STJ Abr25 - Execução Penal - Livramento Condicional Concedido - Fundamento Inidôneo: "gravidade abstrata do delito cometido, a longevidade da pena e a prática de falta grave há mais de 10 anos"

 

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de PAXXXXXX no qual se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Agravo em Execução n. 0002308-57.2025.8.26.0996).

Depreende-se dos autos que o Juízo da execução deferiu o pedido de livramento condicional formulado em benefício do ora paciente. Interposto agravo em execução pelo Ministério Público, a Corte estadual deu provimento ao recurso para cassar a decisão agravada, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ fl. 18):

AGRAVO EM EXECUÇÃO - LIVRAMENTO CONDICIONAL - RECURSO MINISTERIAL - IRRESIGNAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO - PROVIMENTO - Tendo em vista a excepcionalidade do presente caso, não havendo evidências seguras da assimilação da terapêutica penal pelo agravado, não é possível e prudente propiciar o seu retorno ao convívio social, sem que se tenha certeza de que ele possui condições de se reinserir na sociedade e não voltará a delinquir, sendo, in casu, prematura a concessão de benefício. Recurso provido.

Na presente impetração, a defesa alega, em síntese, que o paciente preenche os requisitos objetivo e subjetivo para o livramento condicional, não podendo representar obstáculo ao deferimento do pedido a gravidade abstrata do delito cometido, a longevidade da pena e a prática de falta grave há mais de 10 anos. Ao final, requer, liminarmente e no mérito, a manutenção do benefício.

É o relatório. Decido.

A controvérsia refere-se ao preenchimento do requisito subjetivo para a concessão de livramento condicional. Nos termos do que dispõem os arts. 83 do Código Penal e 112 da Lei de Execução Penal, o apenado deverá cumprir os requisitos de natureza objetiva e subjetiva para o deferimento do referido benefício. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, ou mesmo pelo Tribunal de origem, com base nas peculiaridades do caso concreto e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justificaria o indeferimento tanto do pleito de progressão de regime prisional quanto do de concessão de livramento condicional pelo inadimplemento do requisito subjetivo.

No caso sob exame, transcrevo a fundamentação exposta pela Corte estadual para dar provimento ao agravo em execução ministerial e indeferir o pedido de livramento condicional (e-STJ fls. 21/24):

[...] no presente caso, há situação excepcional, que justifica uma maior cautela e o indeferimento, por ora, do benefício pretendido. Com efeito, muito embora o atestado de comportamento carcerário de fls. 34 informe que o agravado possui bom comportamento durante a execução da pena, observa-se que ele, reincidente, cumpre pena privativa de liberdade total de 16 anos, 10 meses e 21 dias, pela prática de um delito previsto no artigo 306 da Lei nº 9.503/97 e três delitos de roubo majorado, os quais revelam especial gravidade, cometidos mediante violência ou grave ameaça contra pessoa; bem como cometeu uma falta disciplinar de natureza grave, consistente em não retorno da saída temporária do dia das crianças (fls. 35/40). Ademais, ainda, conforme determina o parágrafo único do artigo 83 do Código Penal, tratando-se de sentenciado condenado por crimes dolosos, cometido mediante violência ou grave ameaça, a concessão do livramento condicional fica subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir, o que não está evidenciado nos autos, de forma segura. [...] Ademais, in casu, verifica-se que o agravado foi beneficiado com a progressão ao regime semiaberto apenas em 19.07.2024 (fls. 27/28), data bastante recente, oportunidade em que foi também analisado e restou indeferido o benefício de livramento condicional, conforme recomendado pelo relatório conjunto de avaliação, exarado em 12.06.2024 (fls. 08/09), de forma que, analisando- se tal informação em conjunto com aquelas já mencionadas, não se pode concluir, neste momento, pela assimilação terapêutica penal do agravante. [...] Destarte, tendo em vista a excepcionalidade do presente caso, ante as circunstâncias dos crimes dolosos pelos quais o sentenciado se viu condenado, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, bem como o fato dele ter praticado falta disciplinar de natureza grave, não havendo evidências seguras da sua assimilação terapêutica penal, não é possível e prudente propiciar o retorno do ora agravado ao convívio social, sem que se tenha certeza de que ele possui condições de se reinserir na sociedade e não voltará a delinquir, o que, no caso em questão, à toda evidência, não está demonstrado, por si só, pelo atestado de conduta carcerária, diante das peculiaridades do caso e das condições pessoais do sentenciado. Cumpre salientar que a pena tem como um de seus objetivos a ressocialização do condenado e este tem todo prazo da condenação para tentar se afastar da criminalidade. Dessa forma, uma prematura concessão de benefício, além de subtrair o tempo necessário à reflexão do condenado, somente se presta para desacreditar e desprestigiar o sistema jurídico-punitivo do Estado. Sendo assim, forçosa a conclusão de que o sentenciado não preenche os requisitos para alcançar o livramento condicional, pois não está preparado para reintegrar-se à sociedade, devendo, por ora, cumprir pena em regime de moderada fiscalização, o semiaberto, como vem fazendo. Cabe ressaltar, neste ponto, que, em matéria de execução penal, deve prevalecer o princípio in dúbio pro societate, pois só deve ser promovido à modalidade mais branda quem, inequivocamente, demonstre se achar capacitado a se reintegrar à sociedade sem lhe oferecer riscos. Dessa forma, no presente caso, inviável, por ora, a concessão do livramento condicional.

