STJ Fev25 - Nulidade da Decisão do TJES acerca da Busca Pessoal - Lei de Drogas - Atuação Irregular da Guarda Municipal - Absolvição :"abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions) - Ausência de Fundada Suspeita
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LEONARDO SXXXXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
Consta dos autos que o paciente foi condenado a 11 (onze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa pela pratica dos crimes previstos nos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 69 do Código Penal. Interposta apelação, foi dado parcial provimento ao recurso para absolver o paciente do crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006 e redimensionar a pena do crime previsto no art. 33 da mesma lei para 06 (seis) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa.
Neste writ, a parte requer a declaração de nulidade da busca pessoal realizada por agentes de guarda municipal. Subsidiariamente, pleiteou a revisão da dosimetria, para neutralizar os vetores circunstâncias, motivos e consequências, pois a quantidade de droga não seria relevante, os motivos e as consequências aduzidos seriam genéricos. Informações prestadas a fls. 87-96 e 97-100.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ. Subsidiariamente, pela denegação da ordem (fls. 103-115).
É o relatório. DECIDO.
Verifica-se que o habeas corpus em tela foi impetrado como substitutivo de recurso próprio/revisão criminal. Pontuo que esta Corte Superior, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018), pacificou orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do instrumento legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado (HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020). No caso, verifica-se flagrante ilegalidade, sendo caso de concessão da ordem. Narra a denúncia (fl. 17):
Revelam os autos que Agentes da Guarda Municipal realizavam patrulhamento preventivo no bairro Itapuã, quando visualizaram o veículo Chevrolet Onix, cor preta, placas QFQ-0B87, que, de acordo com informações, seria constantemente utilizado para fazer o transporte de drogas comercializadas na localidade conhecida como "Favela da Gameleira", fato que motivou a abordagem do veículo e seu condutor, que se verificou ser o denunciado EDER. O denunciado EDER informou aos Agentes que trabalhava como motorista de transporte por aplicativo e havia acabado de deixar os denunciados LEONARDO e AMANDA na esquina da Rua Santa Terezinha, para onde os Agentes se dirigiram e logo avistaram os denunciados LEONARDO e AMANDA, os quais, ao perceberem a presença policial, demonstraram extremo nervosismo, sendo eles também abordados. Realizada a busca pessoal, foi encontrado com o denunciado LEONARDO as 60 buchas de "maconha" e com a denunciada AMANDA a quantia de R$ 911,00 proveniente do tráfico de drogas (auto de apreensão nos autos). Ao ser indagado, o denunciado LEONARDO informou aos Agentes da Guarda Municipal que estava no local para recolher as drogas e o dinheiro proveniente da vende de entorpecentes, sendo que sua companheira, a denunciada AMANDA, o auxilia nessa função escondendo o dinheiro e as drogas, pois, pelo fato de ser mulher, conseguia se desvencilhar com maior facilidade de eventual abordagem policial. Em seguida, o denunciado LEONARDO levou os Agentes até uma residência localizada na mesma rua, onde ele a denunciada AMANDA tinha em depósito mais drogas para o tráfico, ocasião em que foram encontrados e apreendidos 144 pinos de "cocaína" e 105 pedras de "crack". Durante a abordagem, Leonardo informou aos Agentes que pagaria ao denunciado EDER a quantia de R$ 100,00 para ele realizar o Edição nº 58 - Brasília, Disponibilização: segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025 Publicação: terça-feira, 18 de fevereiro de 2025 Documento eletrônico VDA45625480 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 14/02/2025 11:36:29 Publicação no DJEN/CNJ de 18/02/2025. Código de Controle do Documento: 489ec9a2-2c39-4e22-ac70-946fe637e685 transporte das drogas até aquele local, no veículo Chevrolet Onix, cor preta, placas QFQ-0B87, fato esse que ocorria todos os dias, por volta das 08 horas e das 20 horas. [...]. Quanto à abordagem, o acórdão assim exarou (fl. 48): Isso porque, a partir dos depoimentos dos agentes que participaram da ocorrência (em esfera policial às fls. 07/12 e em juízo em mídia à fl. 333), depreende-se que os guardas municipais agiram diante de situação de flagrante delito em crime permanente, ao se depararem com o veículo Onix preto de placa QFQ-0B87, alvo de diversas denúncias como sendo o automóvel que realizava o transporte de todo o entorpecente vendido na Favela da Gamaleira, transitando especificamente nessa região, o que motivou a abordagem. Assim, após realizarem a abordagem, o motorista do veículo esclareceu que havia acabado de deixar um casal no referido local alvo das denúncias, que pagaria a quantia de R$ 100,00 (cem reais) ao motorista pelo transporte de material entorpecente. Diante disso, em posse do casal, foram encontrados 60 (sessenta) buchas de maconha e R$ 911,00 (novecentos e onze reais) em espécie. Nesse contexto, diante da situação de flagrante delito em crime permanente, o acusado Leonardo informou aos agentes públicos onde estaria o restante dos entorpecentes, relatando que escondiam na mesma rua as cargas entregues pelo motorista anteriormente abordado, local em que foram encontrados 144 (cento e quarenta e quatro) pinos de cocaína e 105 (cento e cinco) pedras de crack.
