STJ Fev25 - Revogação de Prisão Preventiva - Homicídio Qualificado - Excesso na Formação de Culpa (desde 2021)
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de ALXXXXX, contra acórdão prolatado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO no julgamento do HC n. 0001860-03.2022.8.17.9480.
Extrai-se dos autos que o paciente está preso preventivamente pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal - CP (por duas vezes) e 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 14, II, do CP (por três vezes). Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem aduzindo constrangimento ilegal consistente no excesso de prazo para a formação da culpa, contudo, a Segunda Turma da Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco - TJPE denegou a ordem, com recomendação, em acórdão assim ementado:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROCESSO COM TRAMITAÇÃO REGULAR E CONTÍNUA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Conforme reiteradamente decidido pelo STJ “eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional”. 2. O processo criminal de origem apresenta considerável complexidade diante da existência de 10 réus e da necessidade de expedição de cartas precatórias. 3. Considerando a complexidade do processo de origem e a gravidade concreta dos crimes praticados (homicídio consumado de duas pessoas e tentativa de outras três), tem-se que a prisão provisória decretada em 22/10/2021 ainda não se encontra eivada de ilegalidade, na medida em que o Juízo e a Acusação estão empreendendo esforços para impulsionar a tramitação do feito. 4. Reforça-se que o processo de origem ainda em sua fase inicial já totaliza mais de 2000 mil páginas, e inúmeros requerimentos formulados pelos acusados, os quais estão sendo devidamente apreciados em prazo razoável pela autoridade judiciária. 5. Verificando a tramitação do feito no PJE de primeiro grau é possível constatar que vários despachos e decisões foram proferidos logo após a data de conclusão, o que denota um compromisso do Juízo de origem em respeitar o princípio da duração razoável do processo. 6. Denegação da ordem. 7. Decisão unânime." (fls. 44/45)
No habeas corpus, a defesa reitera a adução de excesso de prazo da custódia cautelar. Relata que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça assegurou a liberdade a corréus em situações processuais similares. Sustenta que o paciente faz jus à extensão dos benefícios concedidos aos corréus. Pondera a suficiência e adequação das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. Requer, em liminar e no mérito, o relaxamento ou a revogação da prisão preventiva. Alternativamente, pugna pela extensão da ordem concedida a corréus, ou pela substituição da segregação por cautelares menos gravosas. Manifesta interesse na realização de sustentação oral.
A Presidência do Superior Tribunal de Justiça determinou a oitiva do Ministério Público Federal, acerca do pedido de extensão (fls. 84/85). O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação do writ. A defesa reiterou os pedidos da inicial (fls. 94/96). Após determinação (fl. 98), o Juízo de Primeiro Grau prestou as informações de fls. 135/136.
É o relatório. Decido.
O habeas corpus não deve ser conhecido, pois conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não prospera o writ de recurso próprio, ressalvada a possibilidade da concessão da ordem, de ofício, caso constatada flagrante ilegalidade.
A fim de conferir a máxima eficácia ao princípio da ampla defesa, promovo o exame do constrangimento aduzido na inicial. A defesa alega a configuração de excesso de prazo da custódia cautelar. Ao analisar a pretensão formulada na origem, a Corte estadual, em 26/1/2023, denegou a ordem, mas determinou a adoção de maior celeridade no processamento do feito, nos seguintes termos:
"O objeto da presente impetração consiste em perquirir se há excesso de prazo que contamine a legalidade da prisão provisória decretada em desfavor do paciente. Na hipótese dos autos, o paciente se encontra preso, desde o dia 22/10/2021, em razão da decretação de sua prisão provisória. O paciente foi denunciado pela suposta prática dos seguintes crimes: Art. 121, §2º, I e IV, do CP (por duas vezes) e art. 121, §2º, I e IV, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal (por três vezes), c/c art. 29 (em concurso material de infrações penais – art. 69, do CP) O processo criminal de origem apresenta considerável complexidade diante da existência de 10 réus e da necessidade de expedição de cartas precatórias, conforme destacado pela autoridade coatora. Consta, resumidamente, da denúncia oferecida pelo Parquet: “No dia 28 de abril de 