STJ Abr25 - Absolvição Dano ao Patrimônio - Ausências de Materialidade - Condenação com Base em Testemunho :"Ausência de Perícia do Objeto Danificado"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de XXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Apelação n. 5002983-04.2023.8.21.0006).

Consta dos autos que o paciente foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, à pena de 7 meses de detenção, em regime aberto, concedido o sursis da pena, pela prática dos crimes previstos nos arts. 147 e 163, parágrafo único, inciso I, ambos do Código Penal, em concurso material (e-STJ fls. 308/317).

Irresignadas, as partes interpuseram apelações, sendo desprovido o recurso da defesa e parcialmente provido o ministerial para redimensionar a pena privativa de liberdade do paciente para 7 meses e 29 dias de detenção, bem como para incluir, durante o primeiro ano do sursis, a prestação de serviços à comunidade pelo período da pena privativa de liberdade (e-STJ fls. 53/65). Segue a ementa do acórdão:

APELAÇÃO CRIMINAL. DANO QUALIFICADO. AMEAÇA. APELOSDEFENSIVO E MINISTERIAL. MATERIALIDADE. AUSÊNCIA DELAUDO DE CONSTATAÇÃO DOS DANOS. PRESCINDIBILIDADE. A existência do delito de dano restou demonstrada pela farta prova testemunhal coletada judicialmente, bem como pela confissão do próprio réu; lembrando, ainda, que o Juiz não fica adstrito ao laudo pericial, podendo se utilizar, para a formação da sua convicção, de outros elementos colhidos durante a instrução - como é o caso dos autos. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIACOMPROVADAS. PALAVRAS DA VÍTIMA E DAS TESTEMUNHAS. Restaram devidamente comprovados os fatos narrados na denúncia, pois o acusado, em um ataque de raiva, efetivamente danificou objetos da residência da vítima (sua mãe) e proferiu ameaça contra ela, dizendo que iria colocar fogo no imóvel. Em se tratando de fatos relativos à Lei Maria da Penha, a palavra da ofendida – até por ser a principal interessada na responsabilização do seu ofensor – assume especial relevância probatória, sendo suficiente, se coerente, para ensejar condenação, a menos que haja algum indicativo de que possui interesses escusos em eventual condenação do acusado, o que, no caso, não restou demonstrado. EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA NÃO EXCLUI A TIPICIDADE ETAMPOUCO ISENTA A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE. DOLO DEMONSTRADO. O uso de álcool e de drogas não pode ser usado como subterfúgio para justificar atitudes ameaçadoras por parte do réu. Ausência de prova da incapacidade mental a isentar a pena. Dolo comprovado, sendo reprovável a conduta do réu. CONDENAÇÃO MANTIDA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CRIMES DE AMEAÇA EDE DANO. Não se aplica ao presente caso o princípio da consunção. Isso porque se trata de tipos penais autônomos, que protegem bens jurídicos diversos. Além disso, os delitos foram cometidos em momentos diversos (e com desígnios autônomos); primeiramente, o acusado se irritou com a genitora em razão da ausência de refeição, o que resultou em ataque de fúria, no arremesso de comidas ao chão, em dano em uma porta e janela e, por fim, na colocação de fogo em um colchão. Com achegada dos policiais e contenção do réu, houve o proferimento da ameaça de incendiar a casa da mãe. RECURSO MINISTERIAL. PENA-BASE. FIXADAS NO MÍNIMO LEGAL. CONDIÇÕES DO ART. 59 DO CP REANALISADAS. AUMENTO DAS PENASBASILARES. Circunstâncias do art. 59 do CP que reanalisadas justificam o aumento das penas basilares. AMEAÇA. AGRAVANTE DO ART. 61, II, “f”, DO CP. MANUTENÇÃO. Sendo praticado o crime de ameaça prevalecendo-se o réu das relações domésticas, e não havendo tipo penal específico para o delito de ameaça, aplicável sim a agravante referida, sem que se possa falar em bis in idem. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL, NO PONTO. A atenuante da confissão espontânea já foi reconhecida pelo Magistrado da origem, com a redução das penas. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO AQUÉM DOMÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO STJ. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. Inviável o reconhecimento da continuidade delitiva, considerando que se trata de crimes de espécies distintas. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SURSIS. CONDIÇÕES. INCLUSÃODA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. Entendo que os delitos que envolvem violência doméstica merecem maior grau de reprovação, de modo que aplicar apenas as penalidades do § 2º do art. 78 do CP, ainda que as condições do art. 59 do CP sejam favoráveis, suavizam demais a penalidade do réu, não atingindo a função pedagógica e preventiva insertas nos princípios básicos da Lei n. 11.340/2006. Considerando que a pena corpórea fixada é maior de 06 meses, possível a inclusão da prestação de serviços à comunidade, durante o primeiro ano do benefício, limitada ao tempo da pena privativa de liberdade imposta. APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA E APELAÇÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA.