Como se observa, para indeferir o pleito de livramento condicional, o Tribunal de origem se fundamentou apenas na gravidade em abstrato dos delitos, na longevidade da pena e na existência de uma falta grave, que já se afigura antiga, pois praticada em 20/10/2014 (e-STJ fl. 38).

No entanto, tais elementos, por si sós, não se revelam idôneos a fim de afastar o benefício, não se vislumbrando no ato coator a indicação de comportamento desabonador do apenado apto a justificar a existência de dúvida quanto ao preenchimento do requisito subjetivo da benesse, sobretudo diante da ausência de registro recente de falta disciplinar.

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça entende ser ilegal a exigência de passagem ou permanência por determinado tempo em regime intermediário para efeito de concessão de livramento condicional. Sobre a matéria, confiram-se os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO OBJETIVO ALCANÇADO. FALTA GRAVE REABILITADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp n. 1.970.217/MG, sob o rito do recurso especial repetitivo, Rel. para o acórdão Min. Ribeiro Dantas, finalizado em 1º/6/2023 (Tema n. 1.161), fixou a tese de que, "a valoração do requisito subjetivo para concessão do livramento condicional - bom comportamento durante da execução da pena (art. 83, inciso III, alínea "a", do Código Penal) - deve considerar todo o histórico prisional, não se limitando ao período de 12 meses referido na alínea "b" do mesmo inciso III do art. 83 do Código Penal". 2. A gravidade abstrata dos crimes praticados pelo apenado e a longa pena a cumprir não são fundamentos idôneos para afastar o benefício de livramento condicional. De igual forma, faltas graves muito antigas não justificam a negativa da benesse ou a produção de prova pericial, uma vez que não refletem a avaliação contemporânea do efetivo cumprimento da pena pelo condenado. 3. Não foi mencionada circunstância pessoal negativa do apenado ou comportamento desabonador durante a execução da pena, a justificar alguma dúvida quanto ao requisito subjetivo do livramento condicional. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.383.456/RN, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1/10/2024, DJe de 7/10/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL DEFERIDO PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU. DECISÃO CASSADA PELO TRIBUNAL REVISOR. REQUISITO SUBJETIVO. FALTA GRAVE ANTIGA, GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS E LONGA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AGRAVO REGIMENTAL D ESPROVIDO. 1. Hipótese em que o Juízo das Execuções Penais, em 04/05/2023, deferiu o pleito de livramento condicional ao Paciente (fls. 36-37), que cumpre a pena de 14 (catorze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, pela prática dos delitos de roubo majorado, receptação, tráfico privilegiado e adulteração de sinal identificador de veículo, com termo final previsto para o dia 04/07/2031, decisão que foi reformada pelo Tribunal estadual. 2. Esta Corte Superior de Justiça firmou orientação no sentido de que a gravidade abstrata dos crimes praticados e a longa pena a cumprir pelo Apenado, bem como as faltas disciplinares antigas e reabilitadas não constitui fundamentação idônea a justificar o indeferimento de benefícios no âmbito da execução penal. 3. No caso, conforme guia de execução de pena, a referida infração disciplinar ocorreu em 28/04/2020, e reabilitada em 27/05/2021, ou seja há mais de três anos, não constando nenhum registro posterior de falta disciplinar. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 876.646/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 15/3/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. AUSÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. FALTAS GRAVES ANTIGAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É assente nesta Corte Superior de Justiça que "faltas disciplinares muito antigas [...] não podem impedir, permanentemente, a progressão de regime e o livramento condicional, pois o sistema pátrio veda as sanções de caráter perpétuo", além de ser "desarrazoado admitir que falhas ocorridas há vários anos maculem o mérito do apenado até o final da execução" (AgRg no HC 620.883/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 7/12/2020, DJe 18/12/2020). 