STJ Abr25 - Perda de Cargo Público Anulada - Ausência de Fundamentação e Aplicação Automáticas da Condenação São Ilegais : Tipo Penal - Feminicídio - Ferimento ao Art. 315 do CPP
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO Trata-se de agravo interposto por AXXXXXXXXXX PUPIM contra a decisão que inadmitiu o recurso especial, oriundo de acórdão exarado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS, assim ementado (e-STJ fls. 1.434-1.435):
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. 1 – Não há se falar em contrariedade às provas dos autos quando a decisão do Conselho de Sentença, tomada pelo prisma da íntima convicção de seus integrantes, encontra-se fulcrada em uma das versões do conjunto probatório, refutando-se as teses sustentadas pela defesa e a acolhendo a pretensão condenatória do Ministério Público. PERDA CARGO/FUNÇÃO PÚBLICA. MANTIDA. 2 – Em um contexto em que o réu atuou em confronto com os fins objetivos e legítimos da Administração e incorreu em infidelidade funcional, está justificada a grave penalidade de perdimento do cargo público. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Consta dos autos que o agravante foi condenado pelo Tribunal do Júri como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, VI, do CP (com redação vigente à época dos fatos), à pena privativa de liberdade de 14 (quatorze) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, acrescida da pena acessória de perda do cargo público, oportunidade em que, ex vi do art. 387, § 1º, do CPP, restou mantida sua segregação cautelar (e-STJ fls. 1.252-1.255). Na sequência, a Corte de origem negou provimento ao apelo defensivo (e-STJ fls. 1.422-1.436). Os embargos de declaração opostos pelo apenado foram rejeitados pelo Tribunal estadual (e-STJ fls. 1.483-1.492).
Nas razões do recurso especial, fundamentado na alínea "a" do permissivo constitucional, a Defesa aponta, de forma sucessiva: a) contrariedade aos arts. 3º e 155, ambos do CPP, conjugados à redação do art. 1º do CP (e-STJ fl. 1.540); Para tanto, assevera (num primeiro esquadro) que
o réu não foi sentenciado por homicídio agindo com recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal), tal como julgado pelo eg. TJGO, mas, sim, foi condenado por feminicídio (art. 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal) (e-STJ fl. 1.541).
Assim, por não se tratar de mero erro material (e-STJ fl. 1.545), alega prejuízo patente ao acusado, pois houve inovação no julgamento – da apelação pelo Tribunal a quo – sem que tenha havido possibilidade de contraditório (e-STJ fl. 1.548), porquanto julgado por fato diverso ao reconhecido pelo Conselho de Sentença (e-STJ fl. 1.547). b) menoscabo aos arts. 3º-A e 593, III, "d", ambos do CPP, c/c os arts. 23, II, 25, e 121, § 2º, VI, todos do CP (e-STJ fl. 1.539); Nessa senda, aduz que, em plenário, o Ministério Público e a Defesa requereram aos jurados o decote das três qualificadoras (e-STJ fl. 1.549). Reputa, assim, que a condenação do réu por feminicídio é manifestamente contrária à prova dos autos (e-STJ fl. 1.552) e afronta o sistema acusatório, não se atentando (ainda) o corpo de jurados para a evidenciada causa descriminante da legítima defesa (e-STJ fl. 1.552). Sinaliza, portanto, que, malgrado a condenação do increpado por homicídio qualificado (feminicídio), não há incidência da qualificadora no caso, pois as provas do autos são diametralmente opostas (e-STJ fl. 1.555), de modo que deveria ser responsabilizado apenas por homicídio simples (e-STJ fl. 1.558).
c) inobservância do art. 619 do CPP, pois, não obstante instado a se manifestar, [o] TJGO não apreciou teses e fatos imprescindíveis ao desfecho correto e justo do caso, quais sejam, (i) nuances do caso concreto, pois o recorrente não foi condenado por homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima; (ii) circunstâncias fáticas que permitiram anulação do júri e submissão a outro e, por fim, (iii) inovação na fundamentação (e-STJ fl. 1.561).