No presente mandamus (e-STJ fls. 3/17), a impetrante sustenta que o acórdão impugnado impôs constrangimento ilegal ao paciente, pois manteve a sua condenação pelo crime de dano qualificado sem prova da materialidade delitiva.

Alega que não foi realizado exame pericial nas coisas danificadas, sendo insuficiente para a aferição da materialidade delitiva a confissão do acusado. Além disso, afirma que o paciente não atuou com o dolo específico de destruir coisa alheia, na medida em que os bens pertenciam a ele próprio, motivo pelo qual não há falar em crime de dano.

Também assevera que não é possível a punição autônoma do paciente pelos crimes de dano qualificado e ameaça, tendo em vista que as condutas foram praticadas em um mesmo contexto fático, sendo o dano qualificado mero meio para a consecução da ameaça.

Aponta, outrossim, a inviabilidade de ser reconhecida a qualificadora no crime de dano, sob pena de bis in idem, pois o acusado está sofrendo a incidência de um tipo penal (ameaça) e de uma qualificadora (dano com grave ameaça) pelo mesmo fato (e-STJ fl. 12).

Em relação à dosimetria, impugna a exasperação da pena-base no crime de dano qualificado, pois as vetoriais culpabilidade e circunstâncias do crime devem ser consideradas neutras, seja por envolverem elementos inerentes à prática delitiva, seja por não ter ficado comprovada a existência de criança no local dos fatos. Por fim, aduz que o sursis especial substitui a primeira condição (de prestação de serviços à comunidade) pelas condições menos rígidas estabelecidas no artigo 78, § 2º, do Código Penal.

Ao final, formula pedido liminar para que os efeitos do acórdão proferido na origem sejam suspensos até o julgamento definitivo deste writ e, no mérito, pede a concessão da ordem para que o acórdão proferido pela Corte local seja cassado.

O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 456/459). As informações foram prestadas às e-STJ fls. 466/468 e 469/515. O Ministério Público Federal, por meio do parecer exarado às e-STJ fls. 520/525, opinou pelo não conhecimento do writ ou, se conhecido, pela denegação da ordem.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.

Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício. Nesse sentido, a título de exemplo, confiram-se os seguintes precedentes: STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 3/12/2013, publicado em 28/2/2014; STJ, HC n. 287.417/MS, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 20/3/2014, DJe 10/4/2014; e STJ, HC n. 283.802/SP, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 26/8/2014, DJe 4/9/2014.

Na espécie, embora os impetrantes não tenham adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

Busca-se, em síntese, a absolvição do paciente em relação ao crime de dano qualificado por ausência de materialidade delitiva ou de dolo específico de danificar coisa alheia. Subsidiariamente, pleiteia a impetrante a absorção do dano qualificado pela ameaça, o afastamento da qualificadora do dano com grave ameaça, a redução da pena-base no crime de dano qualificado.

Por fim, pede o afastamento da condição de prestar serviços à comunidade como uma das condições do sursis.