A decisão não se coaduna com a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça na matéria, que vem se consolidando e evoluindo para estabelecer balizas bem delineadas à realização das buscas pessoais e à sua validade jurídica. No âmbito do julgamento do RHC n. 158.580/BA (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 25/4/2022), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça traçou requisitos mínimos para a validade de tal expediente. Nesse sentido, foi estabelecida a exigência de fundada suspeita (justa causa) para a realização da busca pessoal ou veicular sem mandado judicial,
baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto - de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência.
Fixou-se, ainda, a exigência da chamada referibilidade da medida, ou seja, sua vinculação a uma das finalidades legais traçadas no art. 244 do CPP, notadamente quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
O objetivo é impedir abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações. Por tal motivo, buscas pessoais praticadas como 'rotina' ou 'praxe' do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, não satisfazem tais exigências.
No citado leading case, assentou-se que (i) informações de fontes não identificadas (como as denúncias anônimas) e (ii) intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta (como aquelas apoiadas exclusivamente no tirocínio policial, atitude suspeita ou nervosismo), não preenchem o standard probatório exigido. O encontro posterior (descoberta casual) de objetos ilícitos não convalida a busca realizada fora dos parâmetros assinalados para a exigência da fundada suspeita, que deve ser prévia.
A violação de tais parâmetros legais resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida (art. 157 do CPP), bem como daquelas que dela decorrerem em relação de causalidade (§1º do mesmo dispositivo). Anoto, ademais, que este colegiado, no HC 877.943/MS, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, definiu que não chegam a representar a fundada suspeita reações sutis como (i) olhar ou desvio de olhar, (ii) levantar ou sentar, (iii) andar ou parar de andar e (iv) mudar a direção ou o passo.
Quanto ao caso concreto, o que se depreende dos depoimentos colacionados na decisão colegiada questionada pelo writ é, justamente, a abordagem sem fundada suspeita, lastreada unicamente no nervosismo do paciente, bem como na suposta indicação sem elementos concretos do uso de veículo para o tráfico de drogas, tudo a denotar impressão subjetiva e, portanto, fora das balizas fixadas pelos precedentes na matéria.
Desse modo, não contam os autos com elementos minimamente objetivos que chancelem a exigência da fundada suspeita exigida pela legislação, conforme interpretada por esta Corte Superior, nos precedentes citados, para justificar a busca pessoal. Como já salientado, a localização posterior de drogas não convalida a busca realizada de maneira exploratória e sem justa causa. Na espécie, é imperioso destacar a natureza dos agentes que realizaram a busca pessoal - mais um elemento a retirar-lhe a higidez.
Isso porque, conforme assentado no HC 830.530/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, a realização de busca pessoal pelas guardas municipais exige, além da fundada suspeita, tratada acima, a pertinência com sua finalidade, para que seja válida. A tese fixada é a seguinte (grifamos):
20. [...] salvo na hipótese de flagrante delito, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se, além de justa causa para a medida (fundada suspeita), houver pertinência com a necessidade de tutelar a integridade de bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, assim como proteger os seus respectivos usuários, o que não se confunde com permissão para desempenharem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária em qualquer contexto.
