STJ Fev25 - Quebra da Cadeia de Custódia da Prova - Denúncia Baseada Em Prints :"(i) Ausência de Manejo do Celular nos Termos do art. 158-A do CPP
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de XXXXXXXXXXX, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 0054719-71.2024.8.16.0000.
Extrai-se dos autos que os pacientes foram denunciados pela suposta prática dos delitos descritos nos arts. 288, caput, do Código Penal, 38-A e 49 da Lei n. 9.605/1998, a partir de investigações conduzidas nos autos de Inquérito Policial n. 0008781-48.2023.8.16.0013 e de Busca e Apreensão n. 0009009-23.2023.8.16.0013. Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado (fl. 60):
"HABEAS CORPUS. DENÚNCIA PELOS DELITOS PREVISTOS NO ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL E ARTIGOS 38-A E 49 DA LEI 9.605/1998. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL AO ARGUMENTO DE NULIDADE DE DADOS OBTIDOS EM APARELHO Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d CELULAR, DE VIOLAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA E DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELA NÃO DISPONIBILIZAÇÃO DE ESPELHAMENTO INTEGRAL DOS DADOS EXTRAÍDOS DO APARELHO. NÃO ACOLHIMENTO. MEDIDA EXCEPCIONAL, ADMITIDA SOMENTE QUANDO EVIDENCIADA ABSOLUTA AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA OU MATERIALIDADE, ATIPICIDADE DA CONDUTA OU CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. DECISÃO EM FASE INVESTIGATIVA QUE DEFERIU PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO, EXPRESSAMENTE AUTORIZANDO ACESSO PELA AUTORIDADE POLICIAL AO CONTEÚDO DE APARELHOS CELULARES APREENDIDOS. REGULARIDADE NA FORMAÇÃO DOS ELEMENTOS DE PROVA DURANTE A INVESTIGAÇÃO E QUE DE SUA VEZ EMBASAM A DENÚNCIA, REVESTINDO-A DE APTIDÃO E JUSTA CAUSA, ESSA DEMONSTRADA POR DIVERSOS ELEMENTOS ALÉM DO CONTEÚDO VISUALIZADO EM APARELHO TELEFÔNICO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. TODOS OS ELEMENTOS INFORMATIVOS QUE SUBSIDIARAM A ACUSAÇÃO ESTÃO À DISPOSIÇÃO DA DEFESA. OUTROSSIM, O APARELHO CELULAR FOI ENVIADO PARA ELABORAÇÃO DE LAUDO PERICIAL. HABEAS CORPUS CONHECIDO E ORDEM DENEGADA."
No presente writ, a defesa sustenta que houve violação da cadeia de custódia da prova, uma vez que o celular do corréu Victor Bereza foi manuseado diretamente pela autoridade policial, sem atender a qualquer procedimento de preservação de prova, em violação ao art. 158-A do Código de Processo Penal.
Adiciona que a denúncia é nula, pois se baseou exclusivamente em prints do celular do denunciado Victor Bereza, sendo inadmissíveis no processo penal as provas obtidas de celular quando não forem adotados procedimentos para assegurar a idoneidade e a integridade dos dados extraídos.
