STJ Fev25 - Dosimetria Irregular - Tentativa Branca Homicídio:(i) Redução tem que ser de 2/3 do Art.14, P.U. do CP - (ii) Vetorial da personalidade Afastado por fundamentar em condenações por fatos posteriores

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de TXXXXXXXX, no qual se indica como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, prolator de acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 21):

 APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. Tentativa de homicídio qualificado contra agentes de segurança pública. Condenação pelo Conselho de Sentença. Provas exuberantes que fundamentaram a Decisão dos Jurados. Soberania dos Vereditos. RECURSO DEFENSIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL. 

Em suas razões, a parte impetrante alega, em síntese, a ocorrência de constrangimento ilegal sob três fundamentos principais: (i) a decisão do Tribunal do Júri seria manifestamente contrária à prova dos autos, tendo a condenação se baseado exclusivamente nos depoimentos dos policiais militares, supostas vítimas dos crimes; (ii) ilegalidade na valoração negativa da personalidade do paciente com base em condenações transitadas em julgado por fatos posteriores; e (iii) equívoco na aplicação da fração intermediária de 1/2 pela tentativa, quando deveria ter sido aplicada a redução máxima de 2/3, por se tratar de tentativa branca ou incruenta. Informações prestadas às fls. 115-117 e fls. 118-123 (e-STJ). 

Ouvido, o Ministério Público Federal se manifestou pelo não conhecimento do habeas corpus e, em caso de conhecimento, pela concessão parcial da ordem apenas para afastar a valoração da personalidade do paciente (e-STJ, fls. 92-96). 

É o relatório. Decido. 

Esta Corte – HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 – e o Supremo Tribunal Federal – AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 – pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

 Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus de ofício. 

No tocante à alegação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, cumpre destacar inicialmente que a jurisprudência desta Corte tem reiteradamente assentado que o reexame aprofundado do conjunto probatório não se coaduna com a via estreita do habeas corpus.

 No caso, a defesa sustenta que a decisão condenatória seria inverossímil por se basear apenas nos depoimentos dos policiais e por considerar improvável que o paciente, portando fuzil e posicionado a apenas cinco metros das vítimas, não tivesse conseguido atingi-las. 

Verifica-se, contudo, que o Tribunal de origem, ao analisar o recurso de apelação, apreciou detidamente as provas produzidas, concluindo pela existência de suporte probatório suficiente para a conclusão adotada pelo Conselho de Sentença.

 Consta do acórdão impugnado a narrativa coerente das testemunhas que presenciaram os fatos, confirmando que o paciente efetuou disparos de fuzil contra a guarnição policial a curta distância, circunstância que apenas por contingências alheias à sua vontade não resultou em lesões efetivas às vítimas.

 É cediço que a competência constitucional do Tribunal do Júri consagra a soberania dos veredictos como princípio fundamental, cabendo ao Tribunal togado, em sede de apelação, analisar apenas se a decisão encontra mínimo respaldo na prova dos autos, não podendo substituir o juízo de mérito realizado pelos jurados. 

A cassação do veredicto por manifesta contrariedade à prova dos autos somente é possível quando a decisão for absolutamente dissociada do acervo probatório, hipótese não verificada na espécie. 

A alegação defensiva de que seria inverossímil um atirador, a curta distância e portando fuzil, não conseguir atingir os alvos, não tem o condão de afastar a legitimidade da conclusão dos jurados, que se basearam em depoimentos consistentes prestados pelas vítimas, as quais relataram terem se abrigado rapidamente após os primeiros disparos.

 O argumento de que "os tiros pegaram na proximidade" corrobora, inclusive, a tentativa de homicídio reconhecida pelo júri. A jurisprudência desta Corte Superior admite o valor probatório dos depoimentos prestados por policiais, especialmente quando corroborados por outros elementos e prestados sob o crivo do contraditório.

 No caso, o próprio paciente admitiu estar no local, armado e exercendo função no tráfico de drogas, conforme relatado no acórdão, divergindo apenas quanto à dinâmica dos disparos – versão que não foi acolhida pelo Conselho de Sentença.

 Quanto à ausência de perícia no local, tal circunstância, por si só, não invalida a conclusão dos jurados quando existentes outros elementos probatórios aptos a formar seu convencimento, como ocorre na hipótese vertente. A materialidade delitiva foi demonstrada pelo registro de ocorrência, termos de declaração, autos de reconhecimento e demais elementos probatórios mencionados no acórdão. 

No que concerne à valoração negativa da personalidade do agente com base em condenações por fatos posteriores, observo que assiste razão à defesa. Com efeito, consolidou-se nesta Corte o entendimento de que condenações transitadas em julgado por fatos posteriores àquele objeto de julgamento não podem ser consideradas para valoração desfavorável da personalidade ou da conduta social do agente, sob pena de violação ao princípio da presunção de não culpabilidade. 

Na hipótese dos autos, constata-se que o Tribunal de origem manteve a valoração negativa da personalidade do paciente com fundamento nas anotações n. 06 e 07 da FAC, que se referem a condenações por fatos posteriores ao delito em apuração. 

Tal fundamentação não se coaduna com a jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal, configurando constrangimento ilegal a ser sanado. 

Por fim, quanto à fração de redução pela tentativa, a impetrante alega que, por se tratar de tentativa branca ou incruenta, deveria ser aplicada a fração máxima de 2/3 prevista no art. 14, parágrafo único, do Código Penal.

 A jurisprudência desta Corte tem reiteradamente decidido que, nos crimes de homicídio, a tentativa branca ou incruenta – quando não há lesões à vítima – enseja a aplicação da redução da pena no patamar máximo.