No caso, seguem os fundamentos apresentados pelo Juízo sentenciante para condenar o paciente pela prática dos crimes de dano qualificado e ameaça (e-STJ fls. 309/315):

A denúncia imputou ao acusado Dionatan Machado de Lima prática dos delitos previstos no artigo 147, c/c o artigo 61, II, “f”, e do artigo 163, parágrafo único, inciso I, na forma do art. 69, todos do Código Penal. Quanto a materialidade e autoria dos fatos restam demonstradas pelo boletim de ocorrência constante no Inquérito Policial (Evento 1), bem como na prova oral colhida nos autos. Considerando a conexão probatória existente, os fatos denunciados serão analisados em conjunto. Vejamos: Durante a audiência de custódia (evento 14, VÍDEO evento 18) o acusado Dionatan Machado de Lima disse que foi preso pela Brigada Militar, que estavam em dois carros com aproximadamente seis policiais. Não sofreu agressão e abuso por parte dos policiais. Foi examinado na UPA. Tem uma filha de dois anos de idade que mora com a mãe. Falou que usa maconha diariamente. A vítima Andrea da Conceição Machado (evento 81, VÍDEO3) relatou que Dionatan é seu filho. Contou que o filho estava trabalhando em Venâncio Aires numa fábrica de fumo tudo certinho. Que acha que ele recebeu no final do mês e sumiu por quatro dias, ninguém sabia notícias dele. Falou que ele apareceu no domingo, chegou drogado em casa querendo comida, mas a depoente respondeu que não tinha nada pronto, que já estavam dormindo. Que Dionatan passou a jogar as panelas na parede e atirar as coisas fora. Disse que ele referiu ter deixado um cartão vale alimentação no valor de R$ 199,50, mas ele teimou que era R$ 250,00, indagando onde estavam as compras. Que ele passou a jogar tudo longe. Falou que ele começou a chutar tudo dentro de casa, sendo que quando ele foi no quarto, a depoente fechou a porta para chamar a Brigada, momento em que ele chutou e quebrou a porta. Frisou que Dionatan foi no quarto derrubou e quebrou tudo que pode, botou fogo no colchão e saiu. Que surgiu um vizinho com um pau na mão para grudar no Dionatan, que pegou um tijolo. Que foi uma confusão grande. A Brigada veio e levou Dionatan para a UPA. Que ele botou fogo no colchão. Confirmou que Dionatan falou que voltaria e ia botar fogo na casa. Acredita que o filho estava drogado, que nunca tinha visto ele daquele jeito. Além da depoente estava sua mãe e um neto de sete anos. Que Dionatan estava transtornado. Não sabe há quanto tempo o filho está usando drogas. Esclareceu que Dionatan não lhe agride, mas desconta nas coisas. Que sua mãe deu um soco no rosto dele, que colocou as mãos para trás e mandou ela dar outro. Repetiu que não lhe agride, mas desconta nas coisas. Explicou que mora a depoente, sua mãe e seu neto na casa, sendo que tem mais duas casas no pátio, numa um irmão e na outra o Dionatan. Que Dionatan já colocou fogo noutra casa em que estavam todos os móveis da filha da depoente. Não quer que Dionatan morando perto da depoente, seguindo usando drogas. Não tem como colocar Dionatan dentro da sua casa. Que o filho é trabalhador, mas gasta tudo em drogas. A testemunha Alisson Dutra Garcia, policial militar (evento 81, VÍDEO4) recorda que a guarnição foi despachada para atender uma ameaça familiar. Que chegando ao local, o suspeito já tinha colocado fogo no colchão de um quartinho dos fundos, bem como causado danos no imóvel e estava bastante alterado com a família. Confirmou que ele estragou a porta e alimentos da casa. Disse que a vítima relatou e a guarnição presenciou o suspeito dizer que retornaria e colocaria fogo na residência. Foi a primeira ocorrência que atendeu envolvendo o suspeito. Referiu que Dionatan estava bem nervoso, agitado, aparentando ter usado alguma coisa. A testemunha Marcelo da Luz Escouto, policial militar (evento 81, VÍDEO5) falou que estava na primeira viatura que chegou ao local, sendo que Dionatan estava na rua e a mãe dele no pátio. Que ele havia colocado fogo na casa. Recorda que ele estava bastante agitado e agressivo, sendo necessário o uso de algemas. Não lembra dos danos, pois ficou com Dionatan na frente da casa, contido. Presenciou Dionatan dizer que colocaria fogo na casa. Referiu que faz um ano e meio que está em Cachoeira e não tinha atendido ocorrências envolvendo Dionatan. A testemunha Paulo Gilberto Ramos Machado (evento 81, VÍDEO6) relatou que conhece mais a vítima do que Dionatan. Explicou que o fato aconteceu num domingo pela manha, que o depoente reside quase