Assim, a realização de busca pessoal pelas guardas municipais é excepcional e, para sua validade, deve demonstrar, concretamente, haver clara, direta e imediata relação com a sua finalidade. Prossegue-se, no precedente citado (HC 830.530/SP), a análise da questão invocada na decisão do Tribunal de origem:
16. Ao dispor, no art. 301 do CPP, que "qualquer do povo poderá [...] prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito", o legislador, tendo em conta o princípio da autodefesa da sociedade e a impossibilidade de que o Estado seja onipresente, contemplou apenas os flagrantes visíveis de plano, como, por exemplo, a situação de alguém que, no transporte público, flagra um indivíduo subtraindo sorrateiramente a carteira do bolso da calça de outrem e o detém. Distinta, no entanto, é a hipótese em que a situação de flagrante só é evidenciada depois de realizar atividades invasivas de polícia ostensiva ou investigativa, como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes. 17. A adequada interpretação do art. 244 do CPP é a de que a fundada suspeita de posse de corpo de delito é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca pessoal, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele; isto é, não é a todo indivíduo que cabe definir se, naquela oportunidade, a suspeita era fundada ou não e, por consequência, proceder a uma abordagem seguida de revista. Em outras palavras, mesmo se houver elementos concretos indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem Edição nº 58 - Brasília, Disponibilização: segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025 Publicação: terça-feira, 18 de fevereiro de 2025 Documento eletrônico VDA45625480 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO Assinado em: 14/02/2025 11:36:29 Publicação no DJEN/CNJ de 18/02/2025. Código de Controle do Documento: 489ec9a2-2c39-4e22-ac70-946fe637e685 compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem e à revista do suspeito. 18. Da mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também não são cidadãos comuns, de modo que, se, por um lado, não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro, também não estão plenamente reduzidos à mera condição de "qualquer do povo". Trata-se de agentes públicos que desempenham atividade de segurança pública e são dotados do importante poderdever de proteger os bens, serviços e instalações municipais, assim como os seus respectivos usuários. É possível e recomendável, dessa forma, que exerçam a vigilância, por exemplo, de creches, escolas e postos de saúde municipais, para garantir que não tenham sua estrutura danificada por vândalos, ou que seus frequentadores não sejam vítimas de furto, roubo ou algum tipo de violência, a fim de permitir a continuidade da prestação do serviço público municipal correlato a tais instalações. Nessa linha, guardas municipais podem realizar patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade da corporação, sem que lhes seja autorizado atuar como verdadeira polícia para reprimir e investigar a criminalidade urbana ordinária. 19. Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para investigar, abordar e revistar indivíduos suspeitos da prática de tráfico de drogas ou de outros delitos cuja prática não atente de maneira clara, direta e imediata contra os bens, serviços e instalações municipais ou as pessoas que os estejam usando naquele momento. [...] 21. No caso dos autos, guardas municipais estavam em patrulhamento quando depararam com o paciente em "atitude suspeita". Por isso, decidiram abordá-lo e, depois de revista pessoal, encontraram certa quantidade de drogas no bolso traseiro e nas vestes íntimas dele, o que ensejou a sua prisão em flagrante delito. 22. Ainda que, eventualmente, se considerasse provável que o réu ocultasse objetos ilícitos, isto é, que havia fundada suspeita de que ele escondia drogas, não existia certeza sobre tal situação a ponto de autorizar a imediata prisão em flagrante por parte de qualquer do povo, com amparo no art. 301 do CPP. Tanto que, conforme se depreende da narrativa fática descrita pelas instâncias ordinárias, só depois de constatado que havia drogas dentro do bolso e das vestes íntimas do paciente é que se deu voz de prisão em flagrante para ele, e não antes. E, por não haver sido demonstrada concretamente a existência de relação clara, direta e imediata com a proteção dos bens, serviços ou instalações municipais, ou de algum cidadão que os estivesse usando, não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado.
A narrativa fática descrita no acórdão impugnado não indica nenhuma correlação da atuação da guarda municipal com a sua finalidade precípua, conforme estabelecido nos precedentes em questão. Ao contrário, equipara-se no decisum colegiado a atuação à prisão em flagrante por qualquer do povo, o que não se alinha ao precedente mencionado, conforme supratranscrito. Logo, é inescapável a conclusão pela nulidade das provas colhidas a partir da diligência.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, porém, na linha dos precedentes desta Corte acerca do tema, concedo a ordem, de ofício, para declarar a nulidade das provas colhidas a partir da busca pessoal realizada pela guarda municipal e aquelas delas decorrentes (art. 157, § 1º, do CPP) e, consequentemente, absolvo o paciente nos autos da Ação Penal n. 0010928- 71.2021.8.08.0035 por ausência completa de prova da materialidade do delito de tráfico de drogas, com fundamento no art. 386, II, do CPP. Expeça-se alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso. Comunique-se com urgência ao Tribunal de origem e ao Juízo a quo. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 14 de fevereiro de 2025. Ministro OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (Desembargador Convocado do TJSP) Relator
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