STJ Fev25 - Revogação de Prisão Preventiva - Estelionato - Crime Sem Violência ou Grave Ameaça :"Medidas Cautelares São Suficientes"

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de JEXXXXXXxA, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Colhe-se dos autos que a paciente teve a prisão preventiva decretada pela suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 171, §§ 2º e 4º, e 288, ambos do Código Penal, e no art. 1º, §1º, e §2º, I, da Lei n. 9.613/98.

O impetrante sustenta que: a) a paciente é mãe de uma criança de 4 anos, que depende exclusivamente dela; b) "a decisão que decretou sua prisão preventiva carece de fundamentação válida, e utilizada, de forma equivocada e errônea, para afastar o direito da paciente de ter sua prisão substituída" (e-STJ, fl. 16); c) "se a intenção do juízo coator é somente evitar que a paciente venha cometer outros crimes, melhor saída seria a imposição de medida cautelar que assegure que esta não irá utilizar dos mesmos meios para delinquir, como, por exemplo, proibição temporária de frequentar a unidade prisional" (e-STJ, fl. 20).

Pleiteia a revogação da prisão preventiva imposta à paciente ou a substituição dela por medidas cautelares alternativas ou pela custódia domiciliar.

É o relatório.

Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 - pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Nesse contexto, passo ao exame das alegações trazidas pela defesa, a fim de verificar a ocorrência de manifesto constrangimento ilegal que autorize a concessão da ordem, de ofício.

In casu, o Tribunal de origem manteve a não concessão da prisão domiciliar, nos seguintes termos:

"Feitos tais esclarecimentos, entendo incensurável o decisum em vergasta pois, além de não restar demonstrado ser a Paciente a única responsável pelos cuidados da filha, penso que a prisão domiciliar ou medidas cautelares diversas não são suficientes a impedir a prática de novos delitos, como enfatizou a Autoridade Coatora ao indeferir o pleito revogatório (ID 136839390): '... Do mesmo modo, em consonância com a manifestação ministerial, embora a acusada JENNIFER BOTHA tenha comprovado ser mãe de uma filha menor de 12 (doze) anos, verifico que não há comprovação nos autos de que a peticionante seja a única pessoa capaz de cuidar de sua filha, havendo informações sobre a identificação do genitor da criança, que poderia, em tese, assumir os cuidados com a infante, sendo comprovado, inclusive, que ela já até frequenta a escola. Não é demais notar, que segundo as informações dos autos, os crimes de estelionato, mediante fraude eletrônica, na maioria dos casos, são praticados a partir das residências dos investigados, circunstância que indica que outras medidas cautelares alternativas ou a prisão domiciliar não seriam suficientes para acautelar a ordem pública e evitar a prática de novos crimes. Ao contrário serviria até de estímulo para novas práticas criminosas...'. 13. Com idêntico raciocínio, aliás, pontuou a Douta 17ª PJ (ID 28488365): '... A ordem pública é a paz, a tranquilidade no meio social. Apresenta-se, pois, como sendo a necessidade de encarceramento do indivíduo, especialmente pelo cenário delitivo em referência possivelmente permanecer até o presente momento, sem qualquer indicativo de que tenham cessado as fraudes em apreço, conforme se depreende das informações prestadas pelo juízo a quo. Ainda, caso mantenha-se solta, a paciente possui grande possibilidade de voltar a praticar outro crime, de modo que a custódia cautelar se impõe como garantia da ordem pública e para conveniência da instrução criminal...'. [...] 15. Ou seja, cuida a hipótese de Infratora habitual, já condenada por tráfico de drogas, apresentando ainda histórico de reiteração delitiva específica em crimes de fraudes, sendo, pois, patente o risco concreto de renitência."(e-STJ, fls. 29-30) Nos termos do art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, conforme redação dada pela Lei n. 13.257/2016, o juiz pode substituir a prisão cautelar pela domiciliar quando o agente for "gestante" ou "mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos". Em 20/02/2018, nos autos do HC 143.641/SP (Rel. Ministro Ricardo Lewandowski), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus coletivo para: "[...] determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício". Posteriormente, em 20/12/2018, foi publicada a Lei n. 13.769, que incluiu os arts. 318-A e 318-B ao Código de Processo Penal, com a seguinte redação: "Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código."

Com efeito, embora seja grave a conduta delitiva atribuída à paciente - que participaria de associação criminosa voltada à prática de delitos de fraude eletrônica -, assim como é de conhecimento seu histórico criminoso - ela teria sido condenada por tráfico de drogas -, circunstâncias que justificam a manutenção da segregação cautelar, tem-se que, em cumprimento à determinação do Supremo Tribunal Federal e ao disposto no art. 318-A do CPP, é o caso de colocação da paciente em regime domiciliar, tendo em vista a necessidade de observância à doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente.