ao lado da casa deles e tinha saído para colocar o lixo no conteiner. Falou que Dionatan estava perturbando toda vizinha desde cedo, inclusive o depoente e sua família. Referiu que colocou o lixo, sendo que ao retornar viu que o muro da casa estava no chão e avistou fumaça na casa dos fundos, onde mora o tio dele. Falou que adentrou no pátio para ajudar a apagar o incêndio. Disse que ouviu as ameças de Dionatan. Asseverou que o rapaz usa drogas e constantemente está bastante alterado no local. Mencionou que o rapaz disse ao depoente que estava com fome e que a mãe não dava comida para ele. Confirmou que pegou um pedaço de pau para se defender e que Dionatan pegou um tijolo para atirar no depoente. Referiu ter dito para o rapaz, “tu incomoda quase todos os dias, não deixa as pessoas dormir” tendo o rapaz respondido, momento em que o depoente pegou um pedaço de pau e o rapaz se armou com o tijolo. Que acabou largando o pau e foi apagar o incêndio. Contou que, depois que ele foi preso, na casa dele não teve mais problemas mas tem outro rapaz que mora no lado da sua casa, que usa drogas e incomoda muito. Asseverou que o rapaz é um cara bacana quando não usa drogas. Acredita que quem perturba a casa seja o rapaz quando está sob efeito de droga. O acusado Dionatan Machado de Lima (evento 81, VÍDEO7) relatou que estava sob efeito de álcool. Que deixou o cartão alimentação com sua mãe, chegou em casa alterado e discutiram por ela não ter feito nada para comer. Falou que lembra de pouca coisa, que estava numa fase ruim e não estava podendo ver a filha. Nunca tinha sido preso. Contou que foi a primeira vez que discutiu dessa forma com sua mãe. Falou que, saindo do presídio, vai tentar voltar para o emprego e ir morar em casa de parentes ou amigos. Disse que não vai voltar para a casa da mãe. Confirmou que colocou fogo no colchão do seu quarto, que é numa casa separada da mãe. Falou que estava fumando e tinham papéis espalhados, acabou pegando fogo mesmo. Confirmou que empurrou a porta mesmo, tendo estragado a porta e também jogado uma alimentos. Que jamais vai colocar fogo na casa da mãe, que ama muito a mãe. Confirmou que já colocou fogo na casa em que morava, mas já faz bastante tempo. Consoante a prova produzida nos autos, conclui-se a ocorrência dos delitos de dano qualificado (fato 01) e de ameaça (fato 02), pois a vítima Andrea, confirmou que o filho colocou fogo em um colchão, danificou porta e diversos alimentos, bem como proferiu ameaças no sentido de que retornaria ao local para colocar fogo na residência. O acusado, por sua vez, confessou a autoria, asseverando que estava vivendo o período ruim de sua vida e que estava sob efeito de álcool. Pelos depoimentos colhidos em Juízo (evento 81) constata-se que o acusado não respeitava o ambiente familiar (residência da vítima), tumultuando o local e perturbando a vida não apenas dos familiares mas também da vizinhança de um modo geral, conforme se extrai do depoimeneto do vizinho, testemunha Paulo Gilberto Ramos Machado. A palavra da vítima como meio de prova é válida para ensejar o juízo condenatório, uma vez que é comum nos crimes contra a família, não haver outras testemunhas, possuindo a palavra da ofendida especial relevância quando isolada. No caso dos autos, a testemunha Paulo Gilberto Ramos Machado, bem como os policiais militares Alisson Dutra Garcia e Marcelo da Luz Escouto constataram os danos causados pelo acusado, bem como presenciaram ele ameaçar sua genitora de que retornaria ao local para colocar fogo na residência. Sobre o assunto, vejamos a jurisprudência: [...] Com isso visa-se justamente a garantia da proteção e do combate à violência doméstica, porquanto a situação de opressão e submissão na qual se encontra a maioria das vítimas não pode constituir óbice à punição do agressor pela conduta delituosa e punível na qual incorreu. Não há falar em afastamento da responsabilização, atipicidade da conduta, ausência do elemento subjetivo do tipo. Durante o interrogatório (evento 81, VÍDEO7), Dionatan confessou a prática delitiva, referindo que estava numa fase ruim de sua vida e que estava sob efeito de álcool. Logo, percebe-se que, voluntariamente, na data dos fatos Dionatan ingeriu álcool, sendo inviável o acolhimento da tese defensiva. No mesmo sentido, indefiro o pedido de reconhecimento da causa excludente de culpabilidade prevista no art. 45 da Lei de Drogas, tendo em vista que a simples alegação de dependência química ou da condição