STJ Fev25 - Absolvição Por Descumprimento de Medida Protetiva da Lei Maria da Penha :"Réu e Vítima Voltaram a Morar Juntos com Consentimentos"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de JOSXXXXXO, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS no julgamento da Apelação Criminal n. 701538-37.2023.8.07.0021. Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006 (descumprimento de medida protetiva de urgência), à pena 3 meses de detenção, em regime inicial aberto, sendo absolvido da imputação referente ao art. 150, caput, do Código Penal (violação de domicílio) (fls. 242/251).

Recurso de apelação interposto pela defesa foi desprovido (fl. 288). O acórdão ficou assim ementado:

"APELAÇÃO CRIMINAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ABSOLVICAO. IMPOSSIBILIDADE. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. FIRME E COESO. RELEVANTE VALOR PROBATORIO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ANUÊNCIA DA VÍTIMA. I - Mantém-se a condenação do réu pelo delito de descumprimento de medida protetiva quando as declarações firmes da vítima demonstram sem qualquer dúvida a prática do delito, no contexto de violência doméstica e familiar. II - Nos crimes praticados em situação de violência doméstica contra a mulher, a palavra da vítima tem especial valor probatório, especialmente quando narra os fatos de forma coerente em todas as oportunidades em que e ouvida e não há contraprova capaz de desmerecer o relato. III - Configura o crime previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 o descumprimento deliberado de ordem judicial que impôs medida protetiva de urgência, da qual o agente foi devidamente intimado. IV - Ainda que a vítima concorra para o descumprimento da medida protetiva, tal situação não revoga a decisão judicial que a estabeleceu e não afasta a tipicidade do fato, notadamente por se tratar de crime contra a administração da Justiça, estando presente o interesse público no cumprimento da ordem. V - Recurso conhecido e desprovido" (fl. 294).

Embargos de declaração opostos pela defesa foram rejeitados (fls. 340/351). No presente writ, o impetrante alega, em síntese, que deve ser reconhecida a atipicidade da conduta do paciente quanto ao crime de descumprimento de medidas protetivas, em razão do consentimento da vítima para aproximação do réu, que é um fato incontroverso.

Sustenta que "não houve efetiva lesão e falta o dolo de desobediência, os quais são necessários para configuração do delito imputado, posto que as medidas protetivas perderam o seu objeto, considerando o juízo da necessidade, a partir do momento em que a vítima autorizou a reaproximação do ofensor, de modo que não há que se falar na caracterização do crime descumprimento de medidas protetivas por ausência de tipicidade material" (fl. 10).

Requer, liminarmente e no mérito, a absolvição do paciente, com lastro no art. 386, III, do CPP.

Decisão indeferindo o pedido liminar (fls. 478/480). Informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau (fls. 495/498) e pela autoridade coatora (fls. 492/494).

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para reconhecer a atipicidade do fato (fls. 504/507).

É o relatório. Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça (AgRg no HC n. 895.777/PR, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 8/4/2024).

Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem, de ofício.

Observa-se que a controvérsia se refere à (a)tipicidade do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006, quando há o consentimento da ofendida na “reaproximação” do acusado.

No caso em apreço, o paciente foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006 (descumprimento de medida protetiva de urgência), à pena 3 meses de detenção, em regime inicial aberto, cuja sentença foi confirmada em sede de recurso de apelação.

No presente writ a defesa alega a atipicidade da conduta, sob argumento de que a vítima e o paciente haviam voltado a residir juntos com o consentimento daquela.

Quanto ao ponto, o Tribunal de origem destacou o seguinte:

