STJ Fev25 - Furto - Absolvição - Sentença Lastreada em Confissão Extrajudicial Não Formalizada :"sem sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP"

     Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO em favor de JOSÉ XXXXXXXXXXA contra acórdão da 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça daquele estado, na Apelação n. 0011767-16.2018.8.26.0451, assim ementado:

Apelação criminal Furto qualificado pelo concurso de agentes e pelo rompimento de obstáculo Sentença de absolutória - Recurso ministerial Pleito de condenação Necessidade - Materialidade e autoria delitiva devidamente demonstradas pelos depoimentos das testemunhas policiais A confissão informal não viola o direito constitucional ao silêncio Acusados que admitiram o furto em duas oportunidades distintas, para dois agentes policiais, precisando detalhes minuciosos acerca do delito Divisão de tarefas narrada aos policiais que se coaduna àquela empregada em processo diverso, a robustecer as palavras dos agentes policiais - Condenação que se impõe - Dosimetria da pena Primeira fase Pena-base fixada acima do mínimo legal Maus antecedentes de Jeferson e pluralidade de circunstâncias qualificadoras - Segunda fase Reincidência de José Augusto Acusado José Augusto que, em juízo, negou a prática delitiva, não incidindo a atenuante da confissão espontânea Atenuante da confissão espontânea reconhecida para Jeferson, pois amplamente utilizada para nortear a convicção Deslinde do delito que apenas foi possível por meio da confissão informal, dias após a recuperação do bem subtraído Terceira fase Ausência de causas de aumento ou diminuição da pena – Regime fechado estabelecido Pluralidade de maus antecedentes de Jeferson e reincidência de José Augusto, ambos por delitos envolvendo veículos automotores, a denotar a inclinação à prática de tal gênero de delito Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos Recurso provido. (e-STJ, fls. 25-26)

Em seu arrazoado, a Defensoria Pública alega que a condenação dos pacientes foi embasada unicamente em confissão informal tomada em cadeia pública, no dia da audiência de custódia em razão de uma outra prisão em flagrante. Conta que os pacientes já estavam encarcerados e, portanto, em situação de extrema vulnerabilidade.

Aduz que não foi instaurado nenhum expediente investigatório. Requer a cassação do acórdão a quo e o restabelecimento da sentença absolutória. Prestadas as informações (e-STJ, fls. 159-161 e 167-193), o Ministério Público opinou pelo não conhecimento do habeas corpus, com a concessão da ordem, de ofício (e-STJ, fls. 197-204).

É o relatório. Decido.

Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. Conforme relatado, a ação penal foi julgada improcedente pelo Juízo da 3ª Vara Criminal de Piracicaba-SP, uma vez que a autoria delitiva não restou devidamente comprovada, pois contra os réus havia apenas uma confissão informal.

O magistrado destacou que não foram encontrados com os acusados quaisquer bens que os ligassem ao furto do veículo da polícia e tampouco qualquer elemento de prova que os colocasse no local dos fatos. E salientou que a confissão informal, quando não corroborada por outros elementos de prova, não ultrapassa a condição de indício para a de certeza de autoria.

Ao julgar o apelo ministerial, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença de primeiro grau para condenar os pacientes, uma vez que os réus confessaram a prática delitiva em duas oportunidades distintas e para policiais diferentes (na Delegacia de Polícia para Gelcino e no Fórum para Anselmo).

