STJ Fev25 - Detração - Período da Aplicação da Medida Cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga :Tema Repetitivo/STJ n. 1.155"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de LUCAXXXXA (ou LUXXXXRA) contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO no julgamento do Agravo em Execução n. 0004118-74.2024.8.26.0520.
O paciente foi condenado à pena de 11 anos e 8 meses de reclusão e ao pagamento de 1.710 dias-multa, como incurso nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006.
No curso da execução da pena, o Juízo das execuções indeferiu o pedido de detração do tempo de cumprimento das medidas cautelares alternativas à prisão, consistentes em recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus, que foi denegado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme acórdão assim ementado:
"Execução Penal – Detração – Pretendida consideração, para fins do art. 42 do CP, do tempo em que o agravante permaneceu em liberdade provisória, cumprindo medidas cautelares alternativas ao cárcere, dentre as quais recolhimento domiciliar noturno – Inviabilidade – Entendimento Nos termos do art. 42 do CP, computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no art. 41 do CP. Descabe, assim, considerar o tempo durante o qual o agravante permaneceu em liberdade provisória, cumprindo medidas cautelares alternativas ao cárcere, dentre as quais recolhimento domiciliar noturno, para fins de detração penal, por ser o pleito desprovido de amparo legal." (fl. 14)
No presente writ, a defesa alega que a decisão que negou a detração da pena carece de fundamentação idônea. Sustenta que a não consideração do período de cumprimento das medidas cautelares para fins de detração penal configura bis in idem e fere o princípio da dignidade da pessoa humana.
Afirma que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento no sentido de que o período de recolhimento domiciliar noturno deve ser considerado para fins de detração penal, em observância aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.
Requer em liminar e no mérito, a concessão da ordem de habeas corpus para considerar o tempo de cumprimento das medidas cautelares seja abatido da pena privativa de liberdade, evitando o excesso de execução.
É o relatório. Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Da atenta leitura dos autos, verifica-se que as instâncias ordinárias indeferiram o pleito de detração por considerar que as medidas cautelares diversas da prisão com esta não se confunde, e portanto, não poderia ter influência no total da sanção que resta a cumprir após o trânsito em julgado da condenação.
Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior é dominante no sentido de que o tempo em que o réu esteve efetivamente submetido à medida cautelar de recolhimento domiciliar (no período noturno, finais de semana e feriados) deve ser detraído da pena corporal aplicada, uma vez que, mesmo não sendo prisão, trata-se de ação estatal que afeta o status libertatis do indivíduo.
Nesse sentido, é a tese jurídica fixada no Tema Repetitivo/STJ n. 1.155, que dispõe:
"1) O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem. 2) O monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento. 3) As horas de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada."
Confira-se a ementa do julgado paradigma:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO DA PENA. DETRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR. RECOLHIMENTO NOTURNO E NOS DIAS DE FOLGA. POSSIBILIDADE. COMPROMETIMENTO DO STATUS LIBERTATIS DO ACUSADO. INTERPRETAÇÃO DADA AO ART. 42 DO CÓDIGO PENAL - CP. EXTENSIVA E BONAM PARTEM. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E NON BIS IN IDEM. IN DUBIO PRO REO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESNECESSIDADE DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO ASSOCIADO. MEDIDA POUCO UTILIZADA NO PAÍS. PRECARIEDADE. ALTO CUSTO. DÚVIDAS QUANTO À EFETIVIDADE. PREVALECE NAS FASES DE EXECUÇÃO DA PENA. DUPLA RESTRIÇÃO AO APENADO. IMPOSSIBILIDADE. TRATAMENTO ISONÔMICO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. CONTAGEM. HORAS CONVERTIDAS EM DIAS. REMANESCENDO PERÍODO MENOR QUE 24 HORAS, A FRAÇÃO SERÁ DESPREZADA. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. FIXAÇÃO DAS TESES . 1. A elucubração a respeito do abatimento na pena definitiva, do tempo de cumprimento da medida cautelar prevista no art. 319, VII, do código de Processo Penal - CPP (recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga) surge da ausência de previsão legal. 1.1. Nos termos do Art. 42 do Código Penal: "Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior". 1.2. A cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga estabelece que o investigado deverá permanecer recolhido em seu domicílio nesses períodos, desde que possua residência e trabalho fixos. Essa medida não se confunde com a prisão domiciliar, mas diferencia-se de outras cautelares na limitação de direitos, pois atinge diretamente a liberdade de locomoção do investigado, ainda que de forma parcial e/ou momentânea, impondo-lhe a permanência no local em que reside. 1.3. Nesta Corte, o amadurecimento da questão partiu da interpretação dada ao art. 42 do Código Penal. Concluiu-se que o dispositivo não era numerus clausus e, em uma compreensão extensiva e bonam partem, dever-se-ia permitir que o período de recolhimento noturno, por comprometer o status libertatis, fosse reconhecido como período detraído, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem. 1.4. A detração penal dá efetividade ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana e ao comando máximo do caráter ressocializador das penas, que é um dos principais objetivos da execução da pena no Brasil. 