STJ Abr25 - Quebra da Cadeia de Custódia - Crimes Sexuais Envolvendo Menores (arts. 241-A e241-B ECA) :"(i)Denúncia Baseada em prints da tela do telefone celular do Menor; (ii) Consecutiva Inépcia da Ação Penal por Ausência de Justa Causa - inexistência de prova válida - Art. 41 do CPP"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por J V M DOS S, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ no julgamento do Habeas Corpus n. 0050897-74.2024.8.16.0000. O recorrente foi denunciado pela prática dos crimes tipificados nos arts. 241-A e 241-B da Lei n. 8.069/1990. Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado (fl. 156):
"HABEAS CORPUS. CRIMES PREVISTOS NO ARTIGO 241-A E ARTIGO 241-B, AMBOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI FEDERAL N. 8.069/1990). PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. QUESTÕES DE ALTA DENSIDADE PROBATÓRIA. COGNOSCIBILIDADE RESTRITA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO CABAL DOS FATOS E DE SUAS CIRCUNSTÂNCIAS. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. TESE NULIDADE DECORRENTE DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM MÁCULA, ADULTERAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO DAS PROVAS. FASE INSTRUTÓRIA INCIPIENTE. COGNOSCIBILIDADE RESTRITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIA. ORDEM CONHECIDA E DENEGADA."
Nas razões do presente recurso, sustenta a inexistência de indícios mínimos de autoria, destacando a ilegalidade das provas extraídas de prints de aplicativo de mensagens, desprovidas de necessária perícia técnica para fins de validação da cadeia de custódia. Aduz que "a denúncia anônima, como forma de deflagrar investigação criminal, somente pode ser admitida quando associada a outro meio de prova" (fl. 175) - o que não ocorrera no caso em exame.
Defende a ineficiência da defesa técnica promovida por defensor dativo nomeado pelo juiz. Requer, em liminar e no mérito, o provimento do recurso para que seja trancada a ação penal ou, subsidiariamente, declaradas nulas e desentranhadas dos autos as mensagens telemáticas. Liminar indeferida às fls. 301/302.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento e não provimento do recurso, conforme parecer de fls. 316/323. É o relatório. Decido. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que somente é possível o trancamento de inquérito policial ou ação penal por meio de habeas corpus de maneira excepcional, quando de plano, sem a necessidade de análise fáticoprobatória, se verifique a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade ou de indícios da autoria ou, ainda, a ocorrência de alguma causa extintiva da punibilidade O Tribunal de origem, analisando o recebimento da denúncia, denegou a ordem de habeas corpus mediante a seguinte fundamentação (fls. 159/161):
No particular da ausência de justa causa, verificase ter a peça acusatória atendido os elementos elencados no artigo 41 do Código de Processo Penal. No presente estágio inicial da ‘ criminis’,persecutio a descrição das condutas delituosas praticadas pelo paciente está pormenorizadamente explicitada na denúncia (mov. 14.1, autos n. ), a qual, ainda, elucidou circunstâncias0011797- 68.2023.8.16.0026 marginais que delinearam os fatos criminosos, capitulou adequadamente as ações praticadas, qualificou seguramente o envolvido e apresentou rol de testemunhas pertinente. Atente-se, pois, não se trata de uma ação penal deflagrada em elementos prematuros, mas sim derivada de informações coletadas no inquérito policiai (mov. 1.1 a 1.9, 12.1, 13.1 – autos de origem), em que foram produzidos extensos elementos informativos que estão sob escrutínio na presente ação penal. É de rejeitar as teses de nulidade processual decorrentes das provas frágeis para a instauração do inquérito policial e a ausência de investigação preliminar, pois, como bem destacou o Desembargador Substituto Antônio Carlos Choma, em decisão liminar (mov. 12.1 – TJPR), “o oferecimento da denúncia prescinde do inquérito policial, que é elemento dispensável quando o órgão ministerial já possuir. elementos suficientes para o oferecimento da denúncia”. Conclui-se, por derradeiro, que a denúncia está devidamente lastreada nos elementos informativos colacionados aos autos da ação penal da origem e que evidenciam amplo suporte a respeito da prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria