STJ Abr25 - Determinação para o TJES Conhecer e Processar Revisão Criminal :"negativa de prestação jurisdicional"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido liminar, impetrado em favor de JXXXXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Consta dos autos que o paciente foi condenado definitivamente à pena de 11 anos de reclusão, em regime fechado, mais pagamento de 1.000 dias-multa, como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
A defesa ingressou com revisão criminal, a qual não foi conhecida em decisão monocrática, tendo a Corte de origem conhecido e negado provimento ao agravo regimental respectivo.
Neste habeas corpus, alega o impetrante ausência de materialidade delitiva, visto que nenhum entorpecente foi apreendido nem periciado, estando a condenação do paciente baseada apenas em prints de conversas do aplicativo do Whatsapp.
Destaca ser firme o entendimento deste Tribunal Superior no sentido de que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para configuração do delito de tráfico de drogas.
Requer, assim, a concessão da ordem para determinar que o TJES conheça e julgue o mérito da ação revisional ou, alternativamente, para anular a condenação pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
É o relatório. Decido.
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Sob tal contexto, passo ao exame das alegações trazidas pela defesa, a fim de verificar a ocorrência de manifesta ilegalidade que autorize a concessão da ordem, de ofício.
A Corte de origem, ao negar provimento ao agravo interno, manteve a decisão que não conheceu da revisão criminal em decisão assim fundamentada:
"Inicialmente, saliento que a intangibilidade da coisa julgada, no processo penal, deve ceder ante os imperativos da Justiça, quando se está diante de um erro judiciário. Permite-se, portanto, pela revisão criminal, que o condenado possa pedir, a qualquer tempo, aos Tribunais, nos casos expressos em lei (ex vi do artigo 621, incisos I ao III, do Código de Processo Penal), que reexamine o processo já findo, a fim de ser absolvido ou beneficiado de alguma outra forma. Ocorre que a revisão criminal possui objetivos bem delimitados, motivo pelo qual não se presta, por si só, à realização de nova valoração de provas, visando à absolvição por insuficiência probatória ou à revisão da dosimetria da pena realizada com base na discricionariedade regrada do julgador. Em outras palavras, a revisão criminal não proporciona aos julgadores a amplitude do recurso de apelação, exigindo que o requerente apresente, com o pedido, elementos probatórios que descaracterizem o fundamento da condenação, erro técnico da sentença ou novas provas de circunstância que determine a absolvição ou autorize diminuição especial da reprimenda. Há, na verdade, uma inversão do ônus da prova, e os elementos probatórios devem ter poder conclusivo a demonstrar, cabalmente, a inocência do condenado ou a circunstância que o favoreça. Assim, em tema de revisão criminal, não basta que o peticionário se apoie em alguma dúvida para lograr o deferimento de sua pretensão. Ao contrário, só se admite a rescisão do decreto condenatório, prestigiada pela força da coisa julgada, com a prova firme e objetiva dos fatos alegados. Partindo dessa visão, o inciso I, do artigo 621, do Código de Processo Penal, permite a revisão dos processos findos quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos. Já o inciso II, do mesmo artigo, permite a revisão quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos e, por sua vez, o inciso III, do mencionado dispositivo legal, admite a ação revisional quando, após a sentença, descobrirem- se novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Nessa senda, no presente caso, pautado no inciso III, do mencionado artigo, o requerente objetiva a absolvição sustentando que “não há prova material para a condenação”, eis que o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é pela invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via Whatsapp Web. Contudo, da análise da exordial, resta evidente que a presente ação revisional foi interposta em razão do inconformismo da defesa do réu com a condenação que lhe fora imposta, possuindo, assim, clara intenção de reexame do mérito da causa, como se uma segunda apelação fosse. Isso pois, a defesa repete os pedidos já realizados em sede de recurso de apelação criminal, e já devidamente analisados e combatidos pela Desembargadora Elisabeth Lordes, relatora do recurso interposto nos autos da Ação Penal nº 0014137-25.2018.8.08.0012, que apreciou detalhadamente os pedidos de nulidade processual em razão de suposta apreensão ilegal do celular e da quebra de sigilo de dados, absolvição por insuficiência de provas, e redimensionamento da pena. A propósito, a respeito do que se postula na presente ação revisional, confira-se a análise já devidamente procedida pela Desembargadora Relatora da apelação criminal interposta nos autos originários: O apelante também alega nulidade processual decorrente da apreensão