Nesses termos, pugna (em suma) pela anulação do maculado veredicto condenatório (a fim de que o acusado seja submetido a novo julgamento popular) ou, de forma residual, pela declaração de nulidade do acórdão de julgamento da apelação ou, ainda, do derradeiro (e silente) aresto recorrido, com efeitos desconstitutivos (ex tunc), a fim de que sejam sanadas as omissões suscitadas nos aclaratórios (e-STJ fl. 1.563). d) usurpação do art. 92, I, "b", do CP , c/c o art. 315, § 2º, do CPP, sob o argumento de que, a perda do cargo público do apenado não fora devidamente fundamentada, mas resultou de mero efeito automático da condenação (e-STJ fl. 1.559). Nesse contexto, à mingua de fundamentação específica, roga seja restabelecido o cargo ao RECORRENTE (e-STJ fl. 1.560) de Guarda Civil Metropolitano de Goiânia/GO. Contrarrazões pelo Parquet (e-STJ fls. 1.577-1.596).
O Tribunal a quo inadmitiu o apelo especial com base: a) na consonância entre o aresto recorrido e a jurisprudência aplicável em casos análogos, circunscritos ao descabimento de ofensa ao art. 619 do CPP quando pautada em mero inconformismo da parte, pois não se prestam os aclaratórios para forçada reapreciação da causa (e-STJ fl. 1.603); b) na incidência da Súmula n. 284/STF, justificada pela ausência de comando normativo do art. 1º do CP, c/c os arts. 3º e 155, ambos do CPP, para amparar a primeira tese recursal alhures (e-STJ fl. 1.603), e, por fim, c) na aplicação da Súmula n. 7/STJ (e-STJ fl. 1.604), extensiva às capitulações recursais remanescentes. Ao cabo, foi interposto agravo em recurso especial pela Defesa técnica (e-STJ fls. 1.614-1.625). Parecer do Ministério Público Federal, na forma dos arts. 62 e 64, X, ambos do RISTJ, pelo não conhecimento do agravo em recurso especial (e-STJ fls. 1.710-1.712 e e-STJ fl. 1.719).
É o relatório. DECIDO
De início, ao se cotejar a decisão de inadmissibilidade a quo (e-STJ fls. 1.602-1.604) e as razões do presente agravo (e-STJ fls. 1.614-1.625), depreende-se a ausência de (específica e pormenorizada) impugnação de um dos fundamentos consignados pela Corte local, delimitado nos seguintes termos (e-STJ fl. 1.603, grifamos):
No que concerne à alegação de omissão do embasamento fático, verifica-se que o entendimento adotado está em consonância com a jurisprudência, no sentido de que os embargos de declaração previstos no art. 619 do CPP têm por fim precípuo esclarecer ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão eventualmente existentes no acórdão embargado, não se prestando, por conseguinte, à reapreciação da causa, com alteração do respectivo resultado.
Na ocasião, em suas razões, constata-se que o agravante limitou-se a infirmar a não incidência da Súmula n. 284/STF (e-STJ fl. 1.620) e a inaplicabilidade da Súmula n. 7/STJ (eSTJ fl. 1.622). Impugnação, deficiente e inepta, que não atende aos ditames normativos de regência da via recursal eleita. Assim, conforme sublinhado pela Procuradoria-Geral da República,
O agravo, entretanto, não merece ser conhecido, a teor do art. 932, III, do CPC, pois não houve impugnação específica de todos os fundamentos da decisão de inadmissibilidade do recurso especial (e-STJ fl. 1.710, grifamos).