2021, no período da tarde, por volta das 16h45min, no “Espetinho da Morena”, situado na Rua Agamenon Magalhães, Centro, neste município de Cupira/PE, os denunciados, em unidade de ações e vontades, com intenção de matar, por meio de disparos de arma de fogo, concorreram para a morte das vítimas Daniel José da Silva1 e Klebson Bezerra da Silva2 , e, por erro de execução, mediante assunção do risco de matar, atingiram as vítimas Valdemir José da Silva, Josiel João da Silva3 e Robson de França4 , não consumando o crime doloso contra a vida por circunstâncias alheias às vontades dos agentes. No dia e local do fatos, o carro modelo FORD FIESTA , de cor branca, sem calotas, vidros fumês e de placas OHB-8591, estava na posse do denunciado Alex Rodrigues dos Santos (“Nando”), responsável por, dolosamente, fornecer o veículo para a empreitada criminosa. Após a cessão do automóvel, no momento dos crimes, o denunciado Severino Sérgio da Silva dirigia o veículo – e transportava os co-denunciados Alex dos Santos Alves (“Alex Cigano”), Deivid Rodrigues dos Santos, Fábio Tenório de Siqueira (“Furinha”) e Júnior Pedro da Silva (“Júnior”) - e parou ao lado do “Espetinho da Morena”, situado na área central de Cupira/PE. Ato contínuo, os referidos denunciados, armados, desceram do veículo e realizaram diversos disparos de arma de fogo em direção às vítimas Daniel José da Silva e Klebson Bezerra da Silva, atingindo-as, as quais vieram a óbito no local. No mesmo contexto, por erro de execução, os referidos denunciados ainda atingiram e causaram lesões às vítimas Valdemir José da Silva, Josiel João da Silva e Robson de França, que estavam nas proximidades, não consumando o crime doloso contra a vida, por circunstâncias alheias às vontades dos agentes, em razão do imediato socorro aos ofendidos prestado pela comunidade local. Eis que, após a constatação da morte da vítima Daniel José, os agentes retornaram para o veículo e fugiram. Registre-se que, no dia anterior (27.04.2021), o jovem Natalhiel de Araújo Martins foi vítima de disparos de arma de fogo, que lhe ocasionaram a morte. O autor, Railson Jeronimo Pereira da Silva, foi preso em flagrante5 . Na ocasião, foi necessária escolta policial para conduzi-lo até a DEPOL, sob o risco de linchamento da comunidade. A referida infração gerou profunda tristeza na comunidade tradicional cigana local, da qual fazem parte os familiares do ofendido (Natalhiel de Araújo Martins). No mesmo dia, o pai da vítima, Etevaldo Martins, ora denunciado, na Delegacia, anunciou que iria matar o autor do crime, por meio das seguintes ameaças: “seu eu pagar o melhor advogado, eu consigo soltar o cara que matou meu fillho?”; “Eu vou viver para matar esse cara”. No mesmo sentido, disse que Railson “irá pagar na mesma moeda e que a maior parte do corpo que irá ficar dele será os dentes, pois ele será fuzilado”. Nesse ínterim, o adolescente Daniel José da Silva (“Danielzinho”) fora apreendido pela prática do ato infracional análogo ao tráfico de drogas. Na ocasião, o denunciado Etevaldo Martins apontou, de forma deliberada, que o adolescente Daniel José da Silva concorreu para a morte do filho (Natalhiel de Araújo Martins), mesmo após a autoridade policial, naquele momento, explicitar a ausência de vinculação. Eis que, após a confecção do auto de apreensão, a autoridade policial liberou o jovem Daniel José, sob compromisso de apresentar-se ao Ministério Público. No dia seguinte (28.04.2021), Daniel José foi assassinado, circunstância que denota o vínculo do denunciado Etevaldo Martins com os crimes sob análise, na condição de autor mediato, fato corroborado pelos diálogos interceptados. Após a consumação dos crimes, os agentes dirigiram-se à residência do denunciado Cícero Rodrigues dos Santos Neto (“Neto Cigano”). Registre-se que o mencionado agente, no momento dos crimes, manteve intensos contatos telefônicos com os co-denunciados Alex dos Santos Alves e Francisco de Assis Pereira Alves (“Pedro Cigano” ou “Diassis”), o primeiro, executor direto e, o segundo, autor intelectual dos delitos. Registre-se, ainda, que os co-denunciados Francisco de Assis Pereira e Wemerson Santiago da Silva (“Emi” ou “M”), no dia dos fatos, repassaram a informação para o grupo acerca da localização das vítimas fatais, concorrendo para o êxito da empreitada criminosa, consoante se infere, inclusive, dos diálogos telefônicos monitorados. Consigne-se que, conexos aos presentes homicídios, existem 03 (três) outros procedimentos policiais, também instaurados para apuração de crimes dolosos contra a vida, praticados pelos integrantes do grupo criminoso .” Conforme se observa da narrativa do complexo fato delituoso, o paciente