No mérito, requer a concessão da ordem para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0008781-48.2023.8.16.0013, em trâmite perante a 10ª Vara Criminal de Curitiba/PR. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento da impetração, conforme parecer de fls. 3.133/3.144. É o relatório. Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício. O Tribunal de origem afastou a aventada nulidade nos seguintes termos (fls. 66/69):
"2. A ordem é de ser denegada. Pretendem os impetrantes o trancamento da ação penal, ao argumento, em síntese, de que houve quebra da cadeia de custódia em razão do manuseio do celular de Victor Bereza pela Autoridade Policial, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, sem observância, ao entender dos impetrantes, dos procedimentos necessários para a preservação da prova. O trancamento/encerramento de ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, admitida somente quando evidenciada absoluta ausência de indício de autoria ou materialidade, atipicidade da conduta ou causa extintiva da punibilidade, o que não ocorre no caso. Analisando-se a decisão que deferiu o pedido de busca e apreensão formulado pelo Ministério Público nos autos 0009009- 23.2023.8.16.0013, é possível constatar que o Juízo autorizou expressamente o acesso aos dados contidos no aparelho celular apreendido, possibilitando a obtenção de eventuais informações relevantes para a elucidação dos fatos investigados: “Quanto ao pedido de acesso e extração de dados dos aparelhos celulares ou equipamentos similares que eventualmente serão apreendidos no cumprimento da ordem judicial, consigno que de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a concessão de ordem para busca e apreensão engloba o acesso ao conteúdo das informações já armazenadas nos bens apreendidos, sendo desnecessária autorização judicial para acesso e utilização dos dados. (...) Nesse contexto, a Autoridade Policial com a busca e apreensão poderá efetivar o acesso dos eventuais aparelhos celulares e objetos similares, e utilizar do conteúdo já armazenado para fins de instruir a investigação" (mov.16). Assim, não é dado concluir que a Autoridade Policial tenha atuado fora dos limites autorizados pelo Juízo, sobretudo porque, após obter acesso ao aparelho celular apreendido, emitiu relatórios com e declarações sobre asprints informações colhidas, ressaltando-se que não houve extração integral, naquele momento, dos dados constantes no aparelho (mov. 24.15-24.92). No dizer da Procuradoria de Justiça: “Consta nos autos do pedido de busca e apreensão (n. 0009009- 23.2023.8.16.0013) a representação pela autoridade policial pela medida em comento. Na oportunidade, o julgador deferiu a busca e apreensão domiciliar para “apreender objetos e documentos necessários à prova de infração e para colher qualquer elemento de convicção, bem como aparelhos celulares, computadores, notebooks e qualquer dispositivo eletrônico em que haja fluxo de dados [...]” (mov. 16.1). Outrossim, autorizou a autoridade policial “[a] efetivar o Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d acesso dos eventuais aparelhos celulares e objetos similares, e utilizar do conteúdo já armazenado para fins de instruir a investigação” (mov. 16.1). Diante disso, ao menos em um juízo de cognição sumária, não se constata, de plano, a nulidade dos dados obtidos no aparelho celular apontada pelos impetrantes, pois presente expressa autorização judicial para o acesso ao seu conteúdo, o que, na linha da jurisprudência da Corte da Cidadania, afasta a mácula reputada pela defesa.” A respeito da tese de cerceamento de defesa, ao argumento de que não foi disponibilizado o espelhamento integral dos dados extraídos do celular, trata-se de tema já enfrentado pelo colegiado no Mandado de Segurança 0094667- 54.2023.8.16.0000 (cujos fundamentos se acrescem como parte das razões de decidir no presente voto), impetrado pela codenunciada Via Ampla OOH Locação de mídia Exterior Ltda., assim ementado: MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE ACESSO À CÓPIA DE ESPELHAMENTO INTEGRAL DE CELULAR APREENDIDO ANTES DA ABERTURA DE PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO, ANTE A NECESSIDADE DE SE AGUARDAR CONFECÇÃO DE LAUDO PERICIAL, QUE PODE SER JUNTADO NO DECORRER DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, DESDE QUE ANTES DA ABERTURA DE PRAZO PARA AS ALEGAÇÕES FINAIS. AUSÊNCIA DE OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA À APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO, PORQUANTO TODOS OS ELEMENTOS INFORMATIVOS QUE SUBSIDIARAM A . ACUSAÇÃO ESTÃO À DISPOSIÇÃO DA DEFESA INEXISTÊNCIA DE ATO ILEGAL OU ABUSO DE DIREITO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPROCEDENTE. Naquele feito, sobre a não disponibilização da integralidade do espelhamento dos dados extraídos do celular apreendido, decidiu-se que “... o que se espera da perícia é apenas atestar a fidedignidade do conteúdo de conversa citada pelo Ministério Público – disponível à Defesa, conforme citado pelo Juízo –, algo a ser discutido no decorrer da instrução, concluindo-se por prescindível, ao . atual momento processual, cópia de espelhamento integral do aparelho celular” Além disso, asseverou-se que “... está à disposição da Defesa os elementos de informação que subsidiaram a denúncia, não há se falar em cerceamento de defesa ou óbice ao contraditório, posto que a juntada de tais elementos durante a instrução processual, desde que anteriormente à abertura do prazo para as alegações finais, permite o exercício do contraditório e da ampla defesa". Não há se falar, portanto, em nulidade de elemento de prova para efeito de formação de justa causa, ademais de que, mister ressaltar, a denúncia e o processamento da ação penal estão amparados em diversos outros elementos, para além de diálogos telefônicos e dados/imagens extraídos do respectivo aparelho, tais como: boletim de ocorrência (mov. 1.1), mídias (movs. 1.4/1.5,11.1 e 17.10 da ação penal 0008781- 48.2023.8.16.0013 e movs. 24.16/24. 20, 24.24/24.36 e 24.41/24.92 dos autos em apenso 0009009- 23.2023.8.16.0013), depoimentos (mov. 1.7), auto de exibição e apreensão (mov. 17.7, 146.1 e 151.1), exame de identificação de espécie vegetal (mov. 114.3), exame de Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d local de crime ambiental (mov. 114.4 e 114.5), relatório de investigação (mov. 24.14/24.15 dos autos em apenso 0009009-23.2023.8.16.0013) e comprovantes de pagamento (mov. 24.37/24.40 dos autos em apenso 0009009- 23.2023.8.16.0013). 3. Do exposto, voto por do e conhecer habeas corpus denegar a ordem."