Com efeito, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou orientação no sentido de que a falta de oportuno ataque a "todos" os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial obsta – por ausência de dialeticidade – o conhecimento do agravo, nos termos do art. 932, III, CPC/2015, do art. 253, parágrafo único, I, do RISTJ e da Súmula n. 182/STJ, aplicável por analogia. A propósito:
[o] provimento judicial que não admite o recurso especial não é constituído por capítulos autônomos, mas, sim, por dispositivo único. Dessa forma, nas hipóteses tais como a presente, nas quais a parte Agravante não se insurge de maneira adequada contra qualquer um dos fundamentos que alicerçam a inadmissibilidade, é inviável conhecer do agravo em recurso especial na integralidade (EAREsp n. Documento eletrônico VDA46457418 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 28/03/2025 08:07:24 Publicação no DJEN/CNJ de 01/04/2025. Código de Controle do Documento: f54cc155-5d63-4b79-9b67-a99941f86750 746.775/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/9/2018, DJe de 30/11/2018, grifamos). PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. SÚMULA 182 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada impede o conhecimento do recurso, nos termos do que dispõe a Súmula 182 do STJ. 2. Na hipótese, o agravante deixou de refutar especificamente os fundamentos de inadmissão do recurso especial (no caso, Súmulas 7 e 83 do STJ), incidindo, portanto, o óbice da Súmula 182 do STJ. 3. "Não ultrapassado o juízo de admissibilidade dos recursos, inviável a análise das questões de mérito neles deduzidas" (AgRg no AREsp 1.534.025/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019). 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.628.916/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 17/6/2024, grifamos). AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO QUE NÃO INFIRMOU, DE FORMA ESPECÍFICA, O FUNDAMENTO DA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL (SÚMULA 83/STJ). VERIFICAÇÃO. OCORRÊNCIA. INADMISSIBILIDADE. IDÔNEA APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 69, VII, DO CPP. PEDIDO DE DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. RESTRIÇÃO AO FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PREFEITO MUNICIPAL. APLICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QO NA AP N. 937). 1. O recurso especial não foi conhecido em razão do óbice constante da Súmula 83 /STJ. 2. A insurgência não merece prosperar, haja vista o agravante não ter atacado, de forma específica, o fundamento da decisão agravada, incidindo, no caso, a Súmula 182/STJ. 3. O simples confronto entre os fundamentos da decisão agravada e as razões do agravo interno permitem afirmar que a parte agravante apresentou impugnação genérica, sem atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada. [...]. A ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada inviabiliza o conhecimento do agravo interno, nos termos do art. 1.021, § 1º, do CPC/2015. Incidência da Súmula 182/STJ: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.". (AgRg no REsp n. 1.486.448/RJ, Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º/2/2022). [...] 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.011.402/BA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 7/5/2024, DJe de 10/5/2024, grifamos).
Todavia, dando-se concretude ao indisponível e pétreo primado setorial da individualização das penas e numa percepção macroscópica do regramento processual subjacente – tangenciado pela vertical cogência do devido processo legal (em sua acepção material/substancial) –, verifica-se a presença, por este Tribunal da Cidadania, de flagrante ilegalidade passível de concessão da ordem ambulatorial de ofício, ex vi dos arts. 647-A e 654, § 2º, ambos do CPP, c/c o art. 203, inciso II, do RISTJ, pelo que se passa a expor. No tocante ao indigitado ultraje ao art. 92, I, "b", do CP, o Juízo singular, Presidente do Júri, ao prolatar a condenação do sentenciado, exortou (e-STJ fls. 1.252-1.254, grifamos):
