STJ Fev25 - Dosimetria Irregular - Aborto (Art.125 do CP) :"parâmetro de 1/6 (um sexto) para cada vetorial valorada negativamente, salvo a apresentação de elementos concretos, suficientes e idôneos que justifiquem a necessidade de elevação"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

 

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de JOÃO BXXXXXXX apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Apelação Criminal n. 0437853-19.2013.8.19.0001). Consta dos autos que o paciente foi condenado como incurso no art. 125 do Código Penal, à pena de 7 anos, 7 meses e 25 dias de reclusão, em regime semiaberto.

Irresignadas, defesa e acusação interpuseram recurso de apelação, o qual foi julgado nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 20-21):

EMENTA: APELAÇÃO – TRIBUNAL DO JÚRI – ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO - ART. 125 DO CÓDIGO PENAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA – PENA: 07 ANOS, 07 MESES E 25 DIAS DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIALMENTE SEMIABERTO – CONDENAÇÃO MANTIDA - MATERIALIDADE E AUTORIA SEGURAMENTE DEMONSTRADAS – DECISÃO DE ACORDO COM AS PROVAS DOS AUTOS E ÍNTIMAS CONVICÇÕES DOS JURADOS – SOBERANIA DOS VEREDITOS – PROVAS CONVINCENTES – RESPOSTAS POSITIVAS QUANTO AOS QUESITOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA – PROVA TESTEMUNHAL EM CONSONÂNCIA COM A PROVA TÉCNICA – NÃO OCORRÊNCIA DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – DOSIMETRIA IRRETOCÁVEL – NECESSIDADE DE IMPOR REGIME MAIS GRAVOSO – REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA APENAS PARA FIXAR O REGIME FECHADO. 1-Como se vê, o apelante João Batista de Lima Neves, no dia 10- novembro-2005, por volta das 11h, na residência situada na Rua Padre Jerônimo Vermin, nº 278, bairro de Campo Grande, inconformado com a gravidez da vítima, que já contava com três meses de gestação, se dirigiu ao endereço acima mencionado e, após agredi-la com socos e empurrões, apertou seu nariz para que a vítima evitando o sufocamento abrisse a boca, momento em que a fez ingerir quatro comprimidos do medicamento CYTOTEC, provocando o abortamento do feto dois dias depois. 2-As provas orais, bem como a prova técnica, foram trazidas com precisão para que fique claro que os senhores Jurados não decidiram contrariamente às provas dos autos. Provas no sentido de que houve o aborto provocado e dele o apelante João Batista foi autor, escorrem dos autos. Entre as duas teses apresentadas em plenário (MP pela condenação nos exatos termos da pronúncia e a defesa pela absolvição, pela discrepância entre o descrito na denúncia e o sustentado em Plenário pelo MP, ou, a desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de aborto), os Jurados optaram pela versão acusatória, com base em suas íntimas convicções, condenando o réu pelo delito de aborto provocado por terceiro. Com absoluta tranquilidade, dá-se como escorreita a decisão do Conselho de Sentença, afastando-se qualquer alegação de violação ao princípio do contraditório e de decisão contrária à prova dos autos. 3-Portanto, a decisão dos jurados está dentro da esfera de suas íntimas convicções e, em sendo assim, não apresentam distorção na função julgadora, não havendo falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos que ensejasse a anulação pleiteada. 4-Dosimetria que não merece reparo. No caso em exame, o magistrado sentenciante, com toda razão, fixou a sanção de partida em 05 anos, 07 meses e 15 dias de reclusão, levando em conta a personalidade e a culpabilidade do agente, bem como as consequências desastrosas do crime. Assim sendo, o aumento da sanção de partida está perfeitamente fundamentado, em obediências às diretrizes estabelecidas pelo artigo 59- CP. Na segunda etapa, com toda razão, foram aplicadas as agravantes do recurso que impossibilitou a defesa da vítima e do crime praticado em face de descendente do réu, que ficou demonstrado nos autos através da prova oral, foi fixada a pena definitiva em 07 anos, 07 meses e 25 dias de reclusão. No tocante ao pedido do Parquet, pretendendo o reconhecimento da torpeza, pois o réu cometeu o crime a fim de se eximir da responsabilidade da paternidade, como bem ressaltou a Procuradoria de Justiça, não deve ser acolhido, já que é inerente ao próprio tipo penal. 5-No que se refere ao regime para cumprimento da pena privativa de liberdade, considerando as circunstâncias negativas já explicitadas e o quantum de pena corporal, outro não pode ser fixado senão o inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, §2º, “a”, e §3º, do CP. 6-O apelante não preenche os requisitos objetivo e subjetivo dos benefícios previstos nos artigos 44 e 77-CP. 7-Do pedido de decretação da prisão do acusado. Verifica-se que o réu respondeu ao processo solto, tendo comparecido a todos os atos processuais em que foi intimado, inclusive na Sessão Plenária, não havendo qualquer modificação fática nos autos a ensejar o decreto prisional. A quantidade de pena imposta não justifica a custódia cautelar, a sentença é recorrível. Outrossim, recentemente o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do artigo do artigo 283 do Código de Processo Penal (AD Cs 43, 44 e 54). No que se refere ao Tema 1068, que versa sobre a constitucionalidade da execução imediata de pena aplicada pelo Tribunal do Júri, o julgamento ainda se encontra em andamento (RE 1235340). 8- Em que pese a gravidade em concreto do crime, não foi comprovado qualquer fato novo capaz de suprir os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, e, consequentemente, justificar a segregação cautelar. Neste contexto, torna-se injustificável a prisão do réu. 9-Por fim, não se vislumbra ofensa a dispositivos de leis ou à norma constitucional: o acusado foi legalmente processado e, positivada a conduta delituosa, foi justamente condenado. DESPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO E PARCIAL PROVIMENTO DO APELO MINISTERIAL, APENAS PARA FIXAR O REGIME INICIALMENTE FECHADO.