integra um grupo criminoso que foi responsável pela morte de duas pessoas e ainda pela tentativa de homicídio de indivíduos que foram atingidos por erro em execução (aberratio ictus). Naturalmente, um processo envolvendo uma grande quantidade de réus, como a hipótese dos autos, demanda mais tempo para a sua conclusão, o que deve ser levado em consideração para balizar o reconhecimento do alegado excesso de prazo. Isso porque, o reconhecimento do excesso de prazo sempre deve ser feito casuisticamente, e jamais pela simples soma aritmética dos prazos legais. Ora, eventual excesso deve ser examinado de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração a complexidade do caso, o procedimento a ser seguido, o número de infrações penais e de réus e se o prolongamento foi causado pelo órgão de acusação ou de defesa, ou ainda, pela própria autoridade judiciária. Logo, o constrangimento ilegal da prisão cautelar não se demonstra apenas por meio da análise isolada do tempo de prisão, devendo ser observadas também as circunstâncias do caso em concreto. Volvendo-se ao caso concreto, analisando a tramitação do processo no PJE de 1º grau, verifica-se que a autoridade judiciária encontra-se impulsionando o feito, apreciando os inúmeros requerimentos formulados pelas defesas técnicas que estão habilitadas nos autos. Além disso, ao contrário do alegado pelos impetrantes, foi certificado por servidor atuante no Juízo de origem, que alguns réus já foram citados e apresentaram resposta à acusação, sendo um deles o paciente do presente habeas corpus. Veja-se: Certifico, para os devidos fins de direito, que conforme certidão de id 112361165, não foi expedido mandado de citação em relação aos réus DEIVID RODRIGUES DOS SANTOS, ETEVALDO MARTINS, WEMERSON SANTIAGO DA SILVA,FÁBIO TENÓRIO DE SIQUEIRA, JÚNIOR PEDRO DA SILVA e FRANCISCO DE ASSIS PEREIRA ALVES, em razão de os referidos réus estarem atualmente em local incerto e não sabido, conforme denúncia de ID nº 9694092. -conforme certidão de ID nº 112362585, foi expedido mandado de citação para os réus ALEX DOS SANTOS ALVES, CICERO RODRIGUES DOS SANTOS NETO, SEVERINO SERGIO DA SILVA e ALEX RODRIGUES DOS SANTOS , conforme despacho/decisão de ID nº 106943045. -Os réus: SEVERINO SÉRGIO DA SILVA, apresentou resposta à acusação, conforme petição de ID nº 113993695. WEMERSON SANTIAGO DA SILVA, não foi expedido mandado de citação, em razão de seu endereço ser atualmente em local incerto e não sabido, mas foi apresentada resposta à acusação, conforme petição de ID nº 113925644. JÚNIOR PEDRO DA SILVA, não foi expedido mandado de citação, em razão de seu endereço ser atualmente em local incerto e não sabido, mas foi apresentada resposta à acusação, conforme petição de ID nº 113925644 ALEX RODRIGUES DOS SANTOS, apresentou resposta à acusação, conforme certidão de ID nº 98959920. O certificado é verdade. Dou fé. Constata-se, assim, que o paciente já foi citado, e inclusive apresentou resposta à acusação. Nesse contexto, considerando a complexidade do processo de origem e a gravidade concreta dos crimes praticados, tenho que a prisão provisória decretada em 22/10/2021 ainda não se encontra eivada de ilegalidade, na medida em que o Juízo e a Acusação estão empreendendo esforços para impulsionar a tramitação do feito. Importante também registrar, que o processo de origem, ainda em sua fase inicial, já totaliza mais de 2000 mil páginas, e inúmeros requerimentos formulados pelos acusados, os quais estão sendo devidamente apreciados em prazo razoável pela autoridade judiciária. Inclusive, verificando a tramitação do feito no PJE de primeiro grau, é possível constatar que vários despachos e decisões foram proferidos logo após a data de conclusão, o que denota um compromisso do Juízo de origem em respeitar o princípio da duração razoável do processo. Por tais razões, não há a apontada ilegalidade que enseje o relaxamento da prisão preventiva decretada em desfavor do paciente. Nesse sentido, confira-se precedente do Superior Tribunal de Justiça: [...] Ante o exposto, em consonância ao parecer da Procuradoria de Justiça, DENEGO A ORDEM DE HABEAS CORPUS. Não obstante a denegação da ordem, determino que se oficie ao Juízo apontado como coator para que garanta uma tramitação processual célere até a ultimação do feito." (fls. 37/43)
Esta Corte Superior tem o entendimento de que somente configura constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, apto a ensejar o relaxamento da prisão cautelar, a mora que decorra de ofensa ao princípio da razoabilidade, consubstanciada em desídia do Poder Judiciário ou da acusação, jamais sendo aferível a partir da mera soma aritmética dos prazos processuais.
