STJ Abr25 - Coaf - Quebras de Sigilos Ilegais - (RIF) Requisitados diretamente pela PF sem Ordem Judicial

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de liminar, interposto contra a decisão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO que denegou a ordem pleiteada no Habeas Corpus nº 1004877-58.2024.4.01.0000.

Extrai-se dos autos que a Polícia Federal, por intermédio da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros (DELECOR/PI), instaurou o Inquérito Policial nº 2023.0034858 para apurar possível ocorrência de crimes licitatórios e fraudes em contratos administrativos.

A investigação teve início após um relatório do Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE/PI) apontar indícios de superfaturamento de produtos, direcionamento de processos licitatórios e contratações irregulares pela empresa MAX DIGITAL PRINT LTDA.

No curso da apuração, foi requisitado um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) ao COAF, que revelou movimentações financeiras envolvendo o recorrente, levando à decretação da quebra de sigilos bancário, fiscal e de dados, além da busca e apreensão de bens.

Sustenta o recorrente que o RIF foi obtido de forma ilegal, pois teria sido requisitado diretamente pela autoridade policial ao COAF, sem autorização judicial, contrariando entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Argumenta que a decisão que determinou a quebra de sigilos e a medida de busca e apreensão derivaram dessa prova ilícita, sendo, por conseguinte, nulas. Aduz, ainda, que as decisões que determinaram tais medidas são genéricas, desprovidas de fundamentação individualizada e carentes de justa causa, requerendo, assim, o trancamento da investigação.

Requer, no mérito, a concessão da ordem para declarar a nulidade do RIF e das decisões que determinaram a quebra de sigilo bancário, fiscal e de dados, e a busca e apreensão, com o consequente trancamento do inquérito policial.

O recorrente desistiu do pedido de liminar (fl. 1772), o que foi deferido (fl. 1785).

O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento do writ e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls. 1791-1804).

É o relatório. DECIDO.

A irresignação recursal prospera em parte. O recorrente sustenta que a investigação que culminou na decretação da quebra de seus sigilos bancário, fiscal e de dados e na medida de busca e apreensão, teve como ponto de partida um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) requisitado diretamente pela autoridade policial ao COAF, sem prévia autorização judicial, o que, a seu ver, configura prova ilícita.

Afirma que as decisões judiciais que autorizaram tais medidas são genéricas, desprovidas de fundamentação individualizada e fundadas exclusivamente em elementos colhidos a partir do referido relatório, motivo pelo qual requer o reconhecimento da nulidade do RIF e das decisões que dele derivaram, com o consequente trancamento do inquérito policial. Do acórdão coator, cumpre transcrever as razões que lastrearam o não provimento do recurso interposto (fls. 1683-1992 - grifamos):

4. A hipótese dos autos se amolda aos julgados referidos, não havendo se falar em ilicitude no Relatório de Inteligência Financeira (RIF) solicitado pela autoridade policial ao COAF no âmbito de investigação previamente instaurada e que está embasada em indícios de fraude à licitação e superfaturamento de preços em desfavor da empresa Max Digital Print Ltda, e que teve o ora paciente como implicado. Por conseguinte, não há se falar em constrangimento ilegal nem em ilicitude por derivação das provas colhidas por meio de busca e apreensão e quebra de sigilos de dados, bancário e fiscal, deferidas judicialmente com base nos dados obtidos no Relatório de Inteligência Financeira. 5. Destarte, não há se falar em relatório "por encomenda" ou "fishing expedition", já que o RIF nº 89508.2.10298.12434 teve como alvo a empresa referida e seu sócio-administrador e, a partir daí, com a informação sobre movimentações financeiras suspeitas envolvendo o paciente, ele passou à condição de investigado. Em outras palavras, o caso dos autos trata de elementos de informação que foram colhidos durante regular procedimento de apuração dos fatos.

