STJ Fev25 - Revogação de Prisão Preventiva - Roubo :"Réu Primário, Não Faz Parte de Orcrim. - Fundamento Abstrato do Crime"

    Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por XXXXXX, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 1417730-92.2024.8.12.0000.

Extrai-se dos autos que o recorrente foi preso em flagrante em 27/6/2024, posteriormente convertido em prisão preventiva, pela suposta prática do crime de roubo majorado. Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado (e-STJ, fls. 525/526):

"DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ROUBO MAJORADO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA MEDIDA CAUTELAR. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Terenos/MS, que converteu a prisão em flagrante do paciente em prisão preventiva pela suposta prática do crime de roubo majorado (art. 157, § 2º, incisos II e VII, do Código Penal). O paciente foi preso em flagrante em 27 de junho de 2024, e a denúncia foi recebida em 09 de julho de 2024. Sustenta a defesa que a prisão preventiva carece de fundamentação concreta e que o paciente possui condições pessoais favoráveis, como primariedade e residência fixa, sendo suficiente a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Requer a concessão da liberdade provisória para que o paciente aguarde o julgamento da ação penal em liberdade. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a prisão preventiva foi adequadamente fundamentada com base em elementos concretos que demonstrem a necessidade da medida cautelar para a garantia da ordem pública; e (ii) analisar se as condições pessoais favoráveis do paciente justificam a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, uma vez que o crime imputado ao paciente envolve grave ameaça à pessoa, praticado com emprego de arma branca e em concurso de pessoas. 4. A gravidade concreta do crime, evidenciada pela subtração de veículo e outros bens da vítima mediante violência, demonstra risco de reiteração delitiva e justifica a manutenção da custódia preventiva. 5. As condições pessoais favoráveis do paciente, como primariedade e residência fixa, são insuficientes para afastar a necessidade da prisão preventiva quando presentes os requisitos dos arts. 312 e 313, inciso I, do Código de Processo Penal. 6. O entendimento jurisprudencial prevalente indica que a gravidade concreta da conduta e o risco de reiteração delitiva impedem a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Ordem de habeas corpus denegada."

Nas razões do presente recurso, sustenta que não estão presentes os requisitos estabelecidos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP para a decretação da prisão preventiva, bem como ausentes indícios concretos de risco à ordem pública. Alega que o decreto preventivo foi embasado em elementos ínsitos ao tipo penal.

Defende a suficiência das medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do CPP, tendo em vista que tem apenas 18 anos de idade, é primário, reside com seus pais, não se dedica a atividades delitivas e não integra organização criminosa. Requer o provimento do recurso para que seja revogada a prisão preventiva, com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas (e-STJ, fl. 542/551). O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fl. 572/573). Foram prestadas informações (e-STJ, fls. 577 e 582/584).

A defesa do recorrente reiterou o pedido formulado, informando que a instrução não foi finalizada, e que o recorrente permanecerá preso por prazo superior ao necessário (e-STJ, fls. 600/602).

O Ministério Público Federal emitiu parecer pelo desprovimento do recurso (e-STJ, fls. 607/614).

É o relatório. Decido.

Sustenta o impetrante que a prisão preventiva carece de fundamentação idônea que justifique a manutenção do cárcere. A esse respeito, o Juízo de origem, quando da decretação da prisão preventiva do recorrente, consignou (e-STJ, fls.114/116):