delitiva. Documento eletrônico VDA46653846 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 04/04/2025 19:11:14 Publicação no DJEN/CNJ de 08/04/2025. Código de Controle do Documento: 73f71a3d-9591-4dd4-b37c-de70adafe233 Outro não foi o entendimento da Eminente Procuradora de Justiça Ana Cristina Martins Brandao (mov. 21.1 – TJPR): Embora não se possa fazer previsões sobre o desfecho da ação penal nem analisar o conjunto probatório em profundidade, observa-se que as provas colhidas durante o inquérito policial são suficientes para sustentar, com segurança, a persecução penal. Os elementos de prova, que ainda precisam ser confirmados durante a instrução processual para a formação da convicção do Juiz, demonstram a materialidade e a autoria do delito em questão, não havendo razão para alegar ausência de justa causa para que fosse deflagrada a persecução penal, mesmo que de forma preliminar. Até o momento, os indícios de autoria e materialidade do delito estão presentes no Boletim de Ocorrência nº 2023/1210531 (mov. 1.1), Termo de Depoimento do genitor da vítima (mov. 1.3 e 12.1) e capturas de tela (mov. 1.7/1.9). Insta ressaltar que, nesta etapa processual, os elementos indiciários não precisam ser contundentes, eis que deverão ser confirmados em sede judicial, com observância do contraditório e da ampla defesa, da forma como acertadamente entendeu o Magistrado de piso. Assim, havendo indícios mínimos de autoria e materialidade, a deflagração (e continuidade) da ação penal é devida, eis que na fase pré-processual vigora o princípio in dubio pro societate. Aduz a impetrante nulidade decorrente da quebra da cadeia de custódia das provas colacionadas ao inquérito policial, o que afastaria a justa causa para a instauração da ação penal. No entanto, observa-se que inexistem quaisquer elementos de prova a corroborar com a alegações defensivas, pois, a uma, inexiste qualquer indício mínimo de prova a amparar a tese de que aqueles prints das mensagens teria sido objeto de adulteração ou fraude, a duas, o conjunto de provas colacionados ao inquérito policial não se restringem aos prints das mensagens recepcionadas, sendo corroborado, também, pelos depoimentos dos genitores da vítima. Ademais, a instrução probatória está apenas se iniciando, inclusive restou deferida, após a identificação do proprietário da linha (41 99939-0277), a oitiva do referido proprietário, bem como poderá ser deferida outra prova hábil a comprovar a veracidade das acusações. Logo, ao contrário do alegado pela defesa, não se vislumbra pela via estreita do ‘habeas corpus’ elementos probatórios suficientes a corroborar com a tese de quebra da cadeia de custódia, quiçá hábil a dar ensejo ao trancamento da ação penal." A respeito das características da prova digital, reporto-me ao voto por mim proferido no AgRg no HC 828.054-RN, julgado em 23/4/2024: "1. Um breve intróito sobre a cadeia de custódia da prova digital Conforme é cediço, o instituto da cadeia de custódia visa a garantir que o tratamento dos elementos probatórios, desde a sua arrecadação até a análise e deliberação pela autoridade judicial, seja idôneo e livre de qualquer interferência que possa macular a confiabilidade da prova. (arts. 158-A e segs. do CPP) Documento eletrônico VDA46653846 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 04/04/2025 19:11:14 Publicação no DJEN/CNJ de 08/04/2025. Código de Controle do Documento: 73f71a3d-9591-4dd4-b37c-de70adafe233 Importante pontuar que, diante da volatilidade dos dados telemáticos e da maior suscetibilidade a alterações, imprescindível se faz a adoção de mecanismos que assegurem a preservação integral dos vestígios probatórios, de forma que seja possível a constatação de eventuais alterações, intencionais ou não, dos elementos inicialmente coletados, demonstrando-se a higidez do caminho percorrido pelo material. Dessa forma, pode-se dizer que as provas digitais, em razão de sua natureza facilmente - e imperceptivelmente - alterável, demandam ainda maior atenção e cuidado em sua custódia e tratamento, sob pena de ter seu grau de confiabilidade diminuído drasticamente ou até mesmo anulado. Gustavo Badaró, neste sentido, leciona que: "Evidente que independentemente de qual procedimento técnico empregado, além de adequado segundo as melhores práticas, ele também precisará ser documentado e registrado em todas