STF Fev25 - É Nula a Decisão que Não Rebate as Teses da Resposta à Acusação do Réu :"Juízo que deixou para apreciar as matérias somente na A.I.J."

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

Decisão: Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pelo STJ, assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FRAUDE ELETRÔNICA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. ANTECIPAÇÃO SOBRE A VALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO QUANDO DESCLASSIFICADA A CONDUTA. ATO COATOR INEXISTENTE. LESÃO INEXISTENTE. 1. Não há ilegalidade na decisão do Juiz de primeiro grau que postergou a análise da capitulação da conduta criminosa para a audiência de instrução, haja vista que a decisão que recebe a denúncia, conforme a jurisprudência desta Corte Superior, "não demanda motivação profunda ou exauriente, em vista de sua natureza interlocutória, não se equiparando à decisão judicial a que se refere o art. 93IX, da Constituição Federal, não havendo, pois, falar em nulidade" (AgRg no HC n. 730.089/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 21/10/2022). 2. É inviável a antecipação do juízo sobre o fato narrado na denúncia nesta fase prematura em que se encontra o processo de conhecimento. 3. A parte impetrante não colacionou aos autos a cópia da decisão que recebeu a denúncia, e nem a cópia daquele que ratificou o recebimento, de forma que a ausência de peça essencial ao deslinde da controvérsia impede o exame sobre as alegações. 4. Nada impede que, havendo desclassificação da capitulação penal da conduta, ainda que em fase decisória, a defesa técnica requeira e o juiz defira a manifestação do Ministério Público sobre a possibilidade de proposição de acordo de não persecução penal. 5. Agravo regimental improvido.” (eDOC.17)

Busca-se em síntese, a concessão da ordem “para que seja anulada a decisão que postergou para a audiência de instrução a apreciação da tese de desclassificação apresentada na reposta à acusação, de modo que a tese seja efetivamente analisada pelo juízo da 1ª vara de Cabedelo – PB, deliberando como entender de direito, cuja plausibilidade dos argumentos, repete-se, já foram reconhecidos em parecer ofertado pelo MPF.”

Alega o impetrante a existência de constrangimento ilegal em razão da postergação, pelo juízo de primeira instância, da análise da tese de desclassificação da conduta imputada de estelionato para furto qualificado por fraude, desconsiderando o dever legal de apreciação imediata das teses defensivas apresentadas na resposta à acusação (arts. 396-A e 397 do CPP). A PGR manifestou-se pela concessão da ordem, em parecer assim ementado:

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE ILEGALIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE ANÁLISE DA TESE DE DESCLASSIFICAÇÃO NO DESPACHO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA CONFIGURAM O DELITO DE FURTO. PARECER PELA CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. Trata-se de habeas corpus em que se busca o reconhecimento da desclassificação dos fatos narrados na denúncia do delito de estelionato eletrônico para o de furto qualificado pela fraude, o que possibilitaria o oferecimento de acordo de não persecução penal. 2. Esta Suprema Corte entende por incabíveis impetrações substitutivas de recurso próprio, sendo impossível conhecer do presente writ. 3. No entanto, os fatos narrados na denúncia não descrevem o delito de estelionato, mas o de furto qualificado pela fraude, uma vez que a vítima em nada colaborou para a consumação do delito. - Parecer pelo não conhecimento da impetração, mas pela concessão da ordem de habeas corpus de ofício no sentido de desclassificar a conduta para o delito de furto qualificado pela fraude, com a correspondente análise, pelo promotor natural da causa, acerca do cabimento de acordo de não persecução penal. “

O juiz de 1º grau prestou as informações solicitadas, detalhando, em síntese, que “o processo está com audiência de instrução e julgamento designada para o dia 29/01/2025, ocasião em que serão colhidas as provas necessárias para análise mais aprofundada do caso e possível reclassificação do delito” (eDOC.30). Em nova manifestação juntada em o impetrante informou que “a citada audiência ocorreu no dia de hoje, 29/01/2025, sem, mais uma vez, nenhuma apreciação da tese defensiva de desclassificação levantada na resposta à acusação, sobretudo diante do clarividente equívoco na capitulação, como assegura, nessas situações, a jurisprudência das CORTES SUPERIORES” (eDOC.31)

É o relatório. Decido.

1. A observância do devido processo legal é garantia fundamental do jurisdicionado, bem como elemento legitimador do exercício da jurisdição. A relevância desse postulado e seus desdobramentos no âmbito do processo penal foi abordada pelo Ministro Celso de Mello em precedente da Segunda Turma: “(...) A essencialidade do postulado do devido processo legal, que se qualifica como requisito legitimador da própria persecutio criminis. O exame da cláusula referente ao due process of law permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, entre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); (k) direito à prova; e (l) direito de presença e de participação ativa nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao due process of law, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal. (...).”(HC 111.567 AgR, Relator (a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 30.10.2014)

Além dessas prerrogativas, emerge do devido processo legal a garantia ao procedimento adequado e predeterminado na lei. A esse respeito, colho o ensinamento de Antonio Scarance Fernandez:

