STJ Abr25 - Recusa do Juízo em Substituir a Pena em Regime Aberto em Restritiva de Direito - Ilegalidade :"Réu Primário e Circunstâncias Judiciais Favoráveis"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impetrado em favor de TIXXXXXX contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO na Apelação Criminal n. 0003354-50.2018.8.10.0001. Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 2 anos de reclusão, e 3 meses de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 230 dias-multa, pela prática dos delitos previstos nos arts. 312 e 319 do Código Penal.

O Tribunal a quo negou provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa, nos termos do acórdão assim ementado:

"PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. PREVARICAÇÃO. NULIDADE DE SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. DISCRICIONARIEDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TESTEMUNHA DE DEFESA. NÃO ARROLAMENTO EM MOMENTO OPORTUNO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INOCORRÊNCIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NÃO VERIFICAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. CORRETA AVALIAÇÃO DA SENTENÇA. CONFISSÃO INEXISTENTE NOS AUTOS. I – O acordo de não persecução penal é uma discricionariedade do Ministério Público, e não, direito subjetivo do investigado, de modo que não há hipótese de nulidade pela ausência de proposta. II - Cabe à defesa arrolar, previamente, as testemunhas que entende imprescindíveis à instrução do feito. Concluída a instrução, não pode o réu alegar indispensabilidade da oitiva de testemunha não arrolada oportunamente. III - O princípio da identidade física do juiz não é absoluto e acolhe exceções, entre as quais, o afastamento, por gozo de férias, do juiz que tenha presidido a instrução, tal como nestes autos. IV - As provas dos autos demonstram, inequivocamente, que o réu, na condição de Delegado de Polícia Civil, obstou o seguimento da investigação policial e se apropriou das mercadorias ilegais apreendidas. V - Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, tendo em vista que o réu não reúne as condições do art. 44 do Código Penal, notadamente em razão da culpabilidade e circunstâncias do crime. VI - Correta a ponderação do juízo sentenciante quanto à necessidade de perda da função pública, tendo em vista que o réu abusou do prestígio do seu cargo, no qual ocupava posição de comando, para cometer diversos crimes. VII – Apelação conhecida e desprovida." (fls. 143/144)

O impetrante sustenta, em síntese, que o paciente preenche todos os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal – CP. Ressalta que todas as circunstâncias judiciais foram consideradas favoráveis e o paciente é primário. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ às fls. 170/177.

É o relatório. Decido.

O presente habeas corpus não merece ser conhecido, pois impetrado em substituição a recurso próprio. Contudo, passo à análise dos autos para verificar a possível existência de ofensa à liberdade de locomoção do ora paciente, capaz de justificar a concessão da ordem de ofício. O Magistrado sentenciante, ao negar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consignou que (fl. 64):

"Deixo de operar a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, porque não estão reunidos nos autos os requisitos legais do artigo 44 do Código Penal." O Tribunal de origem manteve a negativa de substituição da pena sob os seguintes fundamentos: "'De fato, verifico que incorreu em erro a sentença ao não fundamentar, de forma específica, a inviabilidade da substituição, especialmente considerando que valorou favoravelmente todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. No entanto, destaco que o erro não se deu na vedação da substituição da pena privativa, mas sim na própria valoração das circunstâncias judiciais. Explico. No tocante à culpabilidade, constato que sua conduta evidencia reprovabilidade a extrapolar o tipo penal, pois o réu era delegado de polícia, cuja atribuição de ofício seria o combate ao crime e, além disso, exercia o posto de Superintendente Estadual de Investigações Criminais, posição de comando na estrutura da Polícia Civil. Indiferente a isso, aproveitou-se do cargo para cometer diversos delitos. Ademais, não só o réu praticara os crimes imputados como também, mediante sua conduta, obstou a investigação de outros delitos praticados por terceiros. As circunstâncias do crime também lhe são desfavoráveis, pois se utilizou da máquina pública para viabilizar e facilitar o delito. Induziu seu colega de trabalho a erro, permitiu a liberação de um indivíduo sem autuação do flagrante e ainda solicitou o encaminhamento da mercadoria apreendida, da cidade de Viana a São Luís, o que foi feito às custas do erário e escoltado por agentes policiais. Assim, verifico que o juízo sentenciante deveria ter exasperado a pena-base em razão da presença de duas circunstâncias desfavoráveis. Consequentemente, estaria devidamente justificada a impossibilidade de conversão da pena privativa de liberdade. Por óbvio, sendo o recurso exclusivo da defesa, não há como agravar a situação do réu, em razão do princípio non reformatio in pejus. Contudo, nada impede que o reconhecimento das duas circunstâncias judiciais que ora faço sirva para manter o afastamento da aplicação das penas substitutivas, vez que isso não implicará no agravamento da situação do apelante. [...] Os critérios para a avaliação da suficiência da substituição são representados pela culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do fato, todos previstos no art. 44, III, do Código Penal, que, neste particular, permaneceu inalterado. Dos elementos do art. 59 somente “as conse-quên-cias do crime” e o “comportamento da vítima” foram desconsiderados para a formação do juízo de suficiência. Considerando a grande elevação das hipóteses de substituição, deve-se fazer uma análise bem mais rigorosa desse requisito, pois será através dele que o Poder Judiciário poderá equilibrar e evitar eventuais excessos que a nova previsão legal poderá apresentar. Na verdade, aqui, como na suspensão condicional, o risco a assumir na substituição deve ser, na expressão de Jescheck, prudencial, e diante de sérias dúvidas sobre a suficiência da substituição esta não deve ocorrer, sob pena de o Estado renunciar ao seu dever constitucional de garantir a ordem pública e a proteção de bens jurídicos tutelados. (BITENCOURT, Cezar R. Tratado de Direito Penal 1 - Parte Geral. 27. ed. Editora Saraiva, 2021, p. 325)." (fls. 154/158)