Consta do acórdão condenatório que:

A testemunha policial Anselmo narrou que, cerca de 25 dias após a subtração do veículo, o policial Gelcino, de Santa Bárbara D'Oeste, comunicou seu distrito policial acerca de dois indivíduos presos em flagrante pelo delito de furto de veículos que haviam confessado informalmente também a subtração de uma viatura descaracterizada, bem como que eles seriam apresentados na Audiência de Custódia. A testemunha Anselmo se dirigiu ao fórum e, em conversa com os réus, eles admitiram o furto da viatura, acrescentando detalhes de onde havia sido abandonada (em frente a uma praça, local onde realmente foi localizada). Ambos os réus confirmaram a divisão de tarefas (José Augusto dando cobertura e Jeferson realizando a subtração), conforme constante no relatório de investigação à fl. 10. Consigne-se que a mesma divisão de tarefas foi admitida pelo acusado Jeferson durante seu interrogatório judicial nos autos nº 0000588-29.2018.8.26.0599 (à fl. 392 dos mencionados autos), em relação ao furto do veículo ali tratado e efetuado por ambos os recorridos, a robustecer o depoimentos das testemunhas policiais. (e-STJ, fls. 143-144; grifou-se.)

O Ministério Público Federal, em seu parecer, entendeu pelo restabelecimento da sentença absolutória, registrando que "tendo em vista que o standard probatório relativo à autoria foi firmada apenas por testemunhos indiretos e baseados em confissões informais não corroboradas por outros elementos de prova, a absolvição dos Pacientes se impõe, na exata forma estabelecida na Sentença absolutória" (e-STJ, fl. 202).

Quanto ao tema, por ocasião do julgamento do AREsp n. 2.123.334-MG, de minha relatoria, foram firmadas as teses de que: 1) a confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial.

Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu); 2) a confissão extrajudicial admissível pode servir apenas como meio de obtenção de provas, indicando à polícia ou ao Ministério Público possíveis fontes de provas na investigação, mas não pode embasar a sentença condenatória; 3) e que a confissão judicial, em princípio, é, obviamente, lícita.

Todavia, para a condenação, apenas será considerada a confissão que encontre algum sustento nas demais provas, tudo à luz do art. 197 do CPP.

In casu, como dito, a única fonte de prova utilizada para a condenação foi a confissão informal dos acusados relatada nos depoimentos dos policiais. Dentro desse panorama é de rigor o restabelecimento da sentença absolutória. Ainda nos termos do parecer ministerial:

Sem a necessidade de se promover profundo revolvimento de provas, observa-se que a condenação dos Paciente foi lastreada tão apenas em testemunhos indiretos, um deles prestado pelo Policial Civil que teve sua viatura furtada e outro pelo Policial Civil que tinha a função de carcereiro da cadeia pública onde os Paciente se encontravam recolhidos pela prática de crime distinto daquele apurado nos autos. Enquanto o primeiro afirmou que ouviu a confissão dos Pacientes na ocasião em que eles seriam submetidos à audiência de custódia, o segundo relatou que, em conversa com os Pacientes, ouviu que eles teriam cometido o crime relativo à viatura furtada. Logo, percebe-se, com clareza, que a condenação foi sedimentada tão apenas em testemunhos indiretos (ou de ouvi dizer), obtidos a partir de confissões absolutamente informais e supostamente prestadas fora do quadro de investigação do crime em apuração. Ademais, a conclusão de autoria não foi firmada em nenhum outro elemento de prova que indicasse que tenham sido encontrados com os Pacientes quaisquer bens que os ligassem ao furto do veículo da polícia ou que os colocasse no local dos fatos. (e-STJ, fl. 202; grifou-se.)

Considerando a inadmissibilidade da referida prova - confissão extrajudicial informal não documentada -, a absolvição é de rigor. Diante do exposto, não conheço do habeas corpus. Conduto, concedo a ordem, de ofício, para cassar o acórdão impugnado e restabelecer a sentença absolutória. Publique-se. Intime-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 973425 - SP (2025/0001902-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 13/02/2025.)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ Jun24 - Consunção Aplicada entre Receptação e Adulteração de Sinal de Identificador de Veículos - Exclusão da Condenação da Receptação

STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

STJ Dez24 - Estupro - Absolvição - Condenação Baseada Exclusivamente na Palavra da Vítima :"Vítima Prestou Depoimentos com Contradições"