“Em duas linhas podem ser referidas as garantias procedimentais: a garantia ao procedimento integral e a garantia ao procedimento tipificado. São garantias não expressas, enquadráveis na garantia genérica do devido processo legal. O legislador processual penal prevê, em regra, vários procedimentos: alguns comuns; outros especiais. No sistema brasileiro, são comuns os procedimentos dos crimes punidos com reclusão, dos crimes punidos com,detenção e das contravenções, havendo procedimentos especiais no Código de Processo Penal em relação aos crimes julgados pelo Júri, falimentares, de responsabilidade dos funcionários públicos, contra a honra, contra a propriedade imaterial e outros em leis extravagantes, como o procedimento dos crimes de imprensa. Estabelecidos esses procedimentos há para a parte a garantia de que o juiz irá observá-los integralmente e, ainda, de que levará em conta a éoordenação e vinculação estabelecidas entre os atos da cadeia procedimental. Quanto à garantia da observância integral do procedimento, não se permite que o juiz possa suprimir atos ou fases do procedimento. Não sendo realizado ato processual, se houver prejuízo às partes, ocorrerá nulidade. Quando se cuidar de supressão de fase procedimental, o prejuízo é imanente à falha, pois ofende-se o devido processo legal. Em regra, haverá cerceamento ao direito de ação ou de defesa; muito comumente, ao direito à prova das partes. Não se admite, em face dessa mesma garantia, que o juiz possa, mesmo com a concordância do advogado, adotar procedimento mais abreviado, pois isso resultará na supressão de fase do procedimento ajustado ao caso. Decorre, ainda, desse postulado que, em caso de reunião de processo em virtude de conexão ou continência, seja seguido o procedimento mais amplo. Em virtude da garantia ao procedimento tipificado, não se admite a inversão da ordem processual ou a adoção de um procedimento por outro. Resultando prejuízo, deve ser declarada a nulidade.” (FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 98-105)

No mesmo sentido leciona Guilherme de Souza Nucci:

“Quando a lei fixa um determinado procedimento para a instrução criminal, torna-se imprescindível que o magistrado o respeite, como regra, ainda que haja concordância das partes para sua inversão ou para a sua supressão.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, 9ª ed., p. 192, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 676).

Na espécie, a defesa aponta a inobservância do art. 397 do CPP, segundo o qual, após a apresentação da resposta à acusação, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; atipicidade da conduta ou estiver extinta a punibilidade do agente.

Segundo aduz o impetrante, e a própria PGR oficiante tanto no STJ como no STF concordaram em parecer (eDOC.22), a tipologia atribuída a conduta narrada pelo parquet em denúncia é errônea.

A defesa argumenta que a não análise da tese de desclassificação configura negativa de prestação jurisdicional, violando o devido processo legal. Destaca que a conduta descrita na denúncia não caracteriza estelionato, pois não há induzimento da vítima em erro, elemento essencial para o tipo penal e que a postergação da análise impede a aplicação de benefícios processuais, como o acordo de não persecução penal, caso confirmada a desclassificação.

Razão assiste ao impetrante. Até o momento, não se tem notícia de que o Magistrado tenha apreciado as teses arguidas na resposta à acusação, as quais, supostamente, poderiam implicar no completo esvaziamento da ação penal, como bem elucidou a PGR em parecer:

“Dessa forma, considerando-se que a denúncia descreve que a subtração dos valores teria ocorrido sem nenhum ato praticado por parte da vítima no sentido de facilitá-la, não se pode falar na prática de estelionato eletrônico, mas tão somente em furto mediante fraude praticado por funcionária da instituição bancária em que a empresa vítima possui conta. Ademais, considerando que a desclassificação permite o oferecimento de acordo de não persecução penal, é relevante seu reconhecimento, uma vez que os esforços empregados para a condução da ação penal possuem grande probabilidade de redundar em oferecimento do mencionado acordo, eis que, segundo os fatos narrados na denúncia, inexiste hipótese de estelionato. Dessa forma, existe grande risco de a paciente estar submetida a ação penal vazia cujo objeto pode ser esvaziado pelo simples oferecimento de um acordo (caso assim entenda o promotor de justiça em primeiro grau).”

Nesse contexto, é importante esclarecer que não há ilegalidade na pronta designação da audiência de instrução e julgamento, porquanto é dever do Estado-Juiz zelar pela duração razoável do processo e atender ao prazo de sessenta dias previsto para a realização do ato (art. 400 do CPP).

Não obstante, a ordem dos atos no rito ordinário (apresentação da resposta à acusação, análise da resposta à acusação pelo Juízo e, se o caso, designação de audiência de instrução e julgamento) visa assegurar o execício do contraditório e da ampla defesa, bem como evitar práticas desnecessárias ao impor ao Juiz o dever de decidir sobre possível absolvição sumária ou questões incidentais que podem ensejar o encerramento antecipado da lide.

É exatamente o que se verifica no caso em apreço, já que como adverte a PGR “ existe grande risco de a paciente estar submetida a ação penal vazia cujo objeto pode ser esvaziado pelo simples oferecimento de um acordo (caso assim entenda o promotor de justiça em primeiro grau)”.

Como bem leciona o professor Aury Lopes Junior, o processo penal deve ser instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias constitucionais (LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 65). Sob esse viés, entendo que a omissão do Juiz, no caso concreto, configura flagrante ilegalidade, por violar, a um só tempo, a organicidade do direito, o devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição, e, especificamente, a garantia fundamental de observância ao procedimento adequado.

Oportuno mencionar que, em caso similar, o eminente Ministro Gilmar Mendes concedeu a ordem para determinar que a instrução processual não inicie antes da apreciação das respostas à acusação, na forma do art. 397 do CPP (HC 156760, Relator Gilmar Mendes, DJe 15.05.2018).

4. Destarte, com base no art. 192 do RISTF, não conheço da impetração, mas concedo a ordem, de ofício, para determinar que o Juízo da 1ª Vara Mista de Cabedelo/PB aprecie a resposta à acusação, na forma dos arts. 396-A e 397 do CPP, antes de dar continuidade à fase instrutória. Comunique-se com urgência. Publique-se. Intime-se. Brasília, 7 de fevereiro de 2025. Ministro EDSON FACHIN Relator Documento assinado digitalmente

(STF - HC: 250224 PB, Relator.: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 07/02/2025, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 07/02/2025 PUBLIC 10/02/2025)

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