A respeito das características da prova digital, reporto-me ao voto por mim proferido no AgRg no HC 828.054-RN, julgado em 23/4/2024:
"1. Um breve intróito sobre a cadeia de custódia da prova digital Conforme é cediço, o instituto da cadeia de custódia visa a garantir que o tratamento dos elementos probatórios, desde a sua arrecadação até a análise e deliberação pela autoridade judicial, seja idôneo e livre de qualquer interferência que possa macular a confiabilidade da prova. (arts. 158-A e segs. do CPP) Importante pontuar que, diante da volatilidade dos dados telemáticos e da maior suscetibilidade a alterações, imprescindível se faz a adoção de mecanismos que assegurem a preservação integral dos vestígios probatórios, de forma que seja possível a constatação de eventuais alterações, intencionais ou não, dos elementos inicialmente coletados, demonstrando-se a higidez do caminho percorrido pelo material. Dessa forma, pode-se dizer que as provas digitais, em razão de sua natureza facilmente - e imperceptivelmente - alterável, demandam ainda maior atenção e cuidado em sua custódia e tratamento, sob pena de ter seu grau de confiabilidade diminuído drasticamente ou até mesmo anulado. Gustavo Badaró, neste sentido, leciona que: "Evidente que independentemente de qual procedimento técnico empregado, além de adequado segundo as melhores práticas, ele também precisará ser documentado e registrado em todas as suas etapas. Tal exigência é uma garantia de um correto emprego das operating procedures, especialmente por envolver um dado probatório volátil e facilmente sujeito à mutação. Além disso, exatamente pela diferença ontológica da prova digital com relação à prova tradicional, devido àquela não se valer de uma linguagem natural, mas digital, é que, como diz Pittiruti, uma cadeia de custódia detalhada se faz ainda mais necessária" (BADARÓ, Gustavo. A Cadeia de Custódia da Prova Digital. In: OSNA, Gustavo et. al. Direito Probatório. Londrina: Thoth, 2023, p. 179). De fato, a prova, enquanto meio de reconstrução histórica dos fatos objeto de apuração, deve ser capaz de revelar, com o máximo de precisão possível, os eventos tais como ocorreram, sob pena de potencialmente conduzir a um temerário distanciamento entre a realidade fática e o pronunciamento jurisdicional. Diante disso, Badaró visualiza dois cenários em que a inobservância da cadeia de custódia da prova digital, mais do que levar à desconfiança epistemológica sobre o Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d meio de prova (campo da valoração probatória), conduzirá mesmo à sua desconsideração completa enquanto prova (campo da inadmissibilidade probatória). São eles: "o primeiro, quando não há qualquer documentação da cadeia de custódia; o segundo, quando não seja possível, minimamente, assegurar que o vestígio tenha potencial para o acertamento do fato" (BADARÓ, p. 183). Dito isso, mostra-se indispensável que todas as fases do processo de obtenção das provas digitais sejam documentadas, cabendo à polícia, além da adequação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia, de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados. A propósito: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORNOGRAFIA INFANTIL. ART. 241-B DO ECA. DADOS EXTRAÍDOS DE APARELHOS ELETRÔNICOS SEM O MENOR RIGOR TÉCNICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INADMISSIBILIDADE DA PROVA. PRECEDENTE DESTE COLEGIADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A principal finalidade da cadeia de custódia, enquanto decorrência lógica do conceito de corpo de delito (art. 158 do CPP), é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. Isto é: busca-se assegurar que os vestígios são os mesmos, sem nenhum tipo de adulteração ocorrida durante o período em que permaneceram sob a custódia do Estado. 2. A falta de documentação mínima dos procedimentos adotados pela polícia no tratamento da prova extraída de aparelhos eletrônicos, bem como a falta de adoção das práticas necessárias para garantir a integridade do conteúdo, torna inadmissível a prova, por quebra da cadeia de custódia. Entendimento adotado por esta Quinta Turma no julgamento do AgRg no RHC 143.169/RJ, de minha relatoria, DJe de 2/3/2023. 3. Como decidimos naquela ocasião, "é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia. No processo penal, a atividade do Estado é o objeto do controle de legalidade, e não o parâmetro do controle; isto é, cabe ao Judiciário controlar a atuação do Estado-acusação a partir do direito, e não a partir de uma autoproclamada confiança que o Estado-acusação deposita em si mesmo". 