STJ Fev25 - Absolvição - Estupro - Revisão Criminal - Vítima e Genitora retrataram na Ação de Justificação: "firmou escritura pública declaratória devidamente registrada em cartório, informando que havia acusado falsamente o paciente no ano de 2015"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de J. DO N. DA C. contra acórdão prolatado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA.
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 15 anos de reclusão em regime inicial fechado como incurso na sanção do art. 217-A, caput, c/c o art. 226, II, ambos do Código Penal. A defesa ajuizou pedido de revisão criminal que foi indeferido pelo Tribunal de origem, nos termos do acórdão de fls. 21-31.
No presente writ, o impetrante sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal, consubstanciado na manutenção da condenação do paciente após a retratação do depoimento da genitora da criança, que firmou escritura pública declaratória devidamente registrada em cartório, informando que havia acusado falsamente o paciente no ano de 2015.
Alega que a vítima negou a ocorrência do delito em seu depoimento na fase judicial da ação penal originária. Afirma que o relatório psicológico extrajudicial também não foi confirmado em juízo.
Requer, ao final, a concessão da ordem para que seja reconhecida a nulidade do acórdão da revisão criminal, com a consequente absolvição do paciente. A liminar foi indeferida às fls. 139-140.
As informações foram prestadas às fls. 145-147 e 151-154. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do writ e pela concessão da ordem, de ofício, no parecer de fls. 155-165.
É o relatório.
O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração quando assim manejado.
Observam-se a respeito: AgRg no HC n. 943.146/MG, Quinta Turma, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 22/10/2024; AgRg no HC n. 874.713/SP, Quinta Turma, relator Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 20/8/2024; AgRg no HC n. 749.702/SP, Sexta Turma, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 29/2/2024; AgRg no HC n. 912.662/SP, Sexta Turma, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 27/6/2024; e HC n. 740.303/ES, Quinta Turma, relator Ministro Jesuíno Rissato – Desembargador convocado do TJDFT, DJe de 16/8/2022. No caso em exame, contudo, verifico a ocorrência de ilegalidade flagrante apta a superar esse entendimento.
O acórdão impetrado afastou a alegação defensiva afirmando que o depoimento retratado pela testemunha não foi o único fundamento para a condenação do paciente (fls. 25-29 – grifei):
[...] de fato, a retratação da mãe da vítima, de acordo com a jurisprudência do STJ, por si só, não inocenta o acusado previamente condenado com trânsito em julgado, devendo a nova declaração ser sopesada com o restante da prova. [...] Constata-se que, quando da sentença condenatória (processo n° 0017835-33.2015.8.23.0010, EP 79.1), a magistrada sentenciante fundamentou sua decisão não apenas no depoimento da mãe da vítima, mas também no Relatório Psicológico (EP 1.3, fls. 14 a 16, mov. 1° grau), em que a Vítima relata claramente os atos libidinosos praticados pelo ora Revisionando. Veja-se a sentença condenatória (EP 79.1): "Por sua vez, ao prestar depoimento em juízo a vítima relatou que o acusado é seu pai e que fazia muito tempo que não o via. Disse que não lembrava o que aconteceu na casa do pai e que não sente vontade de ir até a casa dele. Que nada aconteceu na casa do pai e que não queria mais falar nada. Negou ter contado para a mãe que o pai havia tocado em seu corpo e que nunca o viu sem roupa. Não obstante a versão apresentada pela vítima, durante atendimento psicológico realizado junto ao CREAS, a mesma verbalizou "que não viu mais o pai J [omiti], porque o mesmo passou a mão em suas partes íntimas cheirou e pediu para ela colocar o órgão sexual dele em sua boca". Nesse mesmo sentido, a genitora da vítima, confirmou que a filha teria relatado os abusos. Disse que estava dando banho na vítima quando ela relatou que o acusado teria mandado ela chupar o negócio dele. Ficou em estado de choque e perguntou o que havia acontecido, então a filha contou