as suas etapas. Tal exigência é uma garantia de um correto emprego das operating procedures, especialmente por envolver um dado probatório volátil e facilmente sujeito à mutação. Além disso, exatamente pela diferença ontológica da prova digital com relação à prova tradicional, devido àquela não se valer de uma linguagem natural, mas digital, é que, como diz Pittiruti, uma cadeia de custódia detalhada se faz ainda mais necessária" (BADARÓ, Gustavo. A Cadeia de Custódia da Prova Digital. In: OSNA, Gustavo et. al. Direito Probatório. Londrina: Thoth, 2023, p. 179). De fato, a prova, enquanto meio de reconstrução histórica dos fatos objeto de apuração, deve ser capaz de revelar, com o máximo de precisão possível, os eventos tais como ocorreram, sob pena de potencialmente conduzir a um temerário distanciamento entre a realidade fática e o pronunciamento jurisdicional. Diante disso, Badaró visualiza dois cenários em que a inobservância da cadeia de custódia da prova digital, mais do que levar à desconfiança epistemológica sobre o meio de prova (campo da valoração probatória), conduzirá mesmo à sua desconsideração completa enquanto prova (campo da inadmissibilidade probatória). São eles: "o primeiro, quando não há qualquer documentação da cadeia de custódia; o segundo, quando não seja possível, minimamente, assegurar que o vestígio tenha potencial para o acertamento do fato" (BADARÓ, p. 183). Dito isso, mostra-se indispensável que todas as fases do processo de obtenção das provas digitais sejam documentadas, cabendo à polícia, além da adequação de metodologias tecnológicas que garantam a integridade dos elementos extraídos, o devido registro das etapas da cadeia de custódia, de modo que sejam asseguradas a autenticidade e a integralidade dos dados. A propósito: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORNOGRAFIA INFANTIL. ART. 241-B DO ECA. DADOS EXTRAÍDOS DE APARELHOS ELETRÔNICOS SEM O MENOR RIGOR TÉCNICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INADMISSIBILIDADE DA PROVA. PRECEDENTE DESTE COLEGIADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Documento eletrônico VDA46653846 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 04/04/2025 19:11:14 Publicação no DJEN/CNJ de 08/04/2025. Código de Controle do Documento: 73f71a3d-9591-4dd4-b37c-de70adafe233 1. A principal finalidade da cadeia de custódia, enquanto decorrência lógica do conceito de corpo de delito (art. 158 do CPP), é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. Isto é: busca-se assegurar que os vestígios são os mesmos, sem nenhum tipo de adulteração ocorrida durante o período em que permaneceram sob a custódia do Estado. 2. A falta de documentação mínima dos procedimentos adotados pela polícia no tratamento da prova extraída de aparelhos eletrônicos, bem como a falta de adoção das práticas necessárias para garantir a integridade do conteúdo, torna inadmissível a prova, por quebra da cadeia de custódia. Entendimento adotado por esta Quinta Turma no julgamento do AgRg no RHC 143.169/RJ, de minha relatoria, DJe de 2/3/2023. 3. Como decidimos naquela ocasião, "é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia. No processo penal, a atividade do Estado é o objeto do controle de legalidade, e não o parâmetro do controle; isto é, cabe ao Judiciário controlar a atuação do Estado-acusação a partir do direito, e não a partir de uma autoproclamada confiança que o Estado-acusação deposita em si mesmo". 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.342.908/MG, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMa, DJe de 26/2/2024.) 2. Um diálogo entre fontes De outro giro, sob a perspectiva do diálogo das fontes entre processo penal e processo civil, é oportuno ressalvar a pertinência da argumentação delineada pela defesa ao suscitar a inidoneidade de relatório de análise de extração de dados baseado em print screen de diálogos entre usuários de Whatsapp. Ainda que se considere que os atos promovidos por agentes públicos no âmbito de investigação preliminar apresentem legitimidade apriorística, subsiste a disposição do art. 422 do Código de Processo Civil – CPC, pelo qual qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida. Assim, o CPC dispõe, no § 1º do art. 422, que "[a]s fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia". Com mais razão, portanto, ao se tratar de investigação criminal, em