STJ Fev25 - Absolvição - Colaboração para O Tráfico - Art. 386, III do CPP - Atipicidade da Conduta Por Falta de Elementares do TIPO :"colaborou com um único traficante, e não com um grupo, organização ou associação, conforme exigido pelo tipo penal do artigo 37 da Lei de Drogas"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de CAUA FXXXX, apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA, em decorrência do julgamento da apelação criminal n. 5017851-24.2022.8.24.0075.
Consta nos autos que o paciente foi inicialmente condenado pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão, na ação penal n. 5017851-24.2022.8.24.0075, ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade pelo prazo da pena, e outra de prestação pecuniária, além do pagamento de 350 (trezentos e cinquenta) dias-multa, por infração ao disposto no artigo 37 c/c o artigo 40, VI, da Lei 11.343/06 (fls. 336-341).
A defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que negou provimento ao recurso (fls. 435-444). Na presente impetração, alega-se que a condenação é ilegal, pois a conduta do paciente é formalmente atípica, uma vez que colaborou com um único traficante, o adolescente H. P. de A., e não com um grupo, organização ou associação, conforme exigido pelo tipo penal. Sustenta-se que a subsunção ao artigo 37 da Lei de Drogas caracteriza analogia in malam partem, resultando em pena mais severa do que a prevista para o crime de participação em tráfico de drogas privilegiado, conforme o artigo 33, § 4.º, c/c artigo 29, § 1.º, do Código Penal.
Afirma-se que o paciente é primário, sem antecedentes, não se dedica a atividades criminosas, não integra organizações criminosas e a quantidade de droga apreendida é ínfima, o que justificaria a desclassificação para o crime de participação em tráfico de drogas privilegiado.
Requer, ao final, a concessão da ordem para reconhecer a atipicidade formal da conduta, com a consequente absolvição ou, subsidiariamente, para reclassificar a conduta para participação em tráfico de drogas privilegiado, com a redução da pena.
O Ministério Público Federal opinou pela denegação (fls. 475-476). É o relatório. DECIDO.
A controvérsia nos autos refere-se a uma possível ilegalidade flagrante, consubstanciada na negativa ao reconhecimento da atipicidade formal da conduta e pela negativa à reclassificação da conduta.
A presente impetração investe contra acórdão, funcionando como substituto do recurso próprio, motivo pelo qual não deve ser conhecida. A 3ª Seção, no âmbito do HC 535.063-SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/06/2020, e o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg no HC 180.365, de relatoria da Ministra Rosa Weber, julgado em 27/03/2020, consolidaram a orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo ao recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Tendo em vista a possibilidade de concessão da ordem ofício, em observância ao disposto no §2º do artigo 654 do Código de Processo Penal, transcrevo, para melhor análise, os fundamentos empregados na decisão colegiada impugnada (fls. 435-444):
[...] Na mesma linha, o Agente Público Raul da Silva Machado relatou que o residencial Parque das Torres é o ponto de drogas mais crítico de Tubarão, com funções bem estabelecidas para o tráfico. Asseverou que, na data dos fatos, a guarnição identificou Cauã como olheiro, que ele gritou "chuva" ao ver a polícia e empreendeu fuga. Acrescentou que os policiais se ocultaram no residencial e conseguiram flagrar a venda de drogas realizada pelo adolescente H. P., e que Cauã direcionava os usuários para a compra de drogas. Registre-se serem plenamente válidos os depoimentos dos Agentes Públicos, porquanto não apresentam incongruências e estão em consonância com todo o acervo probatório colhido nos autos. Aliás, não se diga que os testemunhos dos Policiais responsáveis pelas diligências não podem sustentar um decreto condenatório, porquanto tais depoimentos, quando apresentados sob o crivo do contraditório, sem qualquer suspeita, possuem presunção de veracidade e podem amparar a Sentença Condenatória. