STJ Fev25 - Trancamento de Inquérito Policial em Trâmite Há Mais de 10 anos - Ferimento ao Art. 10 CPP
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO MORIENXXXXXXXXXXXX alega sofrer constrangimento ilegal diante de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no HC n. 2248793-15.2024.8.26.0000.
A defesa aponta excesso de prazo na duração do inquérito policial, instaurado em 25/3/2015, em que o paciente figura como investigado.
Afirma que a investigação "está há mais de 03 anos sem movimentações, apenas de idas e vindas para dilação de prazos (75º Distrito Policial – Ministério Público / Fórum Criminal – antes da Movimentação direta), [...] além das inúmeras remessas ao Ministério Público e o descumprimento reiterado de prazos determinados" (fls. 17-18).
Requer o trancamento do inquérito. O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da República Luciano Mariz Maia, opinou pela concessão da ordem (fls. 1.249-1.252).
Decido.
O paciente é investigado pela prática de homicídio ocorrido em 25/3/2015. O inquérito policial foi instaurado na mesma data e perdura até os dias atuais. Segundo informações do Juízo de primeira instância (fls. 1.195-1.196), o paciente foi interrogado pela autoridade policial por quatro vezes, foram apreendidos objetos, produzidos laudos periciais e o relatório final da investigação foi feito em 12/11/2019 (fls. 198-202).
Em seguida, o Ministério Público solicitou novas diligências e o Juízo de origem prorrogou o prazo de duração das investigações em "22 de junho de 2015, 16 de novembro de 2015, 16 de março de 2016, 30 de junho de 2016, 24 de agosto de 2016, 02 de dezembro de 2016, 26 de maio de 2017, 01 de novembro de 2017, 09 de maio de 2018, 13 de novembro de 2018, 25 de abril de 2019, 07 de agosto de 2019, 05 de dezembro de 2019, 28 de junho p.p. e 05 de julho de p.p." (fl. 1.196).
O Tribunal estadual afastou o alegado excesso de prazo para a conclusão do inquérito com base nos seguintes argumentos (fls. 26-30):
De fato, constata-se que a tramitação do presente inquérito policial prolonga-se há anos, diante das diligências requeridas pelo DD. Promotor de Justiça, a fim de formar a “opinio deliciti” e da dificuldade de a Polícia Judiciária dar cumprimento às cotas ministeriais em prazo exíguo. Não obstante, por outro lado, verifica-se que o caso, muito embora seja relativo a somente um averiguado, demanda cautela, já que é possível, em tese, que esteja presente a excludente de antijuridicidade consistente na legítima defesa. Ainda, não se pode olvidar que se trata de inquérito policial com averiguado que se encontra em liberdade, de modo que o prazo para o término das investigações é impróprio. Não é demais lembrar, ainda, que o trancamento de inquérito policial, por meio desta via eleita, apesar de possível, é medida de todo excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito, o que no caso concreto não acontece. [...] Ademais, ainda que se determinasse, por esta via eleita, o trancamento do inquérito policial, cuja decisão não faz coisa julgada, nada obstaria que a DD. Promotoria de Justiça desse prosseguimento às investigações, recolhendo provas que possam dar supedâneo à imputação e oferecendo a denúncia, se fosse o caso. [...] Ademais, ao que consta, o inquérito policial encontra-se em fase de últimas diligências. Por fim, levando em conta que o inquérito policial em testilha vem tramitando há vários anos, é caso de recomendar à autoridade policial, ao DD. Promotor de Justiça oficiante e ao Juízo “a quo”, que adotem as medidas necessárias que o caso requer, a fim de que o caderno investigatório seja finalizado com a necessário premência.
Segundo o art. 10 do CPP, "O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela" (grifei).
Em situações excepcionais, quando há absoluta necessidade de algum esclarecimento fundamental para a narrativa acusatória, pode-se admitir a prorrogação do prazo, desde que não ultrapasse excessivamente o que é previsto em lei. A par dessas premissas, ainda que o prazo de 30 dias para a conclusão do inquérito policial seja de natureza imprópria, é evidente que sua duração por quase dez anos é manifestamente desarrazoada. Em análise aos andamentos processuais (fls. 1.218-1.224), tal como afirmou a defesa, é possível verificar que os autos do inquérito tramitam entre a autoridade policial e o Ministério Público e o Juízo de origem prorroga, vez após outra, o prazo de duração do procedimento investigativo.