Verifica-se, no caso concreto, que houve requisição direta de Relatório de Inteligência Financeira ao COAF por parte da autoridade policial. Contudo, o atual entendimento desta Sexta Turma não admite tal requisição sem prévia autorização judicial, divergindo, portanto, daquele adotado pelo Tribunal de origem. Nesse sentido:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO E EVASÃO DE DIVISAS. PRODUÇÃO DE RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA (RIF) PELO COAF POR SOLICITAÇÃO DIRETA DA POLÍCIA CIVIL ESTADUAL. QUESTÃO NÃO COMPREENDIDA NO JULGAMENTO DO TEMA 990/STF. ACESSO DIRETO QUE NÃO SE CONFUNDE COM O COMPARTILHAMENTO. EVIDÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DOS DADOS OBTIDOS E OS DELES DECORRENTES. 1. Caso em que o Relatório de Inteligência Financeira foi produzido a partir de solicitação direta da autoridade policial, sem autorização judicial, o que está em Documento eletrônico VDA46482057 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 28/03/2025 12:35:46 Publicação no DJEN/CNJ de 01/04/2025. Código de Controle do Documento: 87e78c3e-69b4-4e7f-855d-6230c0d15af7 desacordo com a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, firmada após ampla análise do acórdão proferido no julgamento do RE n. 1.055.941/SP (Tema 990). 2. Não se desconhece que as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal têm apresentado entendimentos divergentes sobre o assunto: enquanto a Segunda Turma, corroborando o posicionamento deste Superior Tribunal, adota postura mais restritiva; a Primeira Turma legitima a solicitação direta dos dados sigilosos. Diante da falta de uniformidade, contudo, não há óbice a que esta Corte continue aplicando a jurisprudência firmada por sua Terceira Seção, até que haja a definição final. 3. Recurso provido para reconhecer a ilicitude do Relatório de Inteligência Financeira solicitado diretamente pela autoridade policial ao COAF, com a consequente determinação de desentranhamento. (RHC n. 203.578/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 7/11/2024 - grifamos). HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO OURANÓS. DEFLAGRAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA VERBAL SEGUIDA DE INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES. PLAUSIBILIDADE VERIFICADA. CABIMENTO DA INSTAURAÇÃO, INCLUSIVE EX OFFICIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. SOLICITAÇÃO DIRETA DE RELATÓRIOS DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DA SEXTA TURMA DO STJ. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO DOS RELATÓRIOS E ELEMENTOS DERIVADOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. IMPUTAÇÃO DE CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DETERMINAÇÃO EXPRESSA DO ART. 26 DA LEI N. 7.942/1986. INSTRUÇÃO PENDENTE. NÃO CABIMENTO DE ANÁLISE DO MÉRITO EM SEDE DE HABEAS CORPUS. ACESSO DA DEFESA AOS ELEMENTOS DE PROVA. PERDA DE OBJETO. DESENTRANHAMENTO DOS RIFS. ACESSO AOS ELEMENTOS DE INQUÉRITO ATESTADO PELA ORIGEM. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra decisão do TRF4 nos autos do HC 5002640- 96.2024.4.04.0000/SC, relativo a processo em curso na Seção Judiciária de Santa Catarina, alegando constrangimento ilegal por parte do tribunal. 2. O impetrante alega: (i) constrangimento ilegal por falta de acesso aos elementos de prova existentes (Súmula Vinculante n. 14/STF); (ii) ilegalidade na requisição direta de RIFs ao COAF pela autoridade policial; (iii) ilegalidade de tal proceder como medida inaugural da investigação, baseada em denúncia anônima verbal não levada a termo e relatório que não teria apontado elementos mínimos de prática delitiva, a configurar fishing expedition, e (iv) incompetência da Justiça Federal. 3. A jurisprudência desta Corte admite a deflagração da investigação criminal a partir de notícia anônima, desde que verificada a sua plausibilidade, mediante realização de diligências complementares antes da instauração do inquérito. Investigação preliminar verificada na espécie. Possibilidade de instauração, inclusive ex officio. Prejuízo não demonstrado. 4. O atual entendimento desta Sexta Turma - que leva em consideração, inclusive, a evolução do tema perante a Suprema Corte - não admite a solicitação direta de Relatório de Inteligência Financeira pela autoridade policial sem autorização judicial (RHC n. 203.578/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 05/11/2024, DJe de 07/11/2024). Devem os relatórios e os elementos deles derivados ser desentranhados dos autos. 5. A competência da Justiça Federal decorre de disposição expressa traçado no art. 26 da Lei n. 7.492/1986, descabendo na etapa processual em que se encontra o feito - não ultimada a instrução - a análise do mérito das imputações e eventual desclassificação, incompatíveis, ademais, com a estreiteza da via eleita. Deve, Documento eletrônico VDA46482057 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 28/03/2025 12:35:46 Publicação no DJEN/CNJ de 01/04/2025. Código de Controle do Documento: 87e78c3e-69b4-4e7f-855d-6230c0d15af7 ainda, ser considerada a independência entre as instâncias administrativa e criminal, não prejudicando tal conclusão eventual posicionamento da Comissão de Valores Mobiliários em procedimentos administrativos diversos (AgRg no CC n. 189.304/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 13/12/2023, DJe de 18/12/2023). 6. A Súmula Vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal estabelece ser direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Na espécie, houve a perda do objeto do pleito quanto aos RIFs, bem como se constatou na origem, com o recebimento da denúncia, determinação expressa de redução do sigilo do inquérito policial para o nível mais baixo (sigilo 1), o que possibilitou o amplo acesso às defesas dos réus. Nada a prover, no ponto. 7. Ordem concedida parcialmente para reconhecer a ilicitude da solicitação direta dos Relatórios de Inteligência Financeira pela autoridade policial ao COAF, bem como dos elementos deles derivados, cabendo ao Juízo de primeiro grau identificálos, procedendo ao seu desentranhamento, além de analisar se persiste a justa causa para o trâmite da ação penal na sua ausência. (HC n. 943.710/SC, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 23/12/2024 - grifamos).

