STJ Abr24 - Posse Ilegal de Arma - Atipicidade - Trancamento de Ação Penal :"posse ou guarda de arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, NÂO SÂO ILEGAIS se o documento de registro do armamento estiver vencido".
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de WALTXXXXXX, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (HC n. 2013035- 22.2025.8.26.0000). Consta dos autos que o paciente responde à ação penal pela suposta prática do crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/03. A Defesa impetrou prévio writ na origem, o qual foi denegado em julgado assim ementado (fl. 14):
Direito Penal. Habeas Corpus. Posse Irregular de Arma de Fogo. Ordem Denegada. I. Caso em Exame Habeas corpus impetrado em favor de Walter, denunciado por posse irregular de arma de fogo, conforme artigo 12 da Lei nº 10.826/03. Alega-se constrangimento ilegal na decisão que recebeu a denúncia, argumentando que o armamento foi transferido ao pai do paciente e a expiração do registro é mera irregularidade administrativa. Requer-se liminar para suspender o processo e, sem mérito, o trancamento da ação penal. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se há constrangimento ilegal que justifica o trancamento da ação penal por atipicidade da conduta. III. Razões de Decidir 3. O habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas quando o constrangimento ilegal for flagrante, ou que não se verifique no caso. 4. A denúncia preenche os requisitos legais, com compromissos mínimos de autoria e prova da materialidade, não havendo flagrante atipicidade da conduta. 4. Dispositivo e Tese 5. Ordem negada. Tese de julgamento: 1. O trancamento da ação penal por habeas corpus é medida excepcional, admissível apenas nos casos de manifestação de atipicidade da conduta ou inexistência de prova de materialidade delitiva.
No presente writ, a Defesa alega a atipicidade da conduta. Argumenta que a arma apreendida era de propriedade do pai do paciente, que faleceu pouco tempo antes da apreensão e estava com o documento vencido.
Entende que a expiração do prazo de registro constitui mera irregularidade administrativa, não caracterizando ilícito penal. Requer, liminarmente, a suspensão do processo de origem até o julgamento do writ. No mérito, pugna pelo trancamento da ação penal, diante da atipicidade da conduta.
É o relatório. DECIDO. O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, a ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova da materialidade. No caso em análise, confiram-se os termos da denúncia oferecida em face do paciente (fls. 21-22):
Consta dos autos do incluso inquérito policial que, no dia 1º de setembro de 2024, por volta das 15h13min, na rua Dez, nº 385, Centro, nesta cidade e Comarca, WALTER PEREIRA DE MORAES JÚNIOR, qualificado a fls. 38, mantinha sob sua guarda arma de fogo e munições de uso permitido, em desacordo com determinação legal e regulamentar, no interior de sua residência. Segundo se apurou, o denunciado WALTER é filho de Walter Pereira de Moraes, o qual figura como proprietário de uma pistola da marca Boito, de calibre nominal .28, nº de série 39954, registro nº 000941651, vencido em 24/8/2012. Apurou-se ainda que após o falecimento de Walter Pereira de Moraes, o denunciado assumiu a guarda da referida pistola, além de munições de igual calibre, num total de 16 (dezesseis) projéteis, sem, contudo, regularizar a transferência da propriedade da arma de fogo. Na data dos fatos, por motivo de desentendimento entre o denunciado WALTER e sua companheira Vânia Siqueira Galarani, os policiais militares Mateus Bastos Sousa e Jean Carlos Cabral foram acionados. Documento eletrônico VDA46482061 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MESSOD AZULAY NETO Assinado em: 28/03/2025 16:59:55 Publicação no DJEN/CNJ de 01/04/2025. Código de Controle do Documento: 4d9a2f2b-a745-450b-b598-a25112034544 Chegando ao local, os policiais foram recepcionados por Vânia, que lhes informou que o companheiro WALTER a ameaçou de morte dizendo que utilizaria armas de fogo. Ato seguinte, Vânia franqueou a entrada dos policiais na residência e indicou um guardaroupa sobre o qual estavam as referidas armas. Os policiais então localizaram um revólver Taurus, calibre . 38, municiado com oito cartuchos e uma pistola da marca Boito, calibre .28, desmuniciada. Também localizaram 16 (dezesseis) projéteis íntegros de calibre .28 e mais 64 (sessenta e quatro) cartuchos de calibre .38. WALTER apresentou os registros das armas de fogo, constatando-se, assim, que o revólver estava regularmente registrado em seu nome, mas a pistola estava registrada em nome do seu pai já falecido e com o prazo de validade expirado. Ele foi preso em flagrante delito, sendo conduzido à delegacia de polícia, livrando-se solto após recolher a fiança arbitrada pela i. Autoridade Policial. As armas de fogo e munições foram apreendidas e submetidas a exames periciais, constatando-se que estavam aptas à realização de disparos. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO denuncia a Vossa Excelência WALTER PEREIRA DE MORAES JÚNIOR como incurso no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).