Nessa linha de intelecção:
"[a] questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto" (HC n. 331.669/PR, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016).
Neste caso, segundo informado pelo Juízo de Primeiro Grau, a prisão perdura desde o dia 16/12/2021 e "O processo está aguardando intimação do Ministério Público para que manifeste-se acerca do pedido de relaxamento de prisão do réu ALEX, bem como designação de nova data de audiência" (fl. 136).
Apesar da complexidade da ação penal e da gravidade dos fatos imputados, a duração da prisão cautelar superou a razoabilidade, inexistindo indicativo de que a demora constatada na tramitação do feito possa ser imputada ao réu ou à defesa. Tal conjuntura, que demonstra a falta de previsão para o encerramento da instrução em caso que conta com réu preso desde 2021 demanda intervenção desta Corte Superior a fim de sanar a ilegalidade averiguada.
Nesse sentido, colaciono precedentes:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. PRESO PREVENTIVAMENTE DESDE 2021. DELONGA INJUSTIFICADA. EXCESSO DE PRAZO RECONHECIDO. RAZOABILIDADE. 1. Com relação aos prazos consignados na lei processual, deve-se atentar o julgador às peculiaridades de cada ação criminal. Com efeito, uníssona é a jurisprudência no sentido de que a ilegalidade da prisão por excesso de prazo só pode ser reconhecida quando a demora for injustificada, impondo-se a adoção de critérios de razoabilidade no exame da ocorrência de indevida coação. 2. No caso, o paciente foi preso no dia 13/1/2021 e a pronúncia foi proferida em 23/7/2023. Atualmente, aguarda-se a apresentação das razões do recurso em sentido estrito interposto pelo ora paciente, não havendo, portanto, previsão para a realização da sessão plenária. 3. Na hipótese, a ação penal conta com apenas dois réus e não se justificam os enormes intervalos entre os atos processuais, tendo o paciente sido citado em 11/2/2021, concluída a instrução correspondente à primeira fase do júri apenas em 20/10/2022, e proferida a sentença de pronúncia apenas 9 meses depois, em 23/7/2023. 4. A pena abstrata aplicável ao delito de homicídio qualificado varia de 12 a 30 anos de reclusão, e tratando-se da modalidade tentada, será necessariamente reduzida de 1/3 a 2/3, podendo chegar a 04 (quatro) anos de reclusão, de modo que, estando o paciente preso cautelarmente desde 13/1/2021, ou seja, há aproximadamente 3 anos e 6 meses, revela-se desproporcional a medida de prisão, pois, acaso venha a ser condenado e a depender do quantitativo da pena, o imputado já estaria próximo do cumprimento integral da sanção ou, até mesmo, teria alcançado lapso temporal para o gozo de benefícios executivos, como a progressão de regime. 5. Conforme já assinalado por essa Turma criminal em oportunidades anteriores, "têm sido recorrentes, nesta Corte, reconhecimento de excesso de prazo em processos criminais oriundos do Estado de Pernambuco" (AgRg no RHC n. 184.144/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024). 6. Habeas corpus concedido. (HC n. 874.149/PE, relator Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador Convocado do TJDFT), SEXTA TURMA, julgado em 20/8/2024, DJe de 27/8/2024.) RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. LESÃO CORPORAL. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PARALISAÇÃO INJUSTIFICADA DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONCRETA PARA A CONCLUSÃO DO FEITO. TEMPO DESPROPORCIONAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Os prazos processuais previstos na legislação pátria devem ser computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se pautar sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República), considerando cada caso e suas particularidades. 