Face, pois, à decisão soberana do Júri, fica o acusado ANDERSON GOMES PEDRO PUPIM, já qualificado, CONDENADO nos termos do artigo 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal. [...] Destarte, como efeito extrapenal específico da condenação, condeno o réu Anderson Gomes Pedro Pupim à perda do cargo de guarda civil metropolitano de Goiânia, conforme artigo 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal. Nesse contexto, é possível a incidência do efeito da condenação em qualquer crime, bastando a presença de dois requisitos: a) natureza da pena ser privativa de liberdade e b) quantidade da pena ser superior a 4 (quatro) anos, sendo que a possibilidade de perda do cargo público não precisa vir prevista na denúncia, pois decorre de previsão legal expressa, como efeito da condenação. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: A possibilidade de perda do cargo público não precisa vir prevista na denúncia, posto que decorre de previsão legal expressa, como efeito da condenação, nos termos do artigo 92 do Código Penal" (STJ: HC 81.954/PR, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 29.11.2007). Após o trânsito em julgado, oficie-se à Agência da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia, informando da condenação e da perda da função pública do réu Anderson Gomes Pedro Pupim. O Tribunal goiano, por sua vez, ao julgar o recurso de apelação exclusivo da Defesa, saneou/convalidou (e-STJ fls. 1.432-1.433, grifamos) a fundamentação inaugural: Por fim quanto ao pedido de exclusão da condenação à perda do cargo público de Guarda Civil Metropolitano, vê-se que não merece prosperar, senão vejamos. Concernente a questão, o Presidente do Júri consignou o seguinte: Destarte, como efeito extrapenal específico da condenação, condeno o réu Anderson Gomes Pedro Pupim à perda do cargo de guarda civil metropolitano de Goiânia, conforme artigo 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal. Nesse contexto, é possível a incidência do efeito da condenação em qualquer crime, bastando a presença de dois requisitos: a) natureza da pena ser privativa de liberdade e b) quantidade da pena ser superior a 4 (quatro) anos, sendo que a possibilidade de perda do cargo público não precisa vir prevista na denúncia, pois decorre de previsão legal expressa, como efeito da condenação". No caso, tem-se que o apelante era funcionário público ao tempo da infração e praticou condutas em evidente violação de seus deveres profissionais. Desta feita, inegável que o efeito secundário referente a perda do cargo que ocupa é consequência lógica da condenação criminal, mormente porque a pena privativa de liberdade aplicada foi superior a 1 (um) ano, conforme exige o artigo 92, inciso I, alínea "b" do Código Penal. Ademais, cabe mencionar que o comportamento do réu, devidamente relatados pelas testemunhas, tendo como vítima sua companheira, agredindo-a e sendo responsável por seu óbito, certo que agiu com grande violência, mesmo quando a vítima se fazia acompanhada de seu filho menor de sete anos de idade Documento eletrônico VDA46457418 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 28/03/2025 08:07:24 Publicação no DJEN/CNJ de 01/04/2025. Código de Controle do Documento: f54cc155-5d63-4b79-9b67-a99941f86750 surpreendendo-o de forma que impossibilitou qualquer tentativa de defesa, indicam que, aparentemente, há algum desajuste de personalidade que se apresenta absolutamente incompatível com a função exercida por ele (agente civil metropolitano), inviabilizando sua permanência nos quadros da Administração. Não se pode perder de vista o dever de lealdade exigido de todo servidor público, que deve se identificar com os interesses superiores do Estado. Em um contexto em que os insurrectos atuaram em confronto com os fins objetivos e legítimos da Administração e incorram em infidelidade funcional, está justificada a grave penalidade de perdimento do cargo público. Assim, considerando que a sentença, de forma motivada, declarou a perda do cargo público, em razão da conduta e esta não deixa de estar vinculada a função exercida, deve tal posicionamento ser referendado por esta Corte. Em introito, não se olvida esta Relatoria que a [p]erda do cargo público não precisa vir prevista na denúncia, posto que decorre de previsão legal expressa, como efeito da condenação, nos termos do artigo 92 do Código Penal (STJ, HC n. 81.954/PR, 6.ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA, DJ de 17/12/2007) (AgRg no AREsp n. 961.430/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/12/2018, DJe de 14/12/2018). Ademais, segundo ordinário entendimento perfilhado por este Sodalício, [o] princípio da ne reformatio in pejus, o juízo ad quem não está vinculado aos fundamentos adotados pelo juízo a quo, somente sendo obstado no que diz respeito ao agravamento da pena, inadmissível em face de recurso apenas da Defesa. Inteligência do art. 617 do Código de Processo Penal" (HC 142.443/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 15/12/2011, DJe 2/2/2012). [...] (HC 350.837/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 28/6/20 16, DJe 1º/8/2016) (AgRg no HC n. 916.307/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 17/6/2024).