que a exigência de autenticidade e integridade da potencial evidência digital é maior, o que vai exigir, minimamente, que "[a] autoridade policial responsável pela apreensão de um computador (ou outro dispositivo de armazenamento de informações digitais) deve copiar integralmente (bit a bit) o conteúdo do dispositivo, gerando uma imagem dos dados: um arquivo que espelha e representa fielmente o conteúdo original" (AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 2/3/2023). Documento eletrônico VDA46653846 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 04/04/2025 19:11:14 Publicação no DJEN/CNJ de 08/04/2025. Código de Controle do Documento: 73f71a3d-9591-4dd4-b37c-de70adafe233 3. Diretrizes técnicas sobre tratamento de evidências digitais, código hash e princípio da mesmidade Na esteira das preocupações com a garantia da autenticidade dos novos meios de prova, a Associação Brasileira de Normas Técnicas, desde o ano de 2013, estabelece na NBR ISO/IEC 2703 7:2013 diretrizes acerca do manuseio inicial de evidências digitais, o que compreende a sua identificação, coleta, aquisição e preservação. O referido documento técnico, embora não dotado de força obrigatória de lei, constitui relevante guia a ser observado pelos atores da persecução penal, a fim de assegurar, tanto quanto possível, a autenticidade da prova digital. Recomenda-se, na norma técnica, que o sujeito responsável pela aquisição e tratamento do material de interesse para uma investigação descreva, desde o início, toda a cronologia de movimento e manipulação da potencial evidência digital, convindo que o registro da cadeia de custódia contenha, no mínimo, informações sobre o identificador único da evidência; quem acessou a evidência, com registro de tempo e local; quem checou a evidência interna e externamente nas instalações de preservação da evidência, com respectivo registro de tempo e local; propósito de verificação da evidência; além de quaisquer alterações inevitáveis da potencial evidência digital, assim como o nome do indivíduo responsável para tanto e a justificativa para a introdução da alteração. Convém, assim, que o material epistemológico digital de interesse à persecução penal seja tratado mediante critérios bem definidos, que possibilitem a sua preservação, na maior medida possível, notadamente com explícita indicação de quem foi responsável pelo seu reconhecimento, coleta, acondicionamento, transporte e processamento, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito, notadamente com indicação da metodologia empregada e das ferramentas eventualmente utilizadas. A documentação de cada etapa da cadeia de custódia é fundamental, a fim de que o procedimento seja auditável. É dizer, as partes devem ter condições de aferir se o método técnico-científico para a extração dos dados foi devidamente observado (auditabilidade da evidência digital). Ainda, faz-se importante que a mesma sequência de etapas sempre redunde nos mesmos resultados, ou seja, que os mesmos procedimentos /instrumentos gerem a mesma conclusão (repetibilidade da evidência digital). Igualmente, ainda que sejam utilizados métodos diversos, os resultados devem ser os mesmos ( reprodutibilidade da evidência digital). Por fim, os métodos e procedimentos devem ser justificáveis, sob a ótica da melhor técnica (justificabilidade da evidência digital). Assim, pode-se dizer que a auditabilidade, a repetibilidade, a reprodutibilidade e a justificabilidade são quatro aspectos essenciais das evidências digitais, as quais buscam ser garantidas pela utilização da metodologia da ABNT. A ausência de quaisquer deles redunda em um elemento epistemologicamente frágil e deficiente, e, portanto, de valor probatório reduzido ou nulo. Tudo isso volta-se à tentativa de garantir o princípio da mesmidade, é dizer, a correspondência entre aquilo que foi colhido e aquilo que resultou de todo o processo de extração da prova de seu substrato digital, de forma a Documento eletrônico VDA46653846 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): JOEL ILAN PACIORNIK Assinado em: 04/04/2025 19:11:14 Publicação no DJEN/CNJ de 08/04/2025. Código de Controle do Documento: 73f71a3d-9591-4dd4-b37c-de70adafe233 assegurar a confiabilidade da prova ("ela é o que pretende ser"). Uma forma de observar o princípio da mesmidade é por meio da utilização da técnica de algoritmo hash. Como bem explana o Min. Ribeiro Dantas, em seu voto no AgRg no RHC n. 143.169/RJ: "Aplicando-se uma técnica de algoritmo hash, é possível obter uma assinatura única para cada arquivo - uma espécie de impressão digital ou DNA, por assim dizer, do arquivo. Esse código hash gerado da imagem teria um valor diferente caso um único bit de informação fosse alterado em alguma etapa da investigação, quando a fonte de prova já estivesse sob a custódia da polícia. Mesmo alterações pontuais e mínimas no arquivo resultariam numa hash totalmente diferente, pelo que se denomina em tecnologia da informação de efeito avalanche: [...]