No presente mandamus, a defesa aduz, em síntese, que a condenação foi contrária à prova dos autos e à resposta dos jurados, uma vez que se considerou que o paciente praticou lesão corporal e não aborto. Insurge-se, ademais, contra a dosimetria e o regime de cumprimento da pena.

Pugna, liminarmente, pela possibilidade de o paciente aguardar o julgamento em liberdade e, no mérito, pela nulidade da condenação e, subsidiariamente, pelo restabelecimento do regime semiaberto. A liminar foi indeferida às e-STJ fls. 43-44, as informações foram prestadas às e-STJ fls. 50-53 e 54-59, e o Ministério Público Federal se manifestou, às e-STJ fl. 63, pela concessão da ordem, nos seguintes termos:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ABORTO PROVADO POR TERCEIRO. JURADOS DESCLASSIFICARAM O DELITO PARA LESÃO CORPORAL. JUIZ PRESIDENTE CONDENOU PELO CRIME DO ART. 125 DO CP. ILEGALIDADE. VIOLAÇÃO À SOBERANIA DOS VEREDITOS. PARECER PELA CONCESSÃO DA ORDEM.

É o relatório. Decido.

Em razão da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de não ser admissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de não se desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, preservando, assim, sua utilidade e eficácia, e garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.

Referido entendimento foi ratificado pela Terceira Seção, em 10/6/2020, no julgamento da Questão de Ordem no Habeas Corpus n. 535.063/SP. Nessa linha de intelecção, como forma de racionalizar o emprego do writ e prestigiar o sistema recursal, não se admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.

Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, tem se admitido o exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Conforme relatado, a defesa aponta, em um primeiro momento, a contrariedade da condenação à prova dos autos.

Contudo, o Tribunal de origem consignou que as "provas no sentido de que houve o aborto provocado e dele o acusado foi o autor escorrem dos autos" (e-STJ fl. 27).

No que concerne à alegação defensiva no sentido de que a resposta dos jurados considerou que o paciente praticou lesão corporal e não aborto, verifico que a Corte local registrou igualmente que "os Jurados optaram pela versão acusatória, com base em suas íntimas convicções, condenando o réu pelo delito de aborto provocado por terceiro" (e-STJ fl. 27).

A propósito (e-STJ fls. 27-28):

Os aludidos depoimentos, bem como a prova técnica, foram aqui trazidos com precisão para que fique claro que os senhores Jurados não decidiram contrariamente às provas dos autos. Provas no sentido de que houve o aborto provocado e dele o acusado foi autor, escorrem dos autos. Entre as duas teses apresentadas em plenário (MP pela condenação nos exatos termos da pronúncia e a defesa pela absolvição, pela discrepância entre o descrito na denúncia e o sustentado em Plenário pelo MP, ou, a desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de aborto), os Jurados optaram pela versão acusatória, com base em suas íntimas convicções, condenando o réu pelo delito de aborto provocado por terceiro. [...] Devemos nos recordar que o réu se defende dos fatos narrados, sendo certo que a inicial acusatória descreve as agressões físicas cometidas pelo réu contra a vítima e o fato de ter obrigado a vítima a ingerir quatro comprimidos do medicamento CYTOTEC. Com absoluta tranquilidade, dá-se como escorreita a decisão do Conselho de Sentença, afastando-se qualquer alegação de violação ao princípio do contraditório e de decisão contrária à prova dos autos. Portanto, a decisão dos jurados está dentro da esfera de suas íntimas convicções e, em sendo assim, não apresentam distorção na função julgadora, não havendo falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos que ensejasse a anulação pleiteada.

