STJ Fev25 - Roubo - Revogação de Prisão Preventiva - Incompatível com a Condenação do Réu ao Regime Semiaberto

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de PXXXXXX, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TJRJ proferido no julgamento do HC n. 0105521-89.2024.8.19.0000. Extrai-se dos autos que o Juízo da 16ª Criminal da Comarca da Capital/RJ julgou procedente o pedido formulado pelo Ministério Público, para condenar o paciente por infração aos arts. 157, § § 1º e 2º, II, na forma do art. 14, II, ambos do Código Penal e 244-B da Lei n. 8.069/90 (tentativa de roubo majorado e corrupção de menor), individualizando as penas em 2 anos e 26 dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, mais 5 dias-multa, ocasião em que manteve a prisão preventiva e não permitiu o recurso em liberdade.

O Tribunal a quo denegou a ordem no habeas corpus manejado pela defesa, por aresto assim ementado:

"DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO NA FORMA TENTADA E CORRUPÇÃO DE MENORES. DECISÃO ATACADA QUE NÃO PADECE DE ILEGALIDADE, ABUSO DE PODER OU TERATOLOGIA. PERMANÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONSTATADO. ORDEM CONHECIDA E DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1.Impetração em que se pede a revogação da prisão preventiva, com a expedição de alvará de soltura. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se permanecem presentes os requisitos da prisão preventiva; (ii) analisar eventual excesso de prazo da prisão. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Cumpre assinalar que o writ possui estreito campo de admissibilidade, não tendo a função de substituir recursos específicos, in casu, o de apelação. 4. A sentença atacada não padece de ilegalidade, abuso de poder ou teratologia. Numa análise perfunctória, possível em sede de habeas corpus, não se verifica qualquer ilegalidade na decisão que manteve a prisão preventiva por ocasião da prolação da sentença, uma vez que devidamente motivada, nos termos do art. 93, IX, da CR/88. 5. A prolação de sentença condenatória é fato superveniente que por si mesmo ratifica a necessidade da segregação cautelar, na medida em que reforça sobremaneira a presença dos pressupostos e requisitos permissivos da prisão preventiva, calcados na necessidade de preservação da ordem pública. 6. Excesso de prazo não caracterizado. O juízo a quo tem agido diligentemente e em nenhum momento quedou-se inerte, não havendo que se falar em existência de tempo morto no impulsionamento oficial do feito. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Ordem conhecida e denegada. Teses de julgamento: '1. O writ possui estreito campo de admissibilidade, não tendo por função substituir recursos específicos. 2. O réu que permaneceu preso durante a instrução criminal não possui o direito de recorrer em liberdade, salvo se, no momento da sentença, não se identificarem os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.' Dispositivos relevantes citados: CRFB/88, art. 93, IX; CPP, arts. 312, 313, 315, 387 e 593; CP, arts. 14, 77 e 157; Lei nº 8069/90, 244-B. Jurisprudência relevante citada: STF: HC 89.824/MS, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, j. 28/08/08; RHC 117802, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 10/06/2014; HC 110030, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, j. 29/11/2011. STJ: RHC 125.578/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, j. 23/06/2020; HC 558.882/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, j.19/05/2020; AgRg no HC 527.854/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 22/10/2019; HC 226.718/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, j. 27/03/2012; HC 150.912/RJ, Rel. Min. OG Fernandes, Sexta Turma, j. 04/05/2010." (fls. 13/15)

Daí o presente writ, no qual a defesa argumenta a configuração de constrangimento ilegal imposto ao paciente uma vez que, embora fixado o regime inicial semiaberto, foi mantida a prisão preventiva. Requer, assim, a revogação da prisão cautelar.

É o relatório. Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. Com efeito, a Suprema Corte firmou entendimento no sentido de que a "fixação do regime de cumprimento semiaberto afasta a prisão preventiva" (AgRg no HC 197797, Rel. Ministro Roberto Barroso, Rel. p/ acórdão Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 15/6/2021), esclarecendo que "a tentativa de compatibilizar a prisão cautelar com o regime de cumprimento da pena imposta na condenação, além de não estar prevista em lei, implica chancelar o cumprimento antecipado da pena, em desrespeito ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes" (AgRg no HC 221936, Rel. Ministro Nunes Marques, Rel. p/ Acórdão Ministro André Mendonça, Segunda Turma, DJe 20/4/2023)

. Nessa linha de entendimento, o Pretório Excelso ponderou, ainda, que, não obstante haja incompatibilidade da prisão preventiva com o modo prisional semiaberto, em casos de situações excepcionalíssimas, há de se realizar a compatibilização da segregação com o regime fixado na sentença condenatória, desde que devidamente justificado o acautelamento provisório. Assim, admitiu-se que "tal regra comporta exceções, como situações de reiteração delitiva ou violência de gênero" (AgRg no HC 223529, Rel. Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJE 19/4/2023).