Extrai-se dos autos que o Tribunal de origem afastou a substituição da pena considerando a valoração negativa de duas circunstâncias judiciais. Entretanto, o juízo singular fixou a pena-base no mínimo legal. Assim, diante do quantum de pena aplicado, inferior a 4 anos de reclusão, da primariedade do paciente e das circunstâncias judiciais favoráveis, mostra-se possível a substituição da sanção corporal por restritiva de direitos.

Nesse sentido:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. REDUTOR DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS ISOLADAMENTE. ELEMENTOS INSUFICIENTES PARA DENOTAR A HABITUALIDADE DELITIVA DA AGENTE. INCIDÊNCIA NA FRAÇÃO MÁXIMA (2/3). REGIME ABERTO. ADEQUADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A teor do disposto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas. 3. Esta Corte Superior vem se manifestando no sentido de que a quantidade e a natureza das drogas apreendidas, isoladamente consideradas, não constituem elementos suficientes para afastar a redutora do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, ao pretexto do agente se dedicar ao comércio espúrio. 4. Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a minorante com base apenas na quantidade e natureza das drogas apreendidas - 70 porções de maconha (95,5g), 413 eppendorfs de cocaína em pó (144,1g), 114 porções de crack (75g) -, de modo que deve o benefício ser aplicado na fração de 2/3, por se tratar de agente primária, de bons antecedentes e não haver outros elementos que denotem a sua habitualidade delitiva ou o envolvimento com grupo criminoso. 5. Estabelecida a pena definitiva em 1 ano e 8 meses de reclusão, verificada a primariedade da ré e sendo favoráveis as circunstâncias do art. 59 do CP, a acusada deve iniciar o cumprimento da pena reclusiva em regime aberto, substituída por restritivas de direito, a teor dos arts. 33, § 2º, "c", e 44 do Código Penal. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 857.913/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 1/12/2023.) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. VÍCIOS NÃO CONSTATADOS. FIXAÇÃO DE REGIME MAIS BENÉFICO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. INOVAÇÃO. EMBARGOS REJEITADOS. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O recurso integrativo é cabível apenas nas hipóteses de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão ocorridas no acórdão embargado e é inadmissível quando, a pretexto da necessidade de esclarecimento, aprimoramento ou complemento da decisão impugnada, objetiva nova apreciação do feito. 2. No caso dos autos, o regime de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não foram objetos do agravo regimental interposto, o que configura inovação nesta oportunidade. No entanto, por serem tais matérias passíveis de conhecimento de ofício, passo à sua análise. 3. O réu foi condenado pela prática dos delitos previstos nos arts. 288 e 312, §1º, do CP, e a sentença foi mantida pelo TJPE. Em recurso especial, esta Corte redimensionou as reprimendas. Sobreveio acórdão que reconheceu a extinção da punibilidade do primeiro delito em virtude da prescrição da pretensão punitiva estatal; remanesceu a condenação, por peculato, à reprimenda de 3 anos e 9 meses de reclusão e 45 dias-multa. 4. Diante do quantum de pena estabelecido, da primariedade do réu, do registo de apenas uma circunstância judicial desfavorável, fixo o regime inicial aberto e, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, substituo a sanção privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, as quais deverão ser determinadas pelo Juízo das Execuções Criminais, à luz das peculiaridades do caso concreto. 5. Embargos declaratórios rejeitados. Habeas corpus concedido de ofício. (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp n. 1.580.325/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 21/2/2022.)

Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem especificadas pelo Juízo da Execução. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 944807 - MA (2024/0344453-6) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 07/04/2025)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ Jun24 - Consunção Aplicada entre Receptação e Adulteração de Sinal de Identificador de Veículos - Exclusão da Condenação da Receptação

STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

STJ Dez24 - Estupro - Absolvição - Condenação Baseada Exclusivamente na Palavra da Vítima :"Vítima Prestou Depoimentos com Contradições"