Logo, diante da ilicitude dos Relatórios de Inteligência Financeira solicitados diretamente pela autoridade policial ao COAF, deve ocorrer o seu desentranhamento dos autos , bem como dos elementos deles derivados, nos termos do art. 157 e parágrafos do Código de Processo Penal:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1 São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2 Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).

Entre tais elementos, conforme pontuado na decisão colegiada recorrida, encontramse aqueles colhidos a partir das quebras de sigilo bancário e fiscal, bem como busca e apreensão, ambos objeto de questionamento no writ originário (fl. 1687):

6. Tampouco merece amparo o argumento de ausência de fundamentação nas decisões judiciais que deferiram as aludidas medidas de busca e apreensão e de quebra de sigilos, já que ambas foram fundamentadas nas informações colhidas através do RIF nº 89508.2.10298.12434, em que se noticiou movimentações financeiras suspeitas envolvendo o paciente.

Assim como nos precedentes citados, caberá ao Juízo de primeiro grau identificar tais elementos, procedendo ao seu desentranhamento, e analisar se persiste conjunto indiciário suficiente a justificar o prosseguimento do inquérito na sua ausência. Quanto ao trancamento do inquérito policial, diante da alegada ausência de justa causa, necessário observar ser tal providência excepcional, apenas admitida em hipóteses de flagrante ilegalidade, consoante linha jurisprudencial desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL . AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INDÍCIOS SUFICIENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1 . É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o "trancamento da ação penal, inquérito policial ou procedimento investigativo por meio do habeas corpus é medida excepcional. Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito" ( AgRg no HC n. 784.442/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 20/4/2023) . 2. Havendo indícios da existência dos crimes imputados ao agravante, visto que o paciente foi apreendido conduzindo veículo que teria sido objeto de furto anterior e com sinal identificador adulterado, estando pendente ainda a solução de maiores aprofundamentos sobre os fatos e as provas a eles relacionadas, revela-se prem aturo o trancamento do inquérito policial por ausência de justa causa. 3. Não constatada situação de investigação por fatos impossíveis de enquadramento típico, como no caso dos autos, é descabida a pretensão de trancamento do inquérito policial . 4. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 813642 SP Relator Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 28/08/2023, DJe 30/08/2023)

Desse modo, inviável o trancamento através via eleita. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso em habeas corpus para reconhecer a ilicitude da solicitação direta do Relatório de Inteligência Financeira pela autoridade policial ao COAF, bem como dos elementos derivados - entre eles a busca e apreensão e as quebras de sigilo fiscal e bancário -, cabendo ao Juízo de primeiro grau identificálos, procedendo ao seu desentranhamento, além de analisar se persiste conjunto indiciário suficiente para a persistência da tramitação do inquérito policial na sua ausência. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 28 de março de 2025. Ministro OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (Desembargador Convocado do TJSP) Relator

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 201846 - PI (2024/0279240-3) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

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