"Em Juízo, a vítima “confirmou que o réu, por ocasião dos fatos aqui apurados, havia voltado a residir com ela. Disse que eles saíram para beber, mas ele ficou violento, de forma que ela foi para casa, depois para a casa de uma amiga. Relatou que, depois de um tempo, voltou para a sua residência e lá verificou que ‘tava tudo quebrado’, pelo que ela acionou a PM e esta efetivou a prisão em flagrante de JOSÉ.” (transcrição da sentença - fl. 229 - ID 51060683). Por sua vez, o réu “confessou que descumpriu as medidas protetivas, mas afirmando que, na ocasião, já estava frequentando a residência da ofendida, com o consentimento dela” (transcrição da sentença - fl. 229 – id 51060684). Extrai-se dos autos, ainda, que em 30/1/2023, no processo nº 0700282- 59.2023.8.07.0021, foram estabelecidas medidas protetivas em favor de Livanice Amaral de Oliveira, determinando-se a proibição de manter contato com ela por qualquer meio de comunicação e determinou que o réu mantivesse distância de 100 (cem) metros da vítima (fls. 69/72), sendo José Leandro intimado dessa decisão na ocasião (fl. 71). Apesar de ciente da determinação judicial, JOSÉ LEANDRO descumpriu as medias protetivas impostas quando adentrou na residência da vítima, como ele mesmo admitiu em Juízo. Com efeito, nos crimes praticados em situação de violência doméstica contra a mulher, a palavra da vítima tem especial valor probatório, especialmente quando narra os fatos de forma coerente e harmônica em todas as oportunidades em que é ouvida, como ocorre no presente caso, e quando não há contraprova capaz de desmerecer o relato. [...]. Cumpre salientar que o tipo do artigo 24-A da Lei n° 11.340/2006, tem o escopo de garantir o efetivo cumprimento das medidas protetivas de urgência e a integridade física e psíquica da mulher vítima de violência doméstica, nos exatos moldes previstos nos artigos 5º e 7º da Lei n° 11.340/2006. Trata-se de delito contra a Administração da Justiça, tendo como sujeito passivo imediato o Estado e sujeito passivo mediato ou indireto a mulher vítima de violência (...). [...]. Dessa forma, eventual consentimento da vítima, ainda que comprovado nos autos, não afasta a tipicidade da conduta. Se o réu deixa de cumprir a ordem judicial, encontrando a vítima, configura-se a relevância jurídico-criminal do descumprimento." (fls. 298/299)

Conforme se observa dos autos, é incontroverso o fato de que a vítima havia consentido com a reaproximação do réu, e que ambos haviam voltado a morar juntos. Nesse contexto, a análise da questão trazida pela defesa não demanda reexame de prova.

Sobre o assunto, assiste razão à defesa, uma vez ter sido consignado na instância ordinária que:

“quando ouvida em Juízo, a vítima “confirmou que o réu, por ocasião dos fatos aqui apurados, havia voltado a residir com ela” (fls. 296). Com efeito, esta Corte possui o entendimento de que, "em razão da intervenção mínima do direito penal, em observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, o descumprimento das medidas protetivas, com o consentimento da vítima, afasta eventual lesão ao bem jurídico tutelado, tornando o fato atípico" (AgRg no REsp n. 2.049.863/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023 e, ainda, HC n. 875.218, Ministro Joel Ilan Paciornik, DJEN de DJEN 04/02/2025.).

No mesmo sentido:

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. ART. 24-A DA LEI N. 11.340/2006. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE LESÃO AO BEM JURÍDICO. FATO ATIPICO. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Esta Corte possui entendimento de que, em razão da intervenção mínima do direito penal, em observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, o descumprimento das medidas protetivas, com o consentimento da vítima, afasta eventual lesão ao bem jurídico tutelado, tornando o fato atípico. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.049.863/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 8/11/2023.) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (ART. 24-A DA LEI N. 11.340/2006). APROXIMAÇÃO DO RÉU COM O CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE LESÃO OU AMEAÇA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O consentimento da vítima para aproximação do réu afasta eventual ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado pelo crime capitulado no art. 24-A, da Lei n. 11.340/2006. 2. No caso, restando incontroverso nos autos que a própria vítima permitiu a aproximação do réu, autorizando-o a residir com ela no mesmo lote residencial, em casas distintas, é de se reconhecer a atipicidade da conduta. 3."Ainda que efetivamente tenha o acusado violado cautelar de não aproximação da vítima, isto se deu com a autorização dela, de modo que não se verifica efetiva lesão e falta inclusive ao fato dolo de desobediência" (HC n. 521.622/SC, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 12/11/2019, DJe de 22/11/2019). 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.330.912/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 28/8/2023)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Todavia, com fundamento no artigo 34, inciso XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, concedo a ordem, de ofício, para absolver o paciente da imputação relativa ao art. 24-A da Lei n. 11.340/2006, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 970666 - DF (2024/0484697-4) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 18/02/2025.)

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