 Nesse sentido: 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO TENTADO. DOSIMETRIA . TERCEIRA FASE. QUANTUM DE REDUÇÃO DA PENA. CRITÉRIO DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO. TENTATIVA BRANCA OU INCRUENTA CONFIGURADA . APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 2/3. AGRAVO DESPROVIDO. 1. No que tange ao art . 14, II, do CP, pode-se afirmar que, quanto mais perto o agente chegar da consumação da infração penal intentada, menor será o percentual de redução; ao contrário, quanto mais distante o resultado pretendido pelo agente, maior será a diminuição da pena. 2. É incontroverso nos autos que a hipótese é de tentativa branca, já que, conforme consignado pelas instâncias ordinárias, o réu não conseguiu ferir a vítima com o disparo de arma de fogo efetuado. Não há dúvida, portanto, que o bem jurídico (vida), nesse caso, embora tenha sofrido ameaça, não foi efetivamente alcançado pela conduta delituosa . Em situações de tentativa branca, esta Corte Superior tem aplicado a fração de 2/3 (dois terços), que é a máxima prevista no dispositivo de regência. 3. Não tendo as instâncias ordinárias fundamentado de forma concreta e idônea a redução da pena na fração mínima, constatando-se tratar-se de tentativa branca ou incruenta, cabível é a redução da pena na fração máxima de 2/3. 4 . Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 678017 PB 2021/0207710-1, Data de Julgamento: 07/06/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/06/2022, grifou-se) AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO TENTADO. APLICAÇÃO DA PENA. TERCEIRA FASE . TENTATIVA BRANCA. REDUÇÃO DA PENA NA FRAÇÃO MÁXIMA. POSSIBILIDADE. 1 . De acordo com reiterados precedentes desta Corte, nas hipóteses dos crimes de latrocínio e homicídio em que não há lesão à vítima (tentativa branca ou incruenta), a fração de redução da pena deve ser aplicada no máximo legal de 2/3 (dois terços), considerado o iter criminis percorrido. 2. Na hipótese, em que pesem os disparos de arma de fogo, não houve lesões às vítimas, de modo que a respectiva redução deve ser aplicada no máximo legalmente previsto, isto é, na fração de 2/3 (dois terços). Precedentes . 3. Agravo regimental provido a fim de fixar o percentual máximo de redução pela tentativa, redimensionando a reprimenda do agravante para 6 anos e 8 meses de reclusão, e pagamento de 3 dias-multa. Estendidos os efeitos deste decisum ao corréu João Carlos de Souza Costa. (STJ - AgRg no HC: 734316 SP 2022/0100680-7, Data de Julgamento: 09/08/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/08/2022)

 No caso em apreço, o acórdão impugnado reconheceu expressamente que não houve lesões às vítimas, tendo os tiros "pegado na proximidade" (e-STJ, fl. 31). Apesar disso, manteve a fração intermediária de 1/2, sem apresentar fundamentação idônea para afastar a aplicação da redução máxima de 2/3, configurando constrangimento ilegal. 

A fração de redução da pena na tentativa deve ser aferida de acordo com o iter criminis percorrido, aplicando-se a redução máxima quando os atos executórios se afastam consideravelmente da consumação, como ocorre nos casos em que a vítima não sofre qualquer lesão. Tendo em vista que o acórdão impugnado admite expressamente que nenhum dos disparos atingiu as vítimas, caracterizando tentativa branca, a aplicação da fração intermediária de 1/2, em vez da máxima de 2/3, configura constrangimento ilegal a ser reparado. Passo, então, à nova dosimetria, com a correção das distorções apontadas.

 Na primeira fase, a pena-base foi fixada em 18 anos de reclusão (e-STJ, fls. 76-82), considerando três circunstâncias judiciais negativas: culpabilidade, antecedentes e personalidade. Afastada a valoração negativa da personalidade, baseada em condenações por fatos posteriores (anotações n. 06 e 07 da FAC), remanesce a avaliação desfavorável da culpabilidade e dos antecedentes (anotação n. 01). 

Assim, considerando que a pena mínima para o homicídio qualificado é de 12 anos e que, para cada uma das três circunstâncias negativas, o juiz sentenciante acresceu aproximadamente 2 anos, a pena-base, após o afastamento de uma dessas circunstâncias, deve ser redimensionada para 16 anos de reclusão.

 Na segunda fase, mantida a incidência da agravante da reincidência (anotação n. 02 da FAC), com aumento de 1/6, a pena intermediária fica estabelecida em 18 anos e 8 meses de reclusão. 

Na terceira fase, aplicando-se a fração máxima de redução de 2/3 pela tentativa branca ou incruenta, conforme a jurisprudência consolidada desta Corte (em substituição à fração de 1/2 fixada originalmente), a pena para cada um dos três crimes fica definida em 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão. 

Em razão do reconhecimento do concurso formal impróprio, as penas dos três crimes devem ser somadas, resultando na pena final de 18 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, considerando a reincidência e a quantidade da pena. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus. Porém, concedo a ordem de ofício tão somente para afastar a valoração negativa da personalidade do agente e fixar a fração máxima (2/3) da causa de diminuição relativa à tentativa branca, redimensionando a pena total de 31 anos e 6 meses, conforme fixado pelo Tribunal de origem, para 18 anos, 8 meses e 20 dias de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. P. I.

Relator

MESSOD AZULAY NETO

(STJ -  HABEAS CORPUS Nº 875178 - RJ (2023/0443943-0) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO,  Publicação no DJEN/CNJ de 25/02/2025)

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