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.342.908/MG, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMa, DJe de 26/2/2024.) 2. Um diálogo entre fontes De outro giro, sob a perspectiva do diálogo das fontes entre processo penal e processo civil, é oportuno ressalvar a pertinência da argumentação delineada pela defesa ao suscitar a inidoneidade de relatório de análise de extração de dados baseado em print screen de diálogos entre usuários de Whatsapp. Ainda que se considere que os atos promovidos por agentes públicos no âmbito de investigação preliminar apresentem legitimidade apriorística, subsiste a disposição do art. 422 do Código de Processo Civil – CPC, pelo qual Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida. Assim, o CPC dispõe, no § 1º do art. 422, que "[a]s fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia". Com mais razão, portanto, ao se tratar de investigação criminal, em que a exigência de autenticidade e integridade da potencial evidência digital é maior, o que vai exigir, minimamente, que "[a] autoridade policial responsável pela apreensão de um computador (ou outro dispositivo de armazenamento de informações digitais) deve copiar integralmente (bit a bit) o conteúdo do dispositivo, gerando uma imagem dos dados: um arquivo que espelha e representa fielmente o conteúdo original" (AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 2/3/2023). 3. Diretrizes técnicas sobre tratamento de evidências digitais, código hash e princípio da mesmidade Na esteira das preocupações com a garantia da autenticidade dos novos meios de prova, a Associação Brasileira de Normas Técnicas, desde o ano de 2013, estabelece na NBR ISO/IEC 27037:2013 diretrizes acerca do manuseio inicial de evidências digitais, o que compreende a sua identificação, coleta, aquisição e preservação. O referido documento técnico, embora não dotado de força obrigatória de lei, constitui relevante guia a ser observado pelos atores da persecução penal, a fim de assegurar, tanto quanto possível, a autenticidade da prova digital. Recomenda-se, na norma técnica, que o sujeito responsável pela aquisição e tratamento do material de interesse para uma investigação descreva, desde o início, toda a cronologia de movimento e manipulação da potencial evidência digital, convindo que o registro da cadeia de custódia contenha, no mínimo, informações sobre o identificador único da evidência; quem acessou a evidência, com registro de tempo e local; quem checou a evidência interna e externamente nas instalações de preservação da evidência, com respectivo registro de tempo e local; propósito de verificação da evidência; além de quaisquer alterações inevitáveis da potencial evidência digital, assim como o nome do indivíduo responsável para tanto e a justificativa para a introdução da alteração. Convém, assim, que o material epistemológico digital de interesse à persecução penal seja tratado mediante critérios bem definidos, que possibilitem a sua preservação, na maior medida possível, notadamente com explícita indicação de quem foi responsável pelo seu Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d reconhecimento, coleta, acondicionamento, transporte e processamento, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito, notadamente com indicação da metodologia empregada e das ferramentas eventualmente utilizadas. A documentação de cada etapa da cadeia de custódia é fundamental, a fim de que o procedimento seja auditável. É dizer, as partes devem ter condições de aferir se o método técnico-científico para a extração dos dados foi devidamente observado (auditabilidade da evidência digital). Ainda, faz-se importante que a mesma sequência de etapas sempre redunde nos mesmos resultados, ou seja, que os mesmos procedimentos/instrumentos gerem a mesma conclusão ( repetibilidade da evidência digital). Igualmente, ainda que sejam utilizados métodos diversos, os resultados devem ser os mesmos (reprodutibilidade da evidência digital). Por fim, os métodos e procedimentos devem ser justificáveis, sob a ótica da melhor técnica (justificabilidade da evidência digital). Assim, pode-se dizer que a auditabilidade, a repetibilidade, a reprodutibilidade e a justificabilidade são quatro aspectos essenciais das evidências digitais, as quais buscam ser garantidas pela utilização da metodologia da ABNT. A ausência de quaisquer