Diante de tal contexto, buscando a unificação jurisprudencial, a Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada no dia 13/6/2023, acolheu, no julgamento do AgRg no RHC 180.151/MG, o posicionamento da Corte Suprema, passando, então, a aderir ao entendimento de que a fixação do modo prisional semiaberto inviabiliza a negativa do direito do recurso em liberdade, salvo quando constatada circunstância excepcional que demonstre a imprescindibilidade da prisão preventiva, ocasião em que deverá ser realizada a compatibilização da segregação com o regime intermediário. É esta a ementa do julgado:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO EM REGIME SEMIABERTO E PRISÃO PREVENTIVA. ADEQUAÇÃO AO ENTENDIMENTO FIRMADO PELA SUPREMA CORTE. EXCEPCIONALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO PROVIDO. 1. Esta Corte possui entendimento consolidado em ambas as suas turmas criminais no sentido de que não há incompatibilidade entre a negativa do direito de recorrer em liberdade e a fixação do regime semiaberto, caso preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e desde que o acusado seja mantido em local compatível com o regime fixado na sentença. 2. Todavia, a Suprema Corte firmou posição em sentido diverso, ou seja, de que "[a] fixação do regime de cumprimento semiaberto afasta a prisão preventiva" (AgRg no HC 197797, Rel. Ministro Roberto Barroso, Rel. p/ acórdão Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 15/6/2021), uma vez que "[a] tentativa de compatibilizar a prisão cautelar com o regime de cumprimento da pena imposta na condenação, além de não estar prevista em lei, implica chancelar o cumprimento antecipado da pena, em desrespeito ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes". (AgRg no HC 221936, Rel. Ministro Nunes Marques, Rel. p/ Acórdão Min. André Mendonça, Segunda Turma, DJe 20/4/2023). 3. Isso não impede que a prisão seja mantida em casos excepcionais e desde que apresentada fundamentação demonstrando a imprescindibilidade da medida. Ou seja, "[e]mbora o Supremo Tribunal Federal tenha firmado o entendimento de que a prisão preventiva é incompatível com a fixação do regime inicial semiaberto, tal regra comporta exceções, como situações de reiteração delitiva ou violência de gênero. Precedentes". (AgRg no HC 223529, Rel. Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJE 19/4/2023). 4. Com finalidade de harmonização da jurisprudência nacional e em homenagem ao princípio da segurança jurídica, compete a este Tribunal acolher o entendimento da Suprema Corte Constitucional, adequando-se às disposições contidas nos referidos julgados. 5. Na hipótese, não se verifica excepcionalidade que justifique a manutenção da prisão. O agravante foi condenado pela prática do crime de tráfico de drogas, sendo que apenas uma circunstância foi sopesada de forma desfavorável. Ademais, ele é primário, ostentando um único antecedente criminal, registro este que, embora referente ao mesmo delito, é relativamente distante - 15/10/2019 -, e sem condenação. 6. De outro lado, a quantidade de drogas apreendida, conquanto não seja irrisória, não é expressiva, tampouco de natureza especialmente reprovável. Além disso, ele confessou a prática do delito, contribuindo com a instrução criminal. 7. Portanto, em acolhimento ao entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, e não se verificando excepcionalidade que autorize a manutenção da custódia, deve a prisão ser revogada. 8. Agravo regimental provido. (AgRg no RHC n. 180.151/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/6/2023.)

Na hipótese em debate, conforme leitura dos trechos do acórdão recorrido, não há excepcionalidade configurada que justifique a manutenção da custódia cautelar, sendo recomendável, por ora, a revogação da prisão preventiva. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva do ora paciente, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 979718 - RJ (2025/0037012-0) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 14/02/2025)

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