Em acréscimo, também não se descuida o Tribunal da Cidadania que a Lei n. 14.994 /2024 (pacote antifeminicídio), ao derrogar o art. 92 do CP, estatuiu (grifamos):
Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. [...] b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. [...] § 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença pelo juiz, mas independem de pedido expresso da acusação, observado o disposto no inciso III do § 2º deste artigo. § 2º Ao condenado por crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A deste Código serão: [...] III – automáticos os efeitos dos incisos I e II do caput e do inciso II do § 2º deste artigo.
Entrementes, no caso vertente – não obstante a condenação do sentenciado pelo crime de feminicídio (atualmente capitulado no art. 121-A do CP), por se tratar de novatio legis in pejus, ex vi do art. 2º do referido diploma –, tem-se por impositiva (pela segurança jurídica subjacente) a aplicação ultra-ativa do regramento anterior vigente à época dos fatos, sucedidos em 1º de janeiro de 2021 (e-STJ fl. 252). Realizadas as digressões preambulares acima, convém sublinhar que a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo não consubstancia, salvo as hipóteses de feminicídio, previstas no § 2º, III, do art. 92 do CP e do crime de tortura, (mero) efeito automático (ope legis) extrapenal específico da condenação (§ 1º), mas demanda – a cargo do Estado-julgador sentenciante – oportuna e estratificada fundamentação concreta, com regular exposição do nexo funcional incidente, hábil a justificar a necessidade e adequação da referida sanção ao sentenciado.
Nesse sentido: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA NÃO ATACADO NO AGRAVO REGIMENTAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - CPC/2015. CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. ART. 647-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. FLAGRANTE ILEGALIDADE. PERDA DO CARGO. ART. 92, I, A, DO CÓDIGO PENAL - CP. EFEITO NÃO AUTOMÁTICO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. EXTENSÃO DE EFEITOS DO ART. 580 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] 2. Com a nova inclusão ao Código de Processo Penal do art. 647-A, e seu parágrafo único, ainda que não conhecido o recurso, é possível a concessão da ordem de habeas corpus de ofício, desde que diante de flagrante ilegalidade ou teratologia. 2.1. No presente caso, verifica-se que a perda do cargo público foi fundamentada apenas com base no disposto no art. 92, I, a, do CP. Assim, "[...], não tendo o decreto condenatório, na espécie, apontado qualquer elemento específico do caso concreto para justificar a perda do cargo público, fazendo afirmação genérica e abstrata sobre a literalidade da disposição legal do art. 92, I, do Código Penal, evidenciada se encontra a ausência de fundamentos válidos para a aplicação da referida pena acessória (AgRg no HC n. 509.144/RJ, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 21/11/2019)" (AgRg no AREsp n. 1.937.485/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 18/4/2024). 3. Agravo regimental não conhecido, com a concessão da ordem de habeas corpus de ofício, com fundamento no art. 647-A, do CPP, para que seja afastado o efeito da condenação da perda do cargo do ora agravante C E G M, devendo tal ordem ser estendida aos demais corréus A B DE A e L G N, consoante o disposto no art. 580 do CPP. (AgRg no AREsp n. 2.461.377/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024, grifamos). Documento eletrônico VDA46457418 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 28/03/2025 08:07:24 Publicação no DJEN/CNJ de 01/04/2025. Código de Controle do Documento: f54cc155-5d63-4b79-9b67-a99941f86750 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CONCUSSÃO. PERDA DO CARGO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA E ESPECÍFICA. AFASTAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A perda do cargo público não é efeito automático da condenação, devendo ser concretamente motivada à luz dos requisitos do art. 92, inciso I, alínea a, do CP. Na hipótese dos autos, contudo, não foi apontada nenhuma fundamentação específica para justificar o afastamento do cargo dos agravados, pois a instância de origem se limitou a consignar a literalidade desse dispositivo, estando caracterizada, portanto, a ilegalidade apontada pela defesa. 2. Agravo regimental parcialmente desprovido. (AgRg no REsp n. 1.983.589/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 20/6/2024, grifamos).