Segundo se infere, a paciente, apesar da gravidade das condutas delituosas a ela atribuídas, foi presa por delitos perpetrados sem violência ou grave ameaça - associação criminosa e fraude eletrônica - e é mãe de uma criança de 4 (quatro) anos de idade. A seguir os julgados que respaldam esse entendimento:

"HABEAS CORPUS. SUPERAÇÃO DO ENUNCIADO N. 691 DA SÚMULA DO STF. TRÁFICO DE DROGAS. SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. MULHER PRESA. FILHOS DA PACIENTE COM 5 E 3 ANOS DE IDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. PRIORIDADE. HC COLETIVO N° 143641/SP (STF) HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] 3. A questão jurídica limita-se então a verificar a possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar. Nesse contexto, o inciso V do art. 318 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.257/2016, determina que Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. 4. O regime jurídico da prisão domiciliar, especialmente no que pertine à proteção da integridade física e emocional da gestante e dos filhos menores de 12 anos, e as inovações trazidas pela Lei n. 13.257/2016 decorrem, indiscutivelmente, do resgate constitucional do princípio da fraternidade (Constituição Federal: preâmbulo e art. 3º). 5. O artigo 318 do Código de Processo Penal (que permite a prisão domiciliar da mulher gestante ou mãe de filhos com até 12 anos incompletos) foi instituído para adequar a legislação brasileira a um compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil nas Regras deBangkok. 'Todas essas circunstâncias devem constituir objeto de adequada ponderação, em ordem a que a adoção da medida excepcional da prisão domiciliar efetivamente satisfaça o princípio da proporcionalidade e respeite o interesse maior da criança. Esses vetores, por isso mesmo, hão de orientar o magistrado na concessão da prisão domiciliar' (STF, HC n. 134.734/SP, relator Ministro Celso de Melo). 6. Aliás, em uma guinada jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir até mesmo o Habeas Corpus coletivo (Lei 13.300/2016) e concedeu comando geral para fins de cumprimento do art. 318, V do Código de Processo Penal, em sua redação atual. No ponto, A orientação da Suprema Corte, no Habeas Corpus n° 143641/SP, da relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 20/02.2018, é no sentido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), salvo as seguintes situações: crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o beneficio. 7. Na hipótese dos autos, em que o Tribunal de origem deixou de se pronunciar sobre a viabilidade do pedido de aplicação da prisão domiciliar, a paciente comprova ser mãe de uma menina de 05 anos de idade e dois meninos gêmeos de 03 anos de idade, o que preenche o requisito objetivo insculpido no art. 318, V, do Código de Processo Penal. Ponderando-se os interesses envolvidos no caso concreto, revela-se adequada e proporcional a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Adequação legal, reforçada pela necessidade de preservação da integridade física e emocional do infante. Precedentes do STF e do STJ. 8. Ademais, verifica-se que a paciente é primária e não há indicativo de que esteja associada com organizações criminosas, circunstâncias que reforçam a possibilidade de atenuação da situação prisional da acusada. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, confirmando a medida liminar, substituir a prisão preventiva da paciente pela prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, sem prejuízo da fixação de outras medidas cautelares, a critério do Juízo a quo." (HC 430.212/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 23/03/2018) "PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E RESPECTIVA ASSOCIAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 318, V, DO CPP. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL. RECURSO PROVIDO. 1. A nova redação do art. 318, V, do Código de Processo Penal, dada pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n.º 13.257/2016), veio à lume com o fito de assegurar a máxima efetividade ao princípio constitucional da proteção integral à criança e adolescente, insculpido no art. 227 da Constituição Federal, bem como no feixe de diplomas normativos infraconstitucionais integrante de subsistema protetivo. 2. Quando a presença de mulher for imprescindível para os cuidados a filho menor de 12 (doze) anos de idade, cabe ao magistrado analisar acuradamente a possibilidade de substituição do carcer ad custodiam pela prisão domiciliar, legando a medida extrema às situações em que elementos concretos demonstrem claramente a insuficiência da inovação legislativa em foco. 3. In casu, muito embora o aresto combatido tenha destacado a gravidade concreta dos fatos delituosos, cifrada na significativa quantidade de droga apreendida (550 gramas de crack), não me parece tratar-se de 'situação excepcionalíssima' a ponto de justificar a mitigação da decisão do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus coletivo n.º 143.641/SP, valendo ressaltar que a recorrente é mãe de cinco filhos, três deles menores de 12 anos de idade (4, 9 e 11 anos) e, portanto, imprescindível aos cuidados dos menores - notadamente diante da informação de que o pai deles estaria preso -, sendo indiscutível a importância da presença materna para o bem estar físico e psicológico da criança, mormente quando em idade tenra. 4. Imperioso, pois, garantir o direito das crianças, mesmo que para tanto seja necessário afastar o poder de cautela processual à disposição da persecução penal, sendo aplicável o ar. 318, V, do Código de Processo Penal de maneira a permitir que a paciente permaneça em prisão domiciliar a fim de garantir o cuidado de seus filhos menores. 5. Cumprimento do quanto determinado no julgamento do habeas corpus coletivo n.º 143.641/SP, pelo Supremo Tribunal Federal, no qual restou assentado o entendimento de que seja determinada a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2.º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estatuais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus desdentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Extensão da ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas no parágrafo acima. 6. Recurso provido, confirmando a liminar outrora deferida, para substituir a custódia preventiva da recorrente pela domiciliar, nos termos do art. 318, V, do Código de Processo Penal, ficando a cargo do juízo singular a fiscalização e o estabelecimento de condições para o cumprimento do benefício, inclusive a fixação de outras medidas cautelares diversas da prisão, com a advertência de que a eventual desobediência das condições da custódia domiciliar tem o condão de ensejar o restabelecimento da constrição cautelar." (RHC 90.943/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 27/03/2018)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício para substituir a segregação cautelar imposta à paciente pela custódia domiciliar, com a advertência de que a eventual desobediência das condições impostas pelo Juízo de origem - inclusive a prática de novos delitos - importará no restabelecimento da prisão preventiva. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte e e São Paulo e ao Juizo da 9ª Vara Criminal da Comarca da Natal. Publique-se. Intimem-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 972403 - RN (2024/0490020-3) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 19/02/2025)

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