2. No caso, a Corte local cassou a decisão que concedeu o livramento condicional ao paciente utilizando-se de fundamentação inidônea, relativa ao cometimento de uma falta disciplinar, de natureza grave, antiga - posse de celular e componentes. 3. Decisão monocrática que deve ser mantida, a fim de restabelecer o deferimento do benefício ao paciente pelo Juízo de primeiro grau. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 828.457/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023.) HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE PROGRESSÃO PARA O REGIME SEMIABERTO E CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. INDEFERIMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. DECISÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL A QUO. FALTAS GRAVES ANTIGAS JÁ REABILITADAS LAUDO COM CONCLUSÕES ABSTRATAS. CUMPRIMENTO DE MAIS DE 93% (NOVENTA E TRÊS POR CENTO) DA PENA EM REGIME FECHADO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS E IDÔNEOS PARA A NEGATIVA DOS BENEFÍCIOS. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. [...] 7. Quanto ao livramento condicional, é pacífica a orientação desta Corte Superior no sentido de que: a) não há obrigatoriedade de o sentenciado cumprir regime intermediário para obter o benefício do livramento condicional, diante da inexistência de previsão legal no art. 83 do Código Penal; e b) a gravidade abstrata dos crimes praticados, a longa pena a cumprir pelo apenado e a existência de faltas graves muito antigas e já reabilitadas não constituem fundamentação idônea a justificar o indeferimento de benefícios no âmbito da execução penal. 8. Considerando todo o contexto narrado, já tendo havido a reabilitação das faltas graves antigas (cometidas há mais de 8 anos), mostrando-se abstratas e insuficientes as ressalvas feitas pelo juízo primevo para se concluir pelo indeferimento dos pleitos, e, especialmente o apenamento substancial até então suportado pelo Penitente em regime mais gravoso, entendo que o Paciente faz jus à obtenção de ambos os benefícios - progressão de regime e livramento condicional -, como forma de se garantir o princípio da concreta ressocialização gradual do Apenado. 9. Ordem de habeas corpus concedida para determinar a imediata progressão do Paciente para o regime semiaberto e a concessão do livramento condicional. (HC n. 820.880/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 2/10/2023, grifei.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL. GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. NECESSIDADE DO APENADO PASSAR PELO REGIME INTERMEDIÁRIO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na hipótese dos autos, resta evidenciada a inidoneidade da fundamentação utilizada na origem pois, nos termos do entendimento desta Corte, "não há obrigatoriedade de o apenado passar por regime intermediário para que obtenha o benefício do livramento condicional, ante a inexistência de previsão no art. 83 do Código Penal" (RHC 116.324/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 18/9/2019). 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 702.072/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 26/11/2021, grifei.)

Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o restabelecimento da decisão na qual o Juízo da execução concedeu o livramento condicional ao paciente. Publique-se. Intimem-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 992681 - SP (2025/0111777-1) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 07/04/2025)

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