STJ Mar25 - Cerceamento de Defesa e Devido Processo Legal - Ato Análogo ao Crime de Associação e Informante ao Tráfico - Tema Repetitivo 1114 :"Interrogatório do Menor deve ser ao Final do Processo - Aplicação do Artigo 400 do CPP" - Nulidade Absoluta do Processo até a Instrução Processual"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de R. V. DA S. F. P., em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Na hipótese, a impetrante aponta constrangimento ilegal devido ao não reconhecimento da nulidade do interrogatório do paciente, cuja oitiva em audiência de apresentação fora realizada no início do processo, em inobservância ao artigo 400 do CPP.
Depreende-se dos autos que foi aplicada ao paciente a medida socioeducativa de liberdade assistida pelo período de 6 meses pela prática de ato infracional análogo ao delito do artigo 37, da Lei 11.343/06, sendo absolvido em relação à prática do ato infracional análogo ao crime do artigo 35, da mesma