de drogadição não exclui a responsabilidade pelo delito praticado e não reduz a culpabilidade. Frisa-se ser necessário que se comprove que, ao tempo dos fatos delituosos, o réu não possuía condições de entender o caráter ilícito de sua conduta, nem de determinar-se de acordo com este entendimento. A prova pericial para comprovação sequer foi pleiteada pela defesa. Ademais, durante o interrogatório Dionatan (evento 81, VÍDEO7) confessou sua atitude descontrolada devido estar sob efeito de álcool. Vale consignar que o art. 28, II e §§ do Código Penal e os arts. 45 e 46 da Lei de Drogas adotaram, ao reconhecimento da inimputabilidade, a Teoria da Actio Libera In Causa, havendo necessidade de que a embriaguez pelo álcool ou drogas tenha sido proveniente de caso fortuito ou força maior. Contudo, no caso dos autos, a embriaguez/drogadição do acusado foi voluntária, conforme demonstrado durante o interrogatório (evento 81, VÍDEO7), sendo inviável o reconhecimento da excludente de culpabilidade e a redução da pena em grau máximo (art. 26 do CP), como pretendido pela defesa. Não há falar em absolvição do acusado, por ausência de provas, em relação aos delitos descritos nos fatos 01 e 02, pois a vítima e as testemunhas ouvidas em Juízo confirmaram os danos causados e as ameaças proferidas por Dionatan em relação a vítima, que é sua genitora. Não há falar em consunção entre os delitos e nem mesmo em continuidade delitiva. Primeiro porque o denunciado discutiu com sua genitora, danificou a porta da casa e alguns alimentos e, num segundo momento, já na presença dos policiais militares asseverou e ameaçou de retornar ao local para colocar fogo na residência. São delitos autônomos, cujas condutas devem ser avaliadas separadamente. Mantenho a qualificadora do dano, haja vista que Dionatam usando de grave ameaça danificou um colchão, diversos alimentos e a porta da casa da vítima. Assim, tendo o réu praticado condutas típicas e antijurídicas e não havendo excludentes de culpabilidade ou causa de isenção de pena a ampará-lo, impõe-se a condenação. O Tribunal a quo manteve a condenação constante da sentença, conforme segue (e-STJ fls. 54/59): Afasto a preliminar de ausência de materialidade do delito de dano. No caso dos autos, a existência do delito em questão restou demonstrada pela farta prova testemunhal coletada judicialmente, bem como pela confissão do próprio réu; lembrando, ainda, que o Juiz não fica adstrito ao laudo pericial, podendo se utilizar, para a formação da sua convicção, de outros elementos colhidos durante a instrução - como é o caso dos autos. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: [...] No ponto, consigno que, embora em sede policial o acusado tenha permanecido em silêncio (evento 1, OUT3, p. 18), ao ser ouvido em juízo, confirmou que colocou fogo no colchão do seu quarto, mas explicou que estava fumando e que tinham papéis espalhados, razão pela qual acabou pegando fogo mesmo. Afirmou, ainda, que efetivamente empurrou a porta, que restou estragada, além de ter jogado alimentos, danificando-os (evento 81, VÍDEO7). A vítima A. C. M., por sua sua vez, contou que o acusado estava trabalhando direitinho, mas que, no final do mês recebeu o salário e sumiu por quatro dias, sendo que, no dia 2/4/2023, o réu apareceu à noite querendo comida. Explicou que não iria deixar a comida pronta e aguardada por quatro dias, momento em que o acusado começou a "grudar" as panelas na parede e colocar alimentos fora. Disse que começaram a discutir, quando o réu passou a arremessar pacotes de comida que estava guardados nos armários. Contou que ele chutou as coisas no interior da residência, inclusive abrindo uma porta que se encontrava chaveada a chutes e socos. Narrou que o réu foi para a parte dos fundos da residência - onde fica o quarto dele -, e colocou fogo em um colchão depois de ter quebrado tudo que pode, inclusive derrubou uma janelinha, lesionado a mão. Informou que, nesse meio tempo, um vizinho chegou para tentar acalmar o acusado e chamou a polícia. Contou que o réu nunca chegou a lhe agredir fisicamente, mas que ele sempre desconta a raiva dele nas coisas. Informou, ainda, que D. mora nessa peça, localizada fora da casa da vítima, porque ele colocou fogo na casa em que residia, em razão de uma discussão com a irmã, queimando todas as coisas dela (evento 81, VÍDEO3). A testemunha Alisson Dutra Garcia, policial militar que atendeu a ocorrência, contou que, quando chegou ao