A última movimentação registrada entre os órgãos mencionados é de 5/7/2024. Além disso, mesmo depois da impetração do habeas corpus perante a Corte estadual, com informações solicitadas pelo Juiz de origem à autoridade policial, não houve nenhuma resposta.
O último andamento processual é de 30/10/2024 (ou seja, há quase quatro meses) e indica que os autos estão "em cooperação judiciária". Apesar da realização de várias diligências para a apuração do suposto ilícito, não identifico justificativas idôneas para tamanha demora, que excede demasiadamente o prazo previsto em lei e a razoabilidade.
Nesse mesmo sentido foi o parecer do MPF: "No caso, a leitura das informações prestadas pelo juízo de origem ao Tribunal de Justiça de São Paulo na impetração originária não fornecem qualquer dado concreto capaz de justificar a demora na investigação por homicídio, o qual, aliás, trata de conduta única e investigado isolado, sem maiores complexidades, portanto" (fl. 1.250).
Portanto, deve ser concedida a ordem para trancar o inquérito policial, uma vez que o paciente não pode suportar o ônus de figurar, indefinidamente, como indiciado.
Ilustrativamente:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 168 E 171 DO CÓDIGO PENAL E NOS ARTS. 102, 106 E 107 DO ESTATUTO DO IDOSO. SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E ALEGADA ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. QUESTÕES JÁ APRECIADAS NOS AUTOS DO HC N. 499.256/SC. OCORRÊNCIA DE FISHING EXPEDITION. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGADO SOLTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. [...] 3. O prazo para a conclusão do inquérito policial, em caso de investigado solto: é impróprio; assim, pode ser prorrogado a depender da complexidade das investigações. De todo modo: consoante precedentes desta Corte Superior, é possível que se realize, por meio de habeas corpus, o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível, até mesmo, o trancamento do inquérito policial, caso demonstrada a excessiva demora para a sua conclusão. 4. A propósito, "ainda que não decretada a prisão preventiva ou outra medida cautelar diversa, o prolongamento do inquérito policial por prazo indefinido revela inegável constrangimento ilegal ao indivíduo, mormente pela estigmatização decorrente da condição de suspeito de prática delitiva" (RHC 135.299/CE, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 25/3/2021). 5. Constata-se, no caso, o alegado constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo para a conclusão do inquérito policial na origem, instaurado em 2013, ou seja, há mais de 9 (nove) anos. As nuances do caso concreto não indicam que a investigação é demasiadamente complexa; apura-se o alegado desvio de valores supostamente recebidos pelo Paciente, na qualidade de advogado da vítima (pessoa idosa, analfabeta e economicamente hipossuficiente); há apenas um investigado; foi ouvida somente uma testemunha e determinada a quebra do sigilo bancário de duas pessoas, diligências já cumpridas. Outrossim, a investigação ficou paralisada por cerca de 4 (quatro) anos e a autoridade policial, posteriormente, apresentou relatório que concluiu pela inexistência de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria. No entanto, a pedido do Ministério Público, a investigação prosseguiu. 6. Mostra-se inadmissível que, no panorama atual, em que o ordenamento jurídico pátrio é norteado pela razoável duração do processo (no âmbito judicial e administrativo) - cláusula pétrea instituída expressamente na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 45/2004 -, um cidadão seja indefinidamente investigado, transmutando a investigação do fato para a investigação da pessoa. 7. Colocada a situação em análise, verifica-se que há direitos a serem ponderados. De um lado, o direito de punir do Estado, que vem sendo exercido pela persecução criminal que não se finda. E, do outro, do paciente em se ver investigado em prazo razoável, considerando-se as consequências de se figurar no polo passivo da investigação criminal e os efeitos da estigmatização do processo. 8. Ordem concedida para trancar o Inquérito Policial objeto da presente impetração, sem prejuízo da abertura de nova investigação, caso surjam provas substancialmente novas. (HC n. 653.299/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 25/8/2022, destaquei)
Ressalto, por fim, que art. 18 do CPP, preceitua que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia, e poderá ser oferecida denúncia, caso haja justa causa à pretensão acusatória. À vista do exposto, concedo a ordem para determinar o trancamento do inquérito policial n. 2248793-15.2024.8.26.0000. Publique-se e intimem-se.
Relator
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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