1.5. Assim, a melhor interpretação a ser dada ao art. 42 do Código Penal é a de que o período em que um investigado/acusado cumprir medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) deve ser detraído da pena definitiva a ele imposta pelo Estado. 2. Quanto à necessidade do monitoramento eletrônico estar associado à medida de recolhimento noturno e nos dias de folga para fins da detração da pena de que aqui se cuida, tem-se que o monitoramento eletrônico (ME) é medida de vigilância, que afeta os direitos fundamentais, destacadamente a intangibilidade corporal do acusado. É possível sua aplicação isolada ou cumulativamente com outra medida. Essa medida é pouco difundida no Brasil, em razão do alto custo ou, ainda, de dúvidas quanto a sua efetividade. Outro aspecto importante é o fato de que seu empreg o prevalece em fases de execução da pena (80%), ou seja, não se destina primordialmente à substituição da prisão preventiva. 2.1. Assim, levando em conta a precária utilização do ME como medida cautelar e, considerando que o recolhimento noturno já priva a liberdade de quem a ele se submete, não se vislumbra a necessidade de dupla restrição para que se possa chegar ao grau de certeza do cumprimento efetivo do tempo de custódia cautelar, notadamente tendo em conta que o monitoramento eletrônico é atribuição do Estado. Nesse cenário, não se justifica o investigado que não dispõe do monitoramento receber tratamento não isonômico em relação àquele que cumpre a mesma medida restritiva de liberdade monitorado pelo equipamento. 2.2 . Deve prevalecer a corrente jurisprudencial inaugurada pela Ministra Laurita Vaz, no RHC n. 140.214/SC, de que o direito à detração não pode estar atrelado à condição de monitoramento eletrônico, pois seria impor ao investigado excesso de execução, com injustificável aflição de tratamento não isonômico àqueles que cumprem a mesma medida de recolhimento noturno e nos dias de folga monitorados. 3. No caso concreto, a apenada foi presa em flagrante no dia 14/8/2018, tendo sido a prisão convertida em preventiva. Posteriormente, a custódia foi revogada e aplicadas medidas cautelares diversas da prisão, consistentes, entre outras, no recolhimento domiciliar noturno, das 19h às 6h, bem como nos dias de folga, finais de semana e feriados, vindo a ser solta em 14 de dezembro de 2018. Não consta ter havido monitoramento eletrônico. Foi condenada nas sanções do artigo 33, caput, e §4º, da Lei n. 11.343/06, ao cumprimento da pena de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime aberto, a qual foi substituída pela pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade. Tendo em vista que foi concedido direito de recorrer em liberdade, foram revogadas as medidas cautelares diversas, cujo cumprimento se efetivou em 19 de março de 2019. O apelo Ministerial interposto foi provido, condenando a agravada à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime tipificado no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06. O acórdão transitou em julgado em 23 de setembro de 2019, tendo o mandado de prisão sido cumprido em 22 de julho de 2020. No curso da execução da pena, após pedido defensivo, o juízo da execução considerou a título de detração o período em que a agravada cumpriu as medidas cautelares diversas da prisão. Contra tal decisão se insurgiu o órgão ministerial e o Tribunal de Justiça acatou o pleito, reformando o decisum. Assim, o aresto hostilizado destoa da orientação desta Corte de que o período de recolhimento noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período detraído da pena definitiva imposta, ainda que não tenha havido o monitoramento eletrônico. 4. Delimitadas as teses jurídicas para os fins dos arts. 927, III, 1.039 e seguintes do CPC/2015 : 4.1. O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem. 4.2. O monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento. 4.3. As horas de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada. 5. Recurso especial provido para que o período de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga obrigatório da recorrente seja detraído da pena que lhe foi imposta, nos moldes delineados. (REsp n. 1.977.135/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 23/11/2022, DJe de 28/11/2022.) Como visto, a detração deve se dar de modo que a "soma de horas referentes ao período em que o réu cumpriu a medida cautelar de recolhimento noturno deve ser convertida em dias (desprezando-se as frações inferiores a 24 horas) para abatimento da pena privativa de liberdade a ser cumprida" (AgRg no HC n. 718.288/SC, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 11/4/2022).
Evidenciado o constrangimento ilegal, de rigor a concessão da ordem. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XVIII, "a", do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço da presente impetração. Contudo, concedo a ordem de habeas corpus, de ofício, para determinar que o Juízo das execuções considere, para fins de detração, o período de efetivo cumprimento da medida cautelar de recolhimento domiciliar para fins de detração da pena. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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