que havia saído um "negócio" do réu. Ela contou que a esposa do réu havia saído para o comércio com o filho e a vítima teria ficado sozinha com o acusado no quarto. O réu então mandou que ela chupasse o pênis dele e ela obedeceu. Toda vez que a filha voltava da casa do réu ela estava com comportamento triste. Ela contou também que o réu teria passado a mão no "piquito" dela. Nessa ordem de considerações, analisando os depoimentos tomados, a negativa de autoria do acusado restou isolada do contexto probatório dos autos. Em que pese a vítima não tenha relatado os abusos na fase judicial, o comportamento é o conhecido como a "síndrome do segredo", segundo a qual a criança, vítima de violência sexual intrafamiliar, se cala em juízo ou nega a descrição da violência. [...] Por outro lado, o abuso sexual foi confirmado pela genitora da vítima que declarou o que a própria filha teria narrado, sendo confirmado pelo relatório informativo do CREAS, onde a criança verbalizou a violência. Além do mais, o réu não apresentou nenhuma justificativa para ser acusado falsamente pela ex-esposa ou mesmo pela filha, com quem mantinha bom relacionamento. Assim, tenho que os elementos de prova dos autos são suficientes e comprovam a materialidade e autoria inequívoca do fato criminoso atribuído ao acusado." [...] Observa-se, portanto, que a retratação constante na ação de produção antecipada de provas afigura-se frágil e dissociada do conjunto probatório.
Como visto, o acórdão impugnado, apesar de afirmar que a retratação da testemunha estaria isolada no conjunto probatório dos autos, invocou como fundamentos que complementaram o depoimento da genitora da vítima, que ora se retrata, a própria declaração da vítima, a qual afirmou em juízo que o fato não ocorreu e que não se recordava de ter visto o paciente sem roupa.
Além disso, o relatório do atendimento psicológico também não foi confirmado em juízo, conforme alegado pela defesa, sendo imperativo reconhecer que as narrativas como apresentadas não são suficientes para sustentar a condenação do paciente, ausentes outros elementos de convicção.
No mesmo sentido, extrai-se do parecer ministerial (fls. 162-163):
18. Acontece que, a genitora da vítima, Agzara Santos de Sousa, em 2 de junho de 2022, declarou em escritura pública, que acusou o pai da sua filha, indevidamente, de ter praticado o ato de estupro de vulnerável contra sua filha, no ano de 2015. Confirmou que o ato nunca aconteceu, e que, naquele momento ficou chateada por ele tê-la trocado por outra mulher e se vingou (fl. 14). Foi proposta ação de Justificativa nº 0817844-15.2022.8.23.0010 perante a Vara de Crimes Contra Vulneráveis de Boa Vista – RR, na qual confirmou que a menor nunca disse ter sido abusada pelo pai. 19. Além disso, importante reafirmar, que durante depoimento em audiência especial, houve negativa da vítima Ághata sobre a existência dos fatos narrados na denúncia. Tendo afirmado apenas que o paciente é seu pai e que fazia muito tempo que não o via. Que não lembrava do que havia acontecido na casa dele e que não sente vontade de ir até a casa dele. Que nada aconteceu na casa do pai e que não queria mais falar nada. Negou ter contado para a mãe que o pai havia tocado em seu corpo e que nunca o viu sem roupa. 20. Quanto ao argumento trazido no acórdão sobre a conde- nação do paciente também ter sido amparada no Relatório Psicológico, constata-se que este, não foi ratificado em juízo e nem corroborado por outros elementos de prova. Na hipótese, o contexto probatório mostrou-se bastante frágil para servir de base para uma condenação a 15 anos de reclusão pelo crime previsto no art. 217-A c/c art. 226, II, ambos do Código Penal, em regime inicial fechado. [...] 21.
Desse modo, não consta dos autos elementos fidedignos de que o paciente tenha praticado estupro de vulnerável contra a sua filha de apenas 3 anos, a época dos fatos. Sendo que a absolvição é medida que se impõe. Ante o exposto, concedo a ordem para anular o acórdão da Revisão Criminal n. 9002542-50.2022.8.23.0000 e absolver o paciente. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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