2. Na espécie, a despeito da gravidade das acusações imputadas ao réu, é injustificada e irrazoável a delonga processual. O ora recorrente está cautelarmente privado de sua liberdade há cerca de 3 anos e 2 meses sem que haja sido finalizada a instrução criminal e sem perspectiva para a prolação de decisão que encerra a fase de judicium accusationis do Tribunal do Júri. 3. Embora os crimes sujeitos ao procedimento especial do júri sejam naturalmente mais complexos, dado o seu sistema bifásico, não houve motivação do Juízo natural da causa que pudesse explicar as paralisações do processo. Deveras, o fato de a ação penal se voltar contra dois réus não é fundamento bastante, por si só, para inferir a complexidade do caso. 4. Conquanto a crise mundial da Covid-19 e a magnitude do panorama nacional possa ter afetado, em um primeiro momento, a prestação jurisdicional - notadamente a prática de atos presenciais -, os órgãos do Poder Judiciário tomaram providências necessárias para se adequar à nova realidade. Tanto assim o é que, in casu, a audiência de instrução foi redesignada para agosto de 2020, é dizer, cinco meses após o ato desmarcado. 5. Quanto à suposta contribuição da defesa para a mora - ao requerer que o interrogatório ocorresse após o retorno das cartas precatórias para oitiva de testemunha cumpridas -, tratou-se de diligência sem caráter manifestamente protelatório, sobretudo por consubstanciar direito do acusado de ser ouvido por último na instrução. 6. No que tange à necessidade de expedição de carta precatória, é certo que se trata de procedimento que conduz a um elastecimento processual, mas também não justifica a mora ocorrida na espécie. A carta precatória para a oitiva de testemunha foi expedida em 22/6/2020 e retornou cumprida apenas em 19/7/2021. Em 23/11/2021, foi dado andamento ao processo, com a determinação de realizar o interrogatório dos réus também por carta precatória. Em 30/4/2022, o Juiz de primeira instância determinou que se oficiasse à Corregedoria Geral de Justiça, para que auxiliasse no cumprimento da diligência. Neste RHC, requisitadas informações à Vara Única da Comarca de Silves-AM por nove vezes, elas não foram prestadas. 7. Todo esse cenário denota uma reiterada inobservância do dever de recíproca cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário, sobretudo no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas - seja no cumprimento da precatória, no impulso processual ou na prestação de informações. Com efeito, o art. 67 do CPC, que estabelece essa diretriz, tem em vista uma prestação jurisdicional mais célere, que é ainda mais necessária no processo penal, notadamente nos casos em que o acusado está preso. 8. A delonga imotivada é especialmente agravada pelo fato de, em 18/8/2020, haver sido relaxada a prisão preventiva da corré por excesso de prazo, sem que o ora recorrente haja sido também colocado em liberdade. 9. Portanto, há coação ilegal decorrente da delonga processual e do aprisionamento cautelar do réu, notadamente porque, passados já cerca de 3 anos e 2 meses de prisão preventiva, não há previsão concreta de data de conclusão do feito. Ressalto que, a despeito da gravidade dos fatos imputados ao agente, não se revela plausível a manutenção da custódia ante tempus se não há nem mesmo estimativa para o desfecho do primeiro grau de jurisdição. 10. Recurso em habeas corpus provido para relaxar a prisão preventiva do réu e determinar que o Juízo de primeiro grau fixe medidas cautelares alternativas. Determinada, ainda, comunicação ao CNJ. (RHC n. 161.407/AM, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe de 29/11/2022.)
Ante o exposto, nos termos do art. 34, XX, c/c o art. 203, II, do RISTJ, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para relaxar a prisão preventiva imposta ao paciente, salvo se por outro motivo preso, e determinar a aplicação medidas cautelares alternativas, a critério do Juízo de Primeiro Grau. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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