“Verifica-se, in casu, pelas condições do delito, em especial pela natureza do crime, praticado com emprego de grave ameaça, entendo não ser recomendável a concessão de liberdade provisória. O fato do crime ter sido praticado mediante grave ameaça à pessoa, de modo que infiro não ser recomendável a concessão de medidas cautelares mais brandas. Dessa forma, havendo, em tese, prova da materialidade e indícios de autoria, presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, entendo necessária a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, à luz do artigo 312, do CPP. Verifica-se tratar de crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. Assim sendo, acompanho integralmente a manifestação ministerial, homologo o flagrante e converto a prisão em flagrante em prisão preventiva do autuado.” Por sua vez, quando da análise das razões avocadas na ordem de habeas corpus, o Tribunal a quo decidiu (e-STJ, fls. 530/531): “No caso em tela, observa-se que o decreto prisional está calcado em decisão devidamente fundamentada, na qual restaram demonstrados os indícios suficientes de autoria do paciente no delito tipificado no art. 157, § 2º, inciso II e VII (roubo em concurso de pessoas e com emprego de arma branca), do Código Penal, bem como a necessidade da custódia como forma, principalmente, de garantir a ordem pública. [...] No caso, o decreto prisional está fundamentado na gravidade acentuada do crime imputado ao paciente, consubstanciado na subtração, mediante violência, de uma camionete Mitsubishi e diversos outros objetos, pertencentes à vítima Cauby de Medeiros Neto, conforme se verifica do auto de prisão em flagrante e demais peças informativas de f. 5/106 dos autos de origem, n.º 0800650-23.2024.8.12.0047. Note-se que no caso presente há indícios de que o paciente e seus comparsas tenham cometido o delito de roubo, subtraindo o veículo mediante violência, para a aquisição de entorpecentes. Diante de tais circunstâncias, é induvidoso o risco de o paciente volte a delinquir caso seja colocado em liberdade. Assim, no caso em epígrafe, a prisão cautelar encontra-se devidamente fundamentada na necessidade imperiosa de resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal, diante do fundado receio de reiteração delitiva.”

Pois bem. O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento pacífico de que a custódia cautelar possui natureza excepcional, somente sendo possível sua imposição ou manutenção quando demonstrado, em decisão devidamente motivada, o preenchimento dos pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. É certo, ainda, que, em razão do princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade, a prisão preventiva deve ser a exceção, imposta apenas aos casos em que não for possível a manutenção da liberdade com ou sem a implementação de medida cautelar diversa prevista no art. 319 do CPP.

Na hipótese dos autos, constato a ausência de fundamentos idôneos e concretos que justifiquem a manutenção da prisão processual do recorrente, impondo-se a revogação da custódia cautelar. De início, observa-se que a prisão preventiva do recorrente foi decretada pelo “fato do crime ter sido praticado mediante grave ameaça à pessoa, de modo que infiro não ser recomendável a concessão de medidas cautelares mais brandas” Todavia, apesar da gravidade abstrata do crime imputado ao recorrente, as razões expostas pelo Juízo de origem não desbordam a gravidade inerente do tipo penal, não tendo sido apresentados elementos concretos para a decretação da prisão.

Nesse sentido, conforme reiterada jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a fundamentação da prisão preventiva deve ser clara, individualizada e baseada em elementos concretos dos autos, de modo a demonstrar a necessidade da medida cautelar.

Ressalte-se que a decisão que impõe ou mantém a prisão preventiva deve estar pautada na demonstração objetiva de que a segregação é imprescindível para a garantia da ordem pública, da instrução criminal ou da aplicação da lei penal. Essa deficiência na fundamentação viola não apenas os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mas também o princípio da presunção de inocência, que assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