Na espécie, dos excertos transcritos, depreende-se que o Juízo sentenciante condenou o réu à perda do cargo de guarda civil metropolitano de Goiânia/GO, ex vi do art. 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal (e-STJ fl. 1.254), de forma automática (ilegal), porquanto despida de qualquer fundamentação concreta (embasamento empírico). Contudo, ao julgar a apelação (exclusiva) da Defesa, o Colegiado estadual (e-STJ fls. 1.432-1.434), de forma saneadora, inseriu fundamentos (outrora inexistentes) à abstrata, desidratada e genérica sanção acessória inaugural imposta, em manifesto prejuízo à situação jurídica do sentenciado.
Assim, pela interpretação sistêmica dos arts. 2º e 92, I, "b", parágrafo único, ambos do CP (com redação vigente à época dos fatos) conjugada à dicção do art. 617 do CPP, não se afigura possível ao Tribunal ad quem, em recurso de apelação exclusivo da Defesa, sanear ou convalidar a sanção de perda de cargo público, quando despida (inicialmente) de qualquer fundamentação, nos termos dos arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, ambos do referido diploma, cuja cogência normativa vale conferir:
Art. 315 - Omissis (grifamos): [...] § 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...] V - em decorrência de decisão carente de fundamentação (grifamos).
Entendimento em sentido contrário representaria manifesta e insustentável afronta ao dever de fundamentação das decisões judiciais, bem como degeneração ao regramento da vedação à reformatio in pejus, ressalve-se, não restrito à contumaz hipótese (dosimétrica) de agravação da pena in concreto cominada pelo sentenciante inaugural.
Nessa linha de raciocínio, a Suprema Corte já pontuou que somente não constitui reformatio in pejus a utilização de fundamentos já constantes da sentença penal condenatória originária, sem piorar a situação do réu (STF, RHC n. 234.160, Relatora (a): Min. Cristiano Zanin, julgamento: 31/10/2023, publicação: 03/11/2023, grifamos). De igual sorte, ao se fazer necessária distinção entre fundamentos inexistentes e a inexorável possibilidade do Tribunal ad quem ratificar, substituir ou agregar (transmudar) novos fundamentos aos anteriores:
O amplo efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal, ainda que em julgamento de recurso exclusivo da Defesa, a reafirmar, infirmar ou alterar os fundamentos da sentença, desde que não agrave a situação final do réu (HC 231330 AgR, Relator(a): FLÁVIO DINO, Primeira Turma, julgado em 18-03-2024, Processo Eletrônico Dje-s/n Divulg 20-03-2024 Public 21-03-2024, grifamos). Em reforço: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 617 DO CPP. REFORMATIO IN PEJUS. EXAME QUE NÃO DEMANDA REEXAME FÁTICO. MERO COTEJO DE DISPOSITIVOS. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 2. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO. RÉUS PREJUDICADOS EM RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE. 3. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Na hipótese dos autos, a análise da alegada reformatio in pejus não demandou revolvimento de fatos e provas, tendo sido suficiente para sua constatação a leitura do dispositivo trazido na decisão de pronúncia em confronto com o dispositivo do acórdão recorrido. Dessarte, não há se falar em óbice do enunciado n. 7/STJ. 2. A proibição da reformatio in pejus, disciplinada no art. 617 do CPP, visa impedir que a situação do recorrente seja piorada em virtude do julgamento do seu próprio recurso, ainda que para correção de alegado erro material. [...] 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp n. 1.535.016/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 8/3/2021, grifamos).
Ante o exposto, não conheço do agravo em recurso especial, contudo, concedo a ordem, de ofício, na forma do art. 203, II, do referido diploma (RISTJ), c/c os arts. 647-A e 654, § 2º, ambos do CPP, para cassar a sanção acessória aplicada ao sentenciado (Anderson Gomes Pedro Pupim) de perda do cargo público de Guarda Civil Metropolitano de Goiânia/GO, inicialmente decretada (e-STJ fl. 1.254) à revelia do parágrafo único, I, "b", do art. 92 do CP (com redação vigente à época dos fatos), associada à dicção dos arts. 315, § 2º, I, II e III, 564, V, e 617, todos do CPP, mantido o aresto atacado nos demais termos. Publique-se e intimem-se. Brasília, 28 de março de 2025
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