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça vem reiteradamente decidindo que "são válidos os depoimentos dos policiais em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contraditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em que ocorreu o delito" (AgRg no AR Esp n. 2.295.406/TO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/4/2023, D Je de 24/4/2023). Não há dúvidas, portanto, de que o acusado colaborou com a narcotraficância que estava sendo exercida pelo adolescente H. P., ao avisá-lo sobre a aproximação dos Policiais gritando a palavra "chuva". Convém, recordar, ainda, que, embora o tipo penal do art. 37 da Lei 11.343/06 faça expressa referência a grupo, organização ou associação, a doutrina e jurisprudência recomendam, que o tipo penal contemple, também, o informante que colabore eventualmente com um único traficante, por meio da analogia in bonam partem, pois, caso contrário, ele deveria responder como partícipe do crime de tráfico de drogas, nos termos do art. 29, do Código Penal. (Nesse sentido: Apelação Criminal n. 5000318-82.2020.8.24.0023, rel. Alexandre Morais da Rosa, rel. designado (a) Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 27-06-2023). Ainda, o Laudo Pericial acostado no Evento 10 do feito originário confirma que foram apreendidos 12 comprimidos de MDA na posse do adolescente H. P.. Além dos entorpecentes sintéticos, de acordo com o Auto de Constatação, foram apreendidas 0,7 gramas de substância semelhante à cocaína, fracionada em 10 (dez) porções, 16,5 gramas de substância semelhante à maconha, fracionada em 7 (sete) porções (Auto de Exibição e Apreensão – evento 1, P_FLAGRANTE1, fl. 10). Destaca-se, por fim, que o fato de eventuais filmagens realizadas na data dos fatos não terem sido acostadas ao feito não possui o condão de afastar a responsabilidade criminal do réu, mormente porque, no presente caso, os depoimentos dos Agentes Públicos são suficientes para comprovar a prática delituosa pelo Apelante. Além disso, observa-se que a Defesa não apresentou qualquer elemento capaz de derruir a versão uníssona dos Policiais, de modo que não há qualquer razão para desconsiderá-la. [...]
O delito previsto no artigo 37 da Lei 11.343/2006 tipifica a conduta de colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de crimes relacionados ao tráfico de drogas, prevendo pena de reclusão de 2 a 6 anos e multa.
Da análise do acórdão impugnado, verifico que as instâncias originárias concluíram que o paciente colaborou com um único traficante, o adolescente H. P.. O conjunto fático-probatório delineado pela instância originária indica que o paciente foi preso em flagrante, no ponto de drogas mais crítico de Tubarão, ocasião em que atuava como colaborador de um único traficante, o adolescente H. P., que fazia a venda dos entorpecentes e era avisado pelo paciente da chegada da polícia no local.
Diante da ausência de qualquer evidência concreta de que a colaboração do paciente era destinada a grupo, organização ou associação destinados à prática de crimes relacionados ao tráfico de drogas, tenho que a Corte de origem empregou analogia in malam partem, estendendo o alcance da norma penal em prejuízo do réu, o que é vedado pelo artigo 1º do Código Penal. Nesse mesmo sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DO ART. 37 DA LEI N. 11 .343/2006. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO, ORGANIZAÇÃO OU ASSOCIAÇÃO. INDICÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO . 1. Para caracterização do crime previsto no art. 37 da Lei n. 11 .343/2006 é necessária a comprovação da existência de grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei n. 11.343/2006 . 2. No caso, o Tribunal local, soberano na análise do conjunto fático-probatório, concluiu que não há comprovação nos autos da existência de um grupo, organização ou associação destinada ao tráfico, razão pela qual absolveu o réu da imputação de colaboração para o tráfico. 3. Rever os fundamentos utilizados pela Corte a quo, para concluir PELA existência de grupo, organização ou associação a fim de caracterizar o delito do art . 37 da Lei n. 11.343/2006, como requer o Ministério Público, demandaria, necessariamente, o revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, providência incabível em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ.4 . Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 2555903-MG, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 18/06/2024, QUINTA TURMA, DJ-e 21/06/2024)
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, em favor de CAUA FERREIRA DE JESUS para absolvê-lo com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Comunique-se com urgência à autoridade coatora e ao juízo de primeiro grau. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10
👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal
👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv
Comentários
Postar um comentário