deles redunda em um elemento epistemologicamente frágil e deficiente, e, portanto, de valor probatório reduzido ou nulo. Tudo isso volta-se à tentativa de garantir o princípio da mesmidade, é dizer, a correspondência entre aquilo que foi colhido e aquilo que resultou de todo o processo de extração da prova de seu substrato digital, de forma a assegurar a confiabilidade da prova ("ela é o que pretende ser"). Uma forma de observar o princípio da mesmidade é por meio da utilização da técnica de algoritmo hash. Como bem explana o Min. Ribeiro Dantas, em seu voto no AgRg no RHC n. 143.169/RJ: "Aplicando-se uma técnica de algoritmo hash, é possível obter uma assinatura única para cada arquivo - uma espécie de impressão digital ou DNA, por assim dizer, do arquivo. Esse código hash gerado da imagem teria um valor diferente caso um único bit de informação fosse alterado em alguma etapa da investigação, quando a fonte de prova já estivesse sob a custódia da polícia. Mesmo alterações pontuais e mínimas no arquivo resultariam numa hash totalmente diferente, pelo que se denomina em tecnologia da informação de efeito avalanche: [...]. Desse modo, comparando as hashes calculadas nos momentos da coleta e da perícia (ou de sua repetição em juízo), é possível detectar se o conteúdo extraído do dispositivo foi alterado, minimamente que seja. Não havendo alteração (isto é, permanecendo íntegro o corpo de delito), as hashes serão idênticas, o que permite atestar com elevadíssimo grau de confiabilidade que a fonte de prova permaneceu intacta." (AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 2/3/2023). Além da técnica do algoritmo hash, também deve Documento eletrônico VDA45697194 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 19/02/2025 17:07:04 Publicação no DJEN/CNJ de 21/02/2025. Código de Controle do Documento: 06525468-e90b-4577-9cc6-cf98376cd32d ser utilizado um software confiável, auditável e amplamente certificado, que possibilite o acesso, a interpretação e a extração dos dados do arquivo digital. Em outras palavras: os instrumentos utilizados para promover a tradução dos dados digitais para uma linguagem compreensível devem ser conhecidos, confrontados e atestados, sob pena de colocar em risco toda a integridade do conteúdo de prova obtida."
No caso em análise, conforme se depreende do acórdão impugnado e das informações trazidas pela defesa, após o cumprimento do mandado de busca e apreensão do celular do corréu Victor Bereza e antes do encaminhamento do aparelho ao Instituto de Criminalística para extração dos dados com a técnica científica adequada que assegure a preservação da prova e a fidedignidade dos dados, a autoridade policial procedeu com o manuseio do aparelho, inclusive confrontando o proprietário acerca das conversas encontradas e elaborando relatório contendo prints de conversas encontradas em aplicativos de mensagens.
Desse modo, entre a coleta e o processamento da prova digital, verifica-se a quebra da cadeia de custódia, comprometendo a fidedignidade da prova produzida.
De relevo trazer à baila o entendimento majoritário desta Quinta Turma no sentido de que “é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia" (AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 2/3/2023).
Nessa mesma esteira, no âmbito doutrinário, Gustavo Badaró pontua que "[n]ão havendo documentação da cadeia de custódia, e não sendo possível sequer ligar o dado probatório à ocorrência do delito, o mesmo não deverá ser admitido no processo. A parte que pretende a produção de uma prova digital tem o ônus de demonstrar previamente a sua integridade e autenticidade, por meio da documentação da cadeia de custódia. Sem isso, sequer é possível constatar sua relevância probatória" (BADARÓ, p. 183).
Assim, inafastável a conclusão de que, in casu, não houve a adoção de procedimentos que assegurassem a idoneidade e a integridade dos elementos obtidos pela extração dos dados do celular do corréu Victor Bereza. Logo, evidentes o prejuízo causado pela quebra da cadeia de custódia e a imprestabilidade da prova digital.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do presente habeas corpus. Contudo, concedo a ordem de habeas corpus, de ofício, para declarar a nulidade das provas obtidas a partir do celular apreendido do corréu Victor Bereza, bem como das delas derivadas. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 19 de fevereiro de 2025. JOEL ILAN PACIORNIK Relator
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