Ocorre que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que não caracteriza crime a conduta de posse ou guarda de arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, se o documento de registro do armamento estiver vencido. Confira-se:
PENAL. ART. 12 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. GUARDA DE ARMA EM RESIDÊNCIA COM REGISTRO VENCIDO. CONDUTA ATÍPICA. AUSÊNCIA DE DOLO. ART. 16 DO MESMO ESTATUTO. POSSE E GUARDA DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. CONSELHEIRO EQUIPARADO A DESEMBARGADOR. LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA E DIREITO A PORTE DE ARMA PARA DEFESA PESSOAL. NÃO DISCRIMINAÇÃO NA LOMAN ENTRE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO. ATIPICIDADE RECONHECIDA. 1. Os objetos jurídicos dos tipos previstos nos arts. 12 (guarda de arma de uso permitido em residência) e 16 (posse de munição de uso restrito) da Lei n. 10.826/2003 - Estatuto do Desarmamento - são a administração pública e, reflexamente, a segurança, incolumidade e paz pública (crime de perigo abstrato). No primeiro caso, para se exercer controle rigoroso do trânsito de armas e permitir a atribuição de responsabilidade pelo artefato; no segundo, para evitar a existência de armas irregulares circulando livremente em mãos impróprias, colocando em risco a população. 2. Se o agente já procedeu ao registro da arma, a expiração do prazo é mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa. A conduta, no entanto, não caracteriza ilícito penal. (APn 686/AP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 21/10/2015, DJe 29/10/2015, grifei) No mesmo sentido: [...] 2. No caso, o réu foi denunciado por possuir arma de fogo de uso permitido, consistente em revólver da marca Taurus, calibre 38, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, pois o registro do referido artefato se encontrava vencido. Sobreveio sentença condenatória nos autos, contra a qual a defesa interpôs apelação, sem êxito. 3. No julgamento da Ação Penal n. 686/AP, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, alterando o seu entendimento anterior sobre a matéria, reconheceu a atipicidade da conduta imputada ao réu, denunciado como incurso nas sanções do art. 12 da Lei n. 10.826 /2003, ressaltando que ele já havia procedido ao registro da arma e que a expiração do prazo constitui mera irregularidade administrativa, que enseja apenas a apreensão do artefato e a aplicação de multa, sem que reste caracterizada a prática de ilícito penal. Assim, considerando que o feito ora em exame versa sobre hipótese idêntica ao objeto do referido julgado, deve ser reconhecida, de igual modo, a atipicidade da conduta. Precedentes. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de absolver o paciente quanto à prática do delito previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003. (HC n. 587.834/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 24/8/2020)
No caso concreto, é imputada ao paciente a posse ou guarda de arma de fogo e munições de uso permitido, supostamente com documento vencido em nome do seu falecido pai. Desse modo, à luz do entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema, a conduta seria de fato atípica.
Não obstante, a instrução precária do presente writ e a impossibilidade de dilação probatória não permitem a aferição acerca da existência de documentos de registro do armamento e sua idoneidade. Ante o exposto, concedo parcialmente o habeas corpus para determinar que, uma vez comprovada, perante o juízo de primeiro grau, a existência dos pertinentes registros do armamento e das munições apreendidos, ainda que vencidos, seja implementado o trancamento da ação penal com relação ao crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.
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