local, constatou que o acusado tinha ateado fogo no colchão e causado danos na residência, além de ter constatado que ele estava bastante alterado. Afirmou que ele havia danificado uma porta e estragado alimentos (evento 81, VÍDEO4). O policial Marcelo da Luz Escolto, por sua vez, narrou que estava na primeira viatura que chegou ao local, encontrando o réu fora do imóvel bastante alterado e agressivo. Disse que não se recorda dos danos, porque permaneceu na frente da residência com o acusado, que precisou ser contido e algemado (evento 81, VÍDEO5). A testemunha Paulo Gilberto Ramos Machado, contou que é vizinho da vítima, bem como que no dia dos fatos presenciou os danos causados no imóvel da ofendida A. C. M., narrando que o muro da casa estava no chão. Percebeu, também, que na parte dos fundos do terreno havia fumaça e que ajudou a apagar o incêndio (evento 81, VÍDEO6). O acusado, em interrogatório, admitiu que colocou fogo no colchão que havia no quarto onde dorme, mas disse que estava fumando e que, em razão da existência de muitos papéis no local, acabou ocasionando o incêndio. Aduziu que empurrou a porta mesmo, pois abriu ela com muita força, estragando-a. Afirmou que também jogou os alimentos no chão (evento 81, VÍDEO7). Portanto, não há que se falar em ausência de materialidade do delito de dano. No mais, a materialidade do delito de ameaça, por não deixar vestígios, será analisada pela a prova oral coligida, assim como a autoria. Nesse sentido, a prova oral produzida foi analisada com propriedade pela nobre sentenciante a quo, Dra. Lilian Astrid Ritter, conforme abaixo reproduzo e torno parte integrante desta decisão: [...] Logo, não há dúvida quanto à prática dos delitos em questão, considerando que o depoimento da vítima está em consonância com o registro de ocorrência por ela feito na fase persecutória, bem como com o fato narrado na denúncia e, ainda, com o relatos das testemunhas ouvidas em juízo. No mais, observo que, nos delitos afetos à Lei Maria da Penha, a palavra da ofendida – até por ser a principal interessada em se desprender do ofensor – assume especial relevância probatória, sendo suficiente, se coerente, para ensejar condenação – a menos, claro, que haja algum indicativo de que possui interesses escusos em eventual condenação do acusado, o que não restou demonstrado nos autos. Colaciono, para fins de exemplificação, as seguintes ementas, que traduzem o entendimento jurisprudencial de que compartilho: [...] Especificamente quanto à alegação de atipicidade do delito de dano (ausência de animus nocendi), tenho que não prospera o argumento de que as coisas danificadas eram do próprio réu. A uma porque, pelo que se depreende da prova oral, não há dúvida de que o acusado utilizava- se de peça inserida no terreno da sua mãe (ora ofendida), ainda que localizada na parte dos fundos e com entrada própria. Aliás, a própria vítima explicou tal medida se deu em razão de que o acusado, quando consome álcool e drogas fica transtornado e agressivo, já tendo, inclusive, ateado fogo em móveis da irmã em ocasião anterior. A duas, porque os estragos não se limitaram à peça utilizada pelo acusado; o réu também destruiu uma porta existente no interior da residência da vítima (evento 1, OUT3, p. 34). Por outro lado, o fato de o acusado estar sob efeito de álcool ou de entorpecentes na ocasião não afasta sua responsabilidade. Isso porque a embriaguez ou o uso de substâncias psicoativas de forma voluntária não exclui a tipicidade do crime e, tampouco, a culpabilidade do agente, conforme dispõe o art. 28, II, do Código Penal. A respeito, saliento que o uso de álcool ou de drogas não pode ser usado como justificativa para prática de atitudes agressivas e ameaçadoras - uma coisa seria comprovar que o réu estava incapacitado de entender o caráter ilícito de sua conduta, o que poderia isentá-lo de pena, caso comprovada tal circunstância em incidente de insanidade mental. Outra coisa é o réu fazer uso contínuo de drogas ou bebida alcoólica, de forma voluntária, e usar de agressividade para intimidar seus familiares (no caso, sua mãe), o que é reprovável e desencadeia sim responsabilidade penal. Por conseguinte, não há que se falar em ausência de dolo ou no reconhecimento da causa de excludente de culpabilidade - tampouco na aplicação do art. 45 da Lei de Drogas. Nesse contexto, entendo que a prova é suficiente a demonstrar a ocorrência dos delitos em questão. Mantenho, portanto, a sentença condenatória.

