STJ Fev25 - Dosimetria Irregular - Lei de Drogas - Fração da Minorante do Privilegiado aplicado em 1/4 - Ilegalidade :"Bis In Idem - Quantidade de Entorpecente Já valorado no Art. 40, inc. V - Fração de 2/3 aplicada - Pena Reduzida de 4 anos, 4 meses e 15 dias para 1 anos
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXXXX GUARNIZ em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Consta dos autos que o paciente foi condenado às penas de 4 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão no regime inicial semiaberto e de 437 dias-multa, como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
A impetrante sustenta que o paciente faz jus à incidência da minorante do tráfico privilegiado na fração máxima. Argumenta que a redução da pena no patamar de 1/4 estaria amparada apenas na quantidade de entorpecente apreendida, o que configuraria bis in idem, uma vez que essa vetorial já teria sido considerada para exasperar a pena-base.
Destaca que a Corte estadual, ao manter a modulação do índice da minorante do tráfico, complementou, de forma indevida, a argumentação do Juízo primevo. Aduz que o fato de o crime ter ocorrido entre estados distintos não pode ser considerado na escolha da fração do benefício previsto no art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006, pois "[...] a circunstância fática apontada já foi valorada na terceira etapa da dosimetria, por aplicação do artigo 40, inciso V, da Lei n. 11.343/06.
Há, novamente, violação ao ne bis in idem" (fl. 8). Acrescenta que, com a redução da pena, são cabíveis a mitigação do modo carcerário e a substituição da sanção corporal por restritivas de direitos. Requer, liminarmente e no mérito, o redimensionamento da reprimenda do paciente, a fixação do regime inicial aberto e a substituição da sanção reclusiva por restritivas de direitos. As informações foram prestadas às fls. 47-49 e 50-66.
O Ministério Público Federal, às fls. 71-75, manifestou-se pela não concessão do habeas corpus.
É o relatório.
Inicialmente, a despeito do não cabimento deste writ, utilizado como substituto de recurso próprio, procedo à análise do feito, a fim de verificar a ocorrência de eventual constrangimento ilegal.
A Corte de origem, ao examinar o pleito atinente à causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006, assim se manifestou (fls. 34-35):
Ao final, valeu-se a d. Magistrada sentenciante do redutor insculpido no §4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06 na fração de 1/4 (um quarto), em vista da elevada quantidade de drogas, contra o que se insurge a d. Defesa. Sem razão. Anoto que o réu se viu beneficiado com a aplicação sublinhada, eis que as circunstâncias do cometimento do delito, consistentes no transporte de considerável montante de entorpecentes entre localidades de distintos Estados do país denotam fortes indícios de que aquele se dedique à traficância com regularidade; trata-se de atividade promovida de forma organizada, com alto grau de planejamento e logística, que em tudo desaconselha o privilégio delineado no §4º, do artigo 33, da Lei de regência.
Como visto, o Tribunal de origem manteve a fração de 1/4 pelo reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado, considerando a quantidade de entorpecentes e o fato de o delito ter ocorrido entre estados distintos, o que consubstancia o alegado constrangimento ilegal. Na espécie, como a quantidade e a natureza das drogas já tinham sido valoradas na primeira fase da dosimetria (fl. 34), essas vetoriais não podem ser consideradas para modular a benesse do art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006, na fase derradeira, sob pena de configurar bis in idem.
Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme de que a quantidade e a natureza da droga só podem ser utilizadas para modular a minorante do tráfico privilegiado, quando não consideradas na primeira fase da dosimetria (REsp n. 2.147.778/CE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 26/11/2024; e AgRg no HC n. 931.028/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 13/11/2024, DJe de 25/11/2024).
Ademais, quanto ao último argumento, "[c]onforme entendimento desta Corte Superior de Justiça, é cabível ao Tribunal, em recurso de apelação exclusivo da defesa, acrescentar fundamentos relacionados àqueles já contidos na sentença condenatória para manter a reprimenda imposta, sem prejudicar o Réu" (AgRg no HC n. 839.848/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024).
Contudo, é pacífico que o transporte interestadual de drogas não é suficiente para inferir a dedicação do réu à atividade criminosa e o seu pertencimento à organização criminosa (AgRg no HC n. 843.593/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 26/6/2024). Sobre o tema, cabe, ainda, ressaltar que "[c]onstitui indevido bis in idem o reconhecimento da majorante prevista no art. 40, inciso V, da Lei n. 11.343/2006 e, ao mesmo tempo, diante da configuração do tráfico interestadual, afastar-se a minorante do art. 33, § 4º, da Lei Antidrogas" (AgRg no AREsp n. 2.607.212/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo – Desembargador convocado do TJSP, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 23/8/2024).