Dessa forma, estando a decisão dos jurados amparada no conjunto probatório, e assentando o Tribunal de Justiça que a condenação se deu nos termos da imputação acusatória, não é possível sua desconstituição na via eleita, porquanto demandaria o revolvimento de fatos e de provas, o que é incompatível com a via estreita do habeas corpus.

No mesmo sentido: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO E ABORTO. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. PRESENÇA DE PROVAS PARA A MANTENÇA DA CONDENAÇÃO. SOBERANIA DO JÚRI. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático- probatório, o que é inviável na via eleita. Precedentes. 2. No caso, o Colegiado de origem rechaçou o pleito absolutório deduzido no bojo da revisão criminal, por considerar que, mesmo após o exame das provas colhidas em sede de justificação judicial, ainda existem elementos de convicção aptos para a manutenção da sentença condenatória. 3. Se a instância ordinária, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entendeu, de forma fundamentada, que há elementos hígidos de prova de autoria delitiva, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "tendo o Tribunal de origem no julgamento da revisão criminal concluído de forma fundamentada, que a retratação da vítima em sede de justificação judicial não se mostrou hábil a derruir a sentença condenatória, porquanto verificada a sua dissintonia com os demais elementos existentes nos autos, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria o necessário reexame aprofundado dos fatos e das provas" (AgRg no HC n. 709.762/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 21/3/2022). 5. Evidenciada a presença de provas nos autos a respaldar a decisão tomada pelo júri quanto à condenação dos pacientes, deve ser preservada a decisão dos jurados, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos. 6. O acolhimento da revisão criminal tem caráter excepcional, sendo admitido apenas quanto reste patente que a condenação é contrária à evidência dos autos ou se a inocência pela prova nova fique demonstrada de forma flagrante, estreme de dúvidas, dispensando a interpretação ou análise subjetiva das provas constantes dos autos. A fundamentação baseada apenas na fragilidade das provas produzidas não autoriza o Tribunal de origem a proferir juízo absolutório, em sede de revisão criminal, pois esta situação não se identifica com o alcance do disposto no art. 621, incisos I e III, CPP. 7. Não evidenciada arbitrariedade na condenação, descabe, por fim, falar em anulação do julgamento e em submissão dos réus a novo júri. 8. Agravo desprovido. (AgRg no HC n. 857.857/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024.)

Nesse contexto, não obstante o parecer do Ministério Público Federal, não é possível concluir que houve violação à soberania dos vereditos, porquanto devidamente explicitado no acórdão ora impugnado que os jurados reconheceram a materialidade do acordo provocado bem como sua autoria.

Por fim, no que diz respeito à dosimetria, verifico que as elevações realizadas na primeira e na segunda fases não observaram a razoabilidade. De fato, "Segundo a jurisprudência deste Tribunal Superior, a exasperação da pena basilar, pela existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, deve seguir o parâmetro de 1/6 (um sexto) para cada vetorial valorada negativamente, fração esta que se firmou em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, salvo a apresentação de elementos concretos, suficientes e idôneos que justifiquem a necessidade de elevação em patamar superior". (AgRg no AREsp n. 1.895.576/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 3/10/2022.)

Passo ao redimensionamento da pena. Na primeira fase, mantidas três circunstâncias judiciais negativas, elevo a pena em 1/2, resultando a pena-base de 4 anos e 6 meses de reclusão.

Na fase intermediária, mantidas duas agravantes, elevo a pena em 1/3, totalizando 6 anos de reclusão, a qual fica definitivamente fixada nesse patamar.

Por fim, quanto ao regime de cumprimento da pena, verifico que o Tribunal de origem o recrudesceu sem explicitar, no entanto, porque o regime intermediário fixado pelo Magistrado de origem, sob o fundamento de se mostrar "adequado para garantir o caráter repressivo e preventivo, geral e especial da reprimenda", se mostrava equivocado. Como é cediço, tanto a pena quanto o regime devem observar às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, razão pela qual restabeleço o regime fixado em 1º grau com observância do caso concreto. Pelo exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem de ofício apenas para redimensionar a pena para 6 anos de reclusão, em regime semiaberto. Publique-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 973058 - RJ (2025/0000452-7) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 13/02/2025.)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ Jun24 - Consunção Aplicada entre Receptação e Adulteração de Sinal de Identificador de Veículos - Exclusão da Condenação da Receptação

STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

STJ Dez24 - Estupro - Absolvição - Condenação Baseada Exclusivamente na Palavra da Vítima :"Vítima Prestou Depoimentos com Contradições"