. Desse modo, comparando as hashes calculadas nos momentos da coleta e da perícia (ou de sua repetição em juízo), é possível detectar se o conteúdo extraído do dispositivo foi alterado, minimamente que seja. Não havendo alteração (isto é, permanecendo íntegro o corpo de delito), as hashes serão idênticas, o que permite atestar com elevadíssimo grau de confiabilidade que a fonte de prova permaneceu intacta." (AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 2/3/2023). Além da técnica do algoritmo hash, também deve ser utilizado um software confiável, auditável e amplamente certificado, que possibilite o acesso, a interpretação e a extração dos dados do arquivo digital. Em outras palavras: os instrumentos utilizados para promover a tradução dos dados digitais para uma linguagem compreensível devem ser conhecidos, confrontados e atestados, sob pena de colocar em risco toda a integridade do conteúdo de prova obtida."
No caso em análise, conforme se depreende do acórdão impugnado e das informações trazidas pela defesa, após a vítima e seus familiares terem procurado a delegacia de polícia para registro da ocorrência, prints da tela do telefone celular foram extraídos e juntados ao autos do inquérito policial que subsidiou a denúncia.
Desse modo, a partir da identificação da prova digital pela autoridade policial não foi seguido o adequado procedimento para a extração dos dados telemáticos que assegurem a higidez do conteúdo das conversas. De relevo trazer à baila o entendimento majoritário desta Quinta Turma no sentido de que “é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas.
É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia" (AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 2/3/2023).
Nessa mesma esteira, no âmbito doutrinário, Gustavo Badaró pontua que "[n]ão havendo documentação da cadeia de custódia, e não sendo possível sequer ligar o dado probatório à ocorrência do delito, o mesmo não deverá ser admitido no processo.
A parte que pretende a produção de uma prova digital tem o ônus de demonstrar previamente a sua integridade e autenticidade, por meio da documentação da cadeia de custódia. Sem isso, sequer é possível constatar sua relevância probatória" (BADARÓ, p. 183). Assim, inafastável a conclusão de que, in casu, não houve a adoção de procedimentos que assegurassem a idoneidade e a integridade dos elementos obtidos pela extração dos dados do celular. Assim, não cabe falar em demonstração de adulteração da prova digital para que esta seja invalidada.
Evidente, portanto, o prejuízo causado pela quebra da cadeia de custódia e a imprestabilidade da prova digital. Compulsando os autos, verifica-se que a denúncia foi ofertada contra o recorrente com fundamento exclusivo nos prints da conversa extraída do celular da mãe da ofendida com número de telefone até então de propriedade desconhecida, a qual se mostra imprestável ao processo.
De tal modo, a denúncia não preenche os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, pois deixou de apresentar quais elementos de prova válidos serviram para a formação da opinio delicti.
Por oportuno cumpre registrar a possibilidade de oferecimento de nova denúncia se produzida ou descoberta nova prova apta a indicar a autoria do delito. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, VIII, alínea c, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, dou provimento ao presente recurso em habeas corpus para declarar a nulidade das provas obtidas a partir de prints do celular da mãe da ofendida e determinar o trancamento da Ação Penal n. 0011797-68.2023.8.16.0026. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 04 de abril de 2025. JOEL ILAN PACIORNIK Relator
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