de seu celular e da quebra de sigilo dos dados. Consta nos autos que o Recorrente foi preso em 09/05/2018, no fórum de Vitória, em razão do mandado de prisão temporária expedido nos autos do processo n. 0005244-45.2018.8.08.0012, conforme decisão de fls. 158-159 e boletim unificado de fl. 165-167. Na oportunidade, foi encontrado um aparelho celular junto do Recorrente (fl.192), que teria sido entregue às autoridades com a autorização da advogada do réu, tendo o Delegado representado pela quebra do sigilo telefônico, o que foi deferido (fl.193 e 325-326). Saliento que somente após a autorização judicial, foi elaborado o laudo de fls. 338-358 evidenciando a traficância por parte do Recorrente. A despeito desses registros constantes no processo, o Apelante alega suposto abuso de autoridade, o que seria comprovado pela mídia de fl. 551-v. Sustenta que a representação para quebra de sigilo e o laudo pericial foram elaborados tão somente para aparentar a legalidade da medida, tendo em vista que o réu foi coagido a entregar o celular, que foi acessado antes da autorização judicial. Compulsando os autos, entendo que não restou demonstrada de forma efetiva a suposta ilegalidade na apreensão e análise do conteúdo do celular, tendo em vista que os diálogos gravados pela defesa referem-se a momento posterior ao da suposta apreensão ilegal. Com efeito, consta no relatório da polícia de fls. 253-ss que a apreensão do celular ocorreu na presença do advogado. A esposa do acusado, conquanto apresente versão distinta, afirma que a advogada esteve na delegacia após a apreensão do aparelho, mas não relata nenhuma conduta da defesa, caso a ilegalidade de fato existisse (fl.536). Em reforço, acato os judiciosos fundamentos expostos pelo juízo a quo: Complementando, a defesa juntou aos autos a mídia anexada às fls. 552-v, reveladora de um intenso diálogo ou discussão de pessoas (aparentemente o denunciado, autoridade policial, policiais e advogado) a respeito da apreensão, desbloqueio e acesso aos dados de um aparelho de telefone celular, supostamente de propriedade do réu. Nos diálogos, há um embate entre os interlocutores (identificados aparentemente como sendo as pessoas do réu, policiais e advogado); o réu categoricamente nega a autorização de acesso aos dados e com ênfase afirma que os policiais coagiram a sua esposa a entregar o aparelho de telefone celular, os policiais retrucam e também categoricamente dizem que o primeiro entregou o celular desbloqueado, autorizado pela sua advogada de nome Dra. Paloma. Observa-se pelo diálogo travado entre as pessoas mencionadas que aparentemente os policiais tiveram acesso limitado ou amplo ao conteúdo de conversas e mensagens armazenadas no aparelho antes de solicitarem a quebra do sigilo telefônico e de dados ao Juízo da 4ª Vara Criminal desta Comarca (fls. 358 e 552-v°); nesse sentido a defesa apresentou a questão preliminar, sustentando que a quebra do sigilo foi apenas para dar uma aparência de legalidade ao ato ilegal, que ofendeu o preceito da licitude para obtenção da prova. Os diálogos foram gravados na mídia constante nos autos em 23/04/2019, portanto, data distante dos interrogatórios do réu na fase pré-processual. Assim, sem que haja a realização de uma perícia no aparelho que originalmente gravou os diálogos não é possível saber com exatidão a data em que efetivamente ocorreram os fatos, se antes ou depois da autorização judicial e se não ocorreu a edição da mídia com cortes e acréscimos. O réu prestou várias declarações a autoridade policial (fls. 39 e 330), sendo que a última foi prestada em 26/06/2018, em que se fazia acompanhar de advogado e os registros são semelhantes ao conteúdo do diálogo gravado na mídia de fls. 552-v, ou seja, posterior a data da autorização judicial, que ocorreu em 22/05/2018 (fls. 193). E mais, nota-se que a prova impugnada pela defesa foi produzida mediante autorização do juízo da 4ª Vara Criminal desta Comarca nos autos do inquérito policial que apurou a morte do cidadão Heverte Silva Santos, crime imputado ao réu no processo de nº 0005244452018.8.08.0012 (fls. 244, 254, 174/184, 191/193, 253/255, 263/279, 280/281, 328). A defesa não comprovou se a prova foi anulada no juízo original que autorizou a produção e efetuou o controle da legalidade, bem como não comprovou a existência de coação para entrega do aparelho de telefone celular à autoridade policial e o ônus da prova cabe a quem alega nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal. A afirmativa da companheira do réu e a mídia juntada aos autos encontram-se isolada no conjunto probatório e é insuficiente para levar ao afastamento da prova produzida nos autos de outro processo e devidamente autorizada pelo juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Cariacica-ES (fls. 536) e emprestada a este feito. Ademais, ainda que se admita a ilicitude do desbloqueio e imediato acesso aos dados do telefone sem a prévia autorização judicial, esta circunstância não tem o condão de contaminar as demais provas, estas não tem nexo