No mesmo sentido, vejam-se os precedentes desta Corte Superior:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE PERICULOSIDADE CONCRETA E RISCO DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. PRINCÍPIO DA EXCEPCIONALIDADE DA PRISÃO. CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso interposto contra a decretação de prisão preventiva, convertida do flagrante, com fundamento na garantia da ordem pública, em razão da gravidade concreta do crime de tentativa de homicídio mediante golpe de faca e da suposta periculosidade do agente. O Tribunal de origem manteve a prisão cautelar, destacando a futilidade da motivação e a irrelevância das condições pessoais favoráveis do paciente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a prisão preventiva foi fundamentada de forma adequada, observando os requisitos do art. 312 do CPP; e (ii) determinar se há flagrante ilegalidade que justifique a concessão de habeas corpus de ofício, em observância ao princípio da excepcionalidade da prisão cautelar. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A prisão preventiva exige fundamentação concreta e individualizada, baseada em prova da materialidade do crime, indícios suficientes de autoria e necessidade de garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal ou da conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do CPP. 4. A decretação da prisão cautelar com base apenas na gravidade abstrata do delito e no modus operandi, sem a demonstração da periculosidade concreta ou risco real de reiteração criminosa, configura antecipação da pena, em afronta ao art. 282, § 6º, do CPP e ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/1988). 5. A jurisprudência do STF e STJ exige que a prisão preventiva seja medida excepcional, somente cabível quando não for adequada a aplicação de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP, o que não foi demonstrado no presente caso. 6. A banalização das prisões preventivas tem contribuído para a superlotação carcerária e a violação de direitos fundamentais, conforme reconhecido pelo STF no julgamento da ADPF nº 347, reforçando a necessidade de fundamentação robusta e específica para a manutenção da custódia cautelar. 7. Na ausência de elementos concretos que justifiquem a segregação cautelar, a concessão de medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP) mostra-se suficiente e proporcional. IV. DISPOSITIVO 8. Pedido de habeas corpus concedido de ofício, com a revogação da prisão preventiva e a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. (RHC n. 193.120/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 1/10/2024, DJe de 4/10/2024.) HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. JUÍZO ESTADUAL NÃO APRESENTOU DE FORMA INDIVIDUALIZADA COMO A LIBERDADE DO PACIENTE PODERIA COLOCAR EM RISCO A INSTRUÇÃO CRIMINAL, A ORDEM PÚBLICA E, TAMPOUCO, TROUXESSE RISCO À ORDEM ECONÔMICA. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO QUE JUSTIFIQUE A NECESSIDADE DA PRISÃO PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. FUNDAMENTOS ACRESCIDOS PELA CORTE FEDERAL. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. POSSIBILIDADE. 1. A prisão preventiva pode ser decretada, desde que haja prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, em decisão motivada e fundamentada acerca do receio de perigo gerado pelo estado de liberdade da imputada e da contemporaneidade da necessidade da medida extrema (arts. 311 a 316 do CPP). 2. A despeito de o Juízo estadual tecer importantes considerações a respeito da gravidade do crime denunciado, não pontuou este, de forma individualizada, como a liberdade do ora paciente poderia colocar em risco a instrução criminal, a ordem pública e, tampouco, trouxesse risco à ordem econômica. 3. Some-se a isso o registro de que o paciente foi posto em liberdade em 25/3/2022, tendo permanecido solto por quase um ano até que fosse novamente decretada a prisão preventiva em decorrência do recebimento da denúncia, inexistindo, na referida decisão, qualquer registro quanto à alteração do contexto fático a tornar imprescindível a segregação preventiva, o que demonstra, ainda, a falta de contemporaneidade da medida. 4. Não cabe ao Tribunal de origem, em ação exclusiva da defesa, acrescentar fundamentos para justificar a manutenção da custódia, devendo cingir-se à análise dos argumentos lançados pelo Magistrado singular (RHC n. 75.559/MG, Sexta Turma, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, DJe 30/5/2017). 5. Concedo a ordem a fim de substituir a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas, a serem aplicadas pelo Juiz de piso, sem prejuízo de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas ou de superveniência de motivos novos e concretos para tanto. (HC n. 814.848/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 12/6/2023.)

Ademais, embora condições pessoais favoráveis não garantam automaticamente a concessão da liberdade, sua ponderação é relevante no caso concreto, eis que o recorrente é primário, não havendo, até o momento, informações que indiquem esteja envolvido em práticas criminosas reiteradas. Tais circunstâncias são relevantes para corroborar a ausência de risco concreto à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei penal, fundamentos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal para a decretação da prisão preventiva.

Ressalte-se que a prisão preventiva constitui medida excepcional, devendo ser decretada ou mantida apenas quando demonstrada, de forma concreta e fundamentada, sua indispensabilidade para a garantia dos objetivos cautelares do processo penal. No caso em análise, os elementos apresentados pela defesa, aliados à ausência de fundamentação concreta, fragilizam a justificativa para a manutenção de sua custódia cautelar.

Com essas considerações, com fundamento no art. 34, inciso XVIII, alínea “c”, do RISTJ, dou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para revogar a prisão preventiva em discussão, determinando-se a expedição de alvará de soltura em favor do recorrente, salvo se por outro motivo estiver encarcerado, ressalvada, ainda, a possibilidade de decretação de nova prisão, se demonstrada concretamente sua necessidade, sem prejuízo da aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do art. 319 do CPP, a serem fixadas pelo Magistrado de primeiro grau. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 208465 - MS (2024/0455569-5) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 13/02/2025. )

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