STJ Mar25 - Cerceamento de Defesa e Devido Processo Legal - Subversão do Rito Processual - Tipo Penal Estupro Ferimento ao art. 403, caput e §3º do CPP:"(i) MP Apresentou Alegações Finais após a Defesa, fora do Prazo (45 dias após intimação), pediu condenação, e não houve intimação da Defesa e nem desentranhamento da Peça Intempestiva"

    Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus sem pedido liminar impetrado em favor de D S M DA S contra acórdão prolatado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS (Apelação Criminal n. 0244345-28.2013.8.04.0001). Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 11 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, em regime inicial fechado, tendo sido dado como incurso no artigo 217-A, caput cumulado com o artigo 61, II, "f" e 71, todos do Código Penal (e-STJ fls. 133/143).

No julgamento da apelação, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso da defesa, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 9/10):

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINAR DE NULIDADE. PRECLUSÃO TEMPORAL DAS ALEGAÇÕES FINAIS ACUSATÓRIAS. INVERSÃO DA ORDEM DE APRESENTAÇÃO DE MEMORIAIS. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. MERA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. DÚVIDA RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO. NÃO CONFIGURADO. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA. DEPOIMENTO CORROBORADO PELOS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PLEITO ABSOLUTÓRIO IMPROCEDENTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Nos termos do art. 563 do CPP, o sistema de nulidades, no âmbito do processo penal, é regido pelo princípio geral pas de nullité sans grief, que impede o reconhecimento e declaração de nulidade relativa ou absoluta quando a inobservância de determinada formalidade legal não tenha gerado efetivo prejuízo para a parte que a alega. 2. Nessa linha de intelecção, a jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que a apresentação intempestiva das alegações finais pelo Ministério Público requer, para eventual reconhecimento de nulidade, a demonstração cabal do prejuízo advindo. Assim, a entrega fora do prazo das alegações finais pelo Graduado Órgão Ministerial assume a feição de mera irregularidade, destituída do condão de suscitar a nulidade do iter processual. 3. Na hipótese, extrai-se que o conteúdo das Alegações Finais do Parquet sequer figura no teor da sentença ora atacada. Demais disso, ao suscitar o reconhecimento da suposta nulidade processual, a Defesa não logrou êxito em demonstrar de maneira explícita o prejuízo decorrente da inversão na sequência de apresentação dos memoriais. 4. Com efeito, considerando que a entrega fora do prazo das alegações finais pelo Ministério Público assume a feição de mera irregularidade, e que não foi evidenciado qualquer detrimento ao exercício pleno da Defesa em razão da consequente inversão de ordem na apresentação de memoriais, não se depreende, no cenário em comento, qualquer prejuízo capaz de ensejar a nulidade do ato instrutório, à luz do disposto pelo art. 563 do CPP. Precedentes. 5. Os crimes contra a dignidade sexual, em regra, não deixam vestígios e são praticados na clandestinidade, longe de testemunhas oculares, razão pela qual, em crimes desse jazes, a palavra da vítima é dotada de especial relevância, nos termos da estável jurisprudência do STJ. 6. In casu, do cotejo dos fundamentos da sentença com as provas colhidas durante a instrução, vislumbro que o juízo condenatório lastreou-se em percuciente e sistemática análise dos elementos constantes dos autos, não havendo falar em carência de embasamento legal ou em prejuízo da credibilidade probatória, mormente quando fincado o édito condenatório no detalhado depoimento da Vítima, que da fase inquisitiva à judicial, relatou de forma segura, harmônica e coerente a dinâmica delitiva, expondo pormenorizadamente os atos libidinosos realizados pelo Acusado. 7. Não bastassem os seguros depoimentos da Vítima, insta mencionar que a narrativa desta última encontra ressonância no depoimento judicializado de sua genitora, sobretudo quanto à ratificação de que o Acusado, em diversas ocasiões, de fato esteve sozinho na companhia de L. S. P. S. 8. Com efeito, a narrativa da Vítima, que por si só seria suficiente à comprovação da prática do ilícito, também encontra amparo das demais provas dos autos, notadamente no depoimento das testemunhas de acusação, cuja credibilidade a defesa não logrou desconstituir, constituindo, dessa forma, acervo probante suficiente a amparar a condenação. 9. A inocorrência de conjunção carnal não afasta a incidência do tipo penal previsto no art. 217-A do Código Penal, que se consuma com a prática de outros atos libidinosos diversos, tal como se verifica na hipótese em comento. 10. Ad argumentandum tantum, inobstante as alegações tecidas pelo Recorrente quanto à suposta invalidade do Laudo de Conjunção Carnal e Anal (fl. 13), tendo em vista que este último restou negativo para a prática de penetração anal, não se avistam razões fáticas para desconsiderá-lo como prova material, sobretudo porquanto o referido elemento probatório atestou a incidência de "apagamento da membrana himenal", configurando, por sua vez, "indício de ação contundente contumaz, o que demonstra a necessidade de se considerar a ocorrência dos antigamente denominados atos libidinosos, que deixam poucos ou nenhum vestígio", em consonância com os harmônicos depoimentos judiciais e extrajudiciais prestados pela Ofendida. 11. APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDA E DESPROVIDA.

