64/75), além depoimentos colhidos nas esferas inquisitorial e judicial.

Destaco, de início, que a decisão de pronúncia, mantida pela Corte de origem, embora tenha transcrito a prova testemunhal produzida ao longo da persecução penal, não realizou o cotejo do que foi apurado. 

Ou seja, não foram indicados quais dos depoimentos demonstrariam a existência de indícios de autoria, o que é imprescindível, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. Portanto, a fundamentação é deficiente. Ademais, a leitura dos excertos acima transcritos revela que a prova testemunhal reunida não aponta a existência de indícios de autoria suficientes em relação ao paciente.

 Além de não ter havido testemunha presencial, em juízo, o réu negou a acusação. No mais, há apenas testemunhos de ouvir dizer, ou seja, indiretos, cujo valor probatório já foi qualificado por esta Corte como insuficiente para a prolação de um juízo positivo de pronúncia

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS INDIRETOS. INAPLICABILIDADE DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A Constituição Federal consagra, como consectário da presunção de inocência (art. 5º, LVII) o in dubio pro reo. Há de se reconhecer que o in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias, ainda que o standard exigido para a pronúncia seja menos rigoroso do que aquele para a condenação. 2. Se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (art. 5º, LVII, CF), convencionais (art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro. 2. É entendimento desta Corte que "o testemunho de 'ouvir dizer' ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a pronúncia, não podendo esta, também, encontrar-se baseada exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP". Precedentes. 3. O lastro probatório que embasou a pronúncia consiste, exclusivamente, em testemunhos indiretos por ouvir dizer. As instâncias ordinárias fazem notória e exclusiva referência a declarações e testemunhos prestados por pessoas que não presenciaram o fato para embasar a pronúncia do recorrente. A única testemunha direta da dinâmica delituosa, afirmou "ter presenciado a hora que várias pessoas chegaram e arrebataram a vítima, que dentre as pessoas que arrebataram a vítima reconheceu L que inclusive atirou". Ou seja, o recorrente não foi identificado como autor ou partícipe do fato, havendo, sim, o reconhecimento de pessoa diversa. 4. Recurso provido para despronunciar o recorrente. (RHC n. 172.039/CE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 23/5/2024, grifei.)

Advirta-se, ainda, que, segundo a orientação firmada no âmbito desta Corte, não se admite que a decisão de pronúncia se apoie exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial, sendo necessária a produção de provas em juízo sob o crivo do contraditório. Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA BASEADA EM PROVAS DA FASE INQUISITORIAL E TESTEMUNHOS DE OUVIR DIZER. OFENSA AO ART. 155 DO CPP. ALEGADA PRESENÇA DE PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior possui entendimento de que a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, sem que estes tenham sido confirmados em juízo, bem como em testemunhos de ouvir dizer (hearsay testemony). 2. No caso em questão, a decisão está embasada apenas nas provas da fase inquisitorial, não confirmadas em juízo e em testemunhos, ainda, que judiciais, indiretos, prestados pelos policiais civis que investigaram o ocorrido. 3. Quanto à alegada prova pericial obtida de imagens que se refere o acórdão atacado, que a teor do art. 155 do CPP poderia fundamentar a decisão de pronúncia, infere-se da análise dos autos que se trata de vídeo que capturou a vítima se arrastando e se debatendo em razão das queimaduras, porém, não traz indícios de autoria dos ora agravados. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 864.229/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024.) 

Ante o exposto, concedo a ordem para despronunciar o paciente. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 07 de fevereiro de 2025. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Relator

(STJ -  HABEAS CORPUS Nº 970446 - ES (2024/0483626-9) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO,  Publicação no DJEN/CNJ de 14/02/2025.)

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