Dessa forma, extrai-se que a materialidade delitiva do crime de dano qualificado fundou-se apenas na prova oral, posto que não foi realizada perícia para a aferição do dano e nenhuma menção foi feito à eventual impossibilidade de sua confecção.

Entretanto, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando: (i) os vestígios deixados houverem desaparecido; ou (ii) se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo.

Em consequência, a absolvição do paciente em relação ao crime de dano qualificado é medida que se impõe.

A propósito: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o exame do corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido pela prova testemunhal quando: (i) os vestígios deixados houverem desaparecido ou (ii) se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo. 2. Não se tendo apresentado justificativa para a ausência de elaboração de perícia no local dos fatos, não serve a prova oral para comprovar a materialidade do delito de dano qualificado, devendo ser mantida a absolvição.3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 2.321.467/RN, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 21/3/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO QUALIFICADO. CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS. EXAME PERICIAL. IMPRESCINDIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Por expressa imposição legal, é imprescindível, nas infrações que deixam vestígios, a realização do exame de corpo de delito. 2. No caso, não obstante o crime de dano perpetrado pelo agravante tenha deixado vestígios e embora os vestígios fossem claramente passíveis de ser objeto de laudo pericial, deixou-se de realizar exame de corpo de delito para comprovar a materialidade do crime. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1225630/ES, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 2/8/2018, DJe 9/8/2018).

Em consequência da absolvição do paciente em relação ao crime de dano qualificado, fica afastada a condição de prestar serviços à comunidade no sursis, posto que incompatível com a pena remanescente. Ante o exposto, com base no art. 34, inciso XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, absolver o paciente quanto ao crime do art. 163, parágrafo único, inciso I, do Código Penal, além de afastar a prestação de serviços à comunidade como uma das condições do sursis no delito remanescente. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 869391 - RS (2023/0414559-8) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025)

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