Daí o presente writ, no qual a defesa alega ter havido cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal, visto que: Em 18/05/2023, a Defensoria Pública apresentou alegações finais em favor do paciente, pugnando por sua absolvição. (fls. 235-244) Em 01/06/2023, quase 40 dias após intimação do juízo para apresentação de alegações finais, o Ministério Público apresentou seus requerimentos finais, pugnando pela condenação do paciente pelo delito imputado na Denúncia.(fls. 247-252). Sem intimar a defesa após manifestação do órgão acusatório, o juízo da 1a Vara Especializada em Crimes Contra a Dignidade Sexual de Crianças e Adolescentes condenou o paciente à pena de 11 (onze) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão, em regime fechado, pelo delito do art. 217-A, caput, do Código Penal, cumulado com os artigos 61, II, "f', e 71, todos do Código Penal. (fls. 253-263).

Diante disso, pleiteia a defesa "seja concedida a presente ordem de habeas corpus em favor" do paciente, "reformando a sentença condenatória em desfavor do paciente com base no reconhecimento na nulidade da apresentação de memoriais acusatórios posteriormente aos da defesa, sem abertura de nova oportunidade para manifestação defensiva" (e-STJ fl. 8). Parecer do Ministério Público Federal em e-STJ fls. 163/171.

É o relatório. Decido.

Verifica-se da narrativa da defesa constante nos autos, corroborada pelas informações prestadas pelo juízo de primeiro grau (e-STJ fls. 149/153), que a defesa apresentou alegações finais escritas antes da apresentação de tal peça processual pelo órgão ministerial, sem que o juízo de primeira instância tenha intimado a defesa para se manifestar novamente após a apresentação das alegações finais ministeriais.

Nesse sentido, informa o juízo de primeiro grau que (e-STJ fl. 150):

Instado a apresentar memoriais, o Ministério Público Estadual deixou escoar o prazo sem manifestação, conforme certidão de fl. 232. Intimada (fl. 233), a Defensoria Pública Estadual apresentou memoriais às fls. 235/244. Extemporaneamente, o Ministério Público apresentou memoriais às fls. 247/252. Sentença prolatada em 31/07/2023, às fls. 253/263, que após detida análise do caderno processual, julgou procedente a Denúncia e condenou o réu, ora paciente, pela prática do crime previsto no art. 217-A, caput, c/c arts. 61, II, "f", e 71, todos do Código Penal, com fixação da pena definitiva em 11 (onze) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão em regime inicial fechado. Ademais, o paciente foi condenado ao pagamento de indenização de reparação dos danos derivados do crime no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em favor da vítima.

Portanto, identifico flagrante ilegalidade no trâmite processual que ensejou a condenação do ora paciente, visto que não observado o devido processo legal estabelecido no art. 403, caput e §3º do Código de Processo Penal, que estabelece que a manifestação defensiva deve suceder à ministerial.

Tal disposição legal, para além de garantir o devido processo legal, conforme referido, também tutela a ampla defesa do acusado, ensejando sua inobservância ilegalidade no trâmite processual, impondo-se, assim, a declaração de nulidade de todo o processo criminal desde a extemporânea manifestação ministerial em alegações finais, devendo tal peça ser desentranhada dos autos, certificando-se seu desentranhamento, bem como deverá ser prolatada nova sentença.

Diante disso, amparado no art. 566 a contrario sensu - visto que a manifestação do Ministério Público, como último ato processual que antecede a prolação da sentença, influi efetivamente na decisão da causa -, declaro a nulidade de todos os atos processuais a partir das alegações finais ministeriais, inclusive, devendo estas serem desentranhadas dos autos, certificando-se, conforme referido. Ante o exposto, concedo a ordem em habeas corpus para declarar a nulidade de todos os atos processuais a partir das alegações finais ministeriais, inclusive, devendo estas serem desentranhadas dos autos, certificando-se o desentranhamento. Informe-se o juízo de primeiro grau COM URGÊNCIA acerca da presente decisão para que proceda como ora determinado. Publique-se. Intime-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 899965 - AM (2024/0096833-7) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 07/03/2025)

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