Assim, diante da ausência de elementos concretos para modular a fração do mencionado redutor, deve ser concedida a ordem de ofício, para reconhecer a incidência da causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/2006, na fração de 2/3.
Confiram-se os seguintes precedentes:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. PRIMEIRA E TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA. BIS IN IDEM CONSTATADO. FRAÇÃO DE 2/3 A SER ADOTADA. PARECER FAVORÁVEL DA ACUSAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Pará que deu parcial provimento ao recurso de apelação da defesa, reduzindo a pena para 4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão, além de 416 dias-multa, em regime inicial semiaberto, por tráfico de drogas. 2. O Juízo de primeiro grau condenou o recorrente à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além de 416 dias-multa, pela prática do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se a quantidade e a natureza da droga apreendida podem ser valoradas negativamente na fixação da pena-base e simultaneamente utilizadas como fundamento para modular a fração de diminuição do tráfico privilegiado, configurando bis in idem. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A quantidade e a natureza da droga não podem ser utilizadas para exasperar a pena-base e, concomitantemente, para modular o tráfico privilegiado, sob pena de bis in idem. 5. A redução do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 deve ser aplicada no grau máximo de 2/3, pois a quantidade de entorpecente já foi valorada na primeira fase da dosimetria. IV. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp n. 2.042.664/PA, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJe de 23/12/2024.) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VÍCIO NÃO CONSTATADO. NÃO CABIMENTO. MINORANTE DO TRÁFICO. BIS IN IDEM CONFIGURADO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. PENA REDUZIDA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Os embargos de declaração são cabíveis somente nas hipóteses de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão ocorridas no acórdão embargado e são inadmissíveis quando, a pretexto da necessidade de esclarecimento, aprimoramento ou complemento da decisão embargada, objetivam novo julgamento do caso. 2. O acórdão embargado não foi omisso, porquanto apontou claramente as razões para o não provimento do agravo regimental, com base na Súmula n. 182 do STJ. 3. Em que pese a rejeição dos aclaratórios, constata-se a existência de constrangimento ilegal, pois as instâncias ordinárias sopesaram os mesmos elementos - natureza e quantidade de drogas apreendidas - tanto para fins de exasperação da pena-base quanto para justificar a incidência da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 no patamar de 1/6, o que evidencia ofensa ao princípio do ne bis in idem. 4. Embargos de declaração rejeitados. Ordem concedida, de ofício, para aplicar em 2/3 a causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, tornar a reprimenda definitiva do réu em 2 anos e 8 meses de reclusão, no regime semiaberto, e pagamento de 266 dias-multa. (EDcl no AgRg no AREsp n. 2.217.908/ES, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 7/11/2024.) Passo ao redimensionamento da pena. Sobre a pena intermediária estabelecida pela Corte de origem (5 anos de reclusão e 500 dias-multa), incide a majorante prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/2006, na fração de 1/6, bem como a minorante do tráfico privilegiado, no patamar de 2/3, ficando a reprimenda definitiva do paciente em 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e 194 dias-multa. Quanto ao regime prisional, não obstante o redimensionamento da reprimenda para 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, mantenho o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, ante a presença de circunstância judicial desfavorável (fl. 34). A propósito: DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO. PACIENTE PRIMÁRIA. PENA INFERIOR A 4 ANOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. REGIME SEMIABERTO ADEQUADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I. CASO EM EXAME [...] 4. Nos termos do art. 33, §2º, "c", e §3º do Código Penal, c/c o art. 42 da Lei 11.343/2006, o regime inicial adequado para réu primário, com pena inferior a 4 anos e circunstâncias judiciais desfavoráveis, deve ser o semiaberto, salvo fundamentação concreta e específica que justifique maior gravidade do regime. [...] IV. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. (HC n. 925.138/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 29/10/2024.) Por fim, nos termos art. 44, III, do Código Penal, é incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois, como já mencionado, o paciente ostenta circunstância judicial negativa (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.543.353/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 7/11/2024).
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do presente do habeas corpus, contudo concedo a ordem de ofício, a fim de reduzir as penas do paciente para 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e 194 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. Comunique-se. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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