de causalidade com as informações extraídas do telefone, foram obtidas por intermédio de fontes independentes, como as oitivas das testemunhas ouvidas na fase do inquérito policial em data anterior e posterior a apreensão do citado aparelho. Nesse sentido, o boletim de ocorrência policial que noticiou o crime de homicídio do cidadão Heverte Silva dos Santos (conhecido pelo apelido de Vitão) e o primeiro relatório produzido nos autos ainda na fase inicial de investigação apontava a vítima como sendo o gerente do réu nas atividades de tráfico de drogas, fazia alusão ao nome do denunciado como autor do delito e que a morte se deu em decorrência de guerra travada pelos traficantes, documentos produzidos em 21 e 22/07/2015 (fls. 09 e 21). O réu foi interrogado na fase policial em 22/10/2015; a testemunha preservada foi ouvida 23/05/2017; o relatório de investigação foi lavrado em 26/03/2018; a linha telefônica do réu estava com o sigilo quebrado por ordem judicial desde 24/05/2015 (operação brack line); relatório de investigação policial lavrado em 23/05/2017, todos produzidos em data anterior a apreensão do aparelho de telefone celular (fls. 39, 86, 93/104, 253/281). Portanto, não prosperam os argumentos de ilegalidade da prova produzida, razão pela qual também rejeito a nulidade. Desse modo, conforme já delineado, a revisão criminal, ao contrário do pretendido pela defesa do requerente, não pode se prestar como mero instituto de reanálise das provas, como se fosse uma segunda apelação, devendo ser admitida de forma excepcional, quando restar demonstrado erro judiciário ou nulidade no julgamento procedido. [...] Logo, tendo em vista que as alegações formuladas pelo revisionando não se amoldam à hipótese de admissibilidade descrita no inciso III, do artigo 621, do Código de Processo Penal, ou mesmo às demais previsões (incisos I e II, do referido dispositivo legal), tendo a clara intenção de forçar um novo reexame da sentença prolatada e do acórdão que manteve a sua condenação, incabível o conhecimento da ação revisional" (e-STJ, fls. 28-39)
Conforme se verifica do excerto, o Tribunal de origem não conheceu da revisão criminal por não verificar a ocorrência das hipóteses descritas no art. 621 do Código Penal, visto que a defesa não logrou demonstrar nenhuma incongruência nem trouxe qualquer elemento inovador capaz de alterar o resultado do julgado, limitando-se a buscar o simples reexame de teses já arguidas e apreciadas, exaustivamente, na sentença condenatória.
No entanto, observa-se que a tese suscitada pela defesa no pedido revisional, qual seja, a ausência de materialidade delitiva pela não apreensão de drogas e, consequentemente, inexistência de laudo toxicológico definitivo nos autos, não foi objeto de análise pela Corte de origem no exame do acórdão impugnado.
Nesse contexto, sob pena de negativa de prestação jurisdicional, faz-se necessário que o pleito seja analisado pelo Tribunal a quo sob o enfoque em que foi apresentado na ação revisional quanto à ilegalidade da condenação do paciente pelo delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, sem a apreensão de drogas a serem periciadas para comprovar a materialidade delitiva, a qual não pode ser suprida por outros meios de prova. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. AJUIZAMENTO DE 3 REVISÕES CRIMINAIS NA ORIGEM. TODAS ARQUIVADAS SEM PRÉVIO EXAME. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO NA ORIGEM. SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO, PARA QUE SEJA CONHECIDA A REVISÃO CRIMINAL NA ORIGEM. 1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Nenhuma das três revisões criminais ajuizadas pelo paciente foi conhecida. A primeira foi arquivada em virtude de manifestação da Defensoria Pública, no sentido de estarem ausentes os requisitos de admissibilidade, a segunda foi arquivada em face de a primeira estar sendo processada e a terceira foi arquivada por já ter sido apreciada a primeira. Contudo, ainda que seja incabível o pleito, cabe ao Poder Judiciário proferir decisão nesse sentido, após efetivamente conhecer e julgar a revisão criminal ajuizada pelo paciente/impetrante. Ademais, antes de ajuizar revisão criminal, o paciente/impetrante impetrou, perante a Corte local, habeas corpus, cujo pleito não foi conhecido, em virtude de ser substituto de ação revisional. Dessarte, a irresignação do paciente/impetrante não foi conhecida pela Corte local nem por meio do mandamus nem por meio da revisão criminal, o que revela negativa de prestação jurisdicional. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para que o Tribunal de origem conheça da revisão criminal do paciente/impetrante e a julgue como entender de direito. (HC n. 287.626/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 1º/6/2016).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que conheça da Revisão Criminal n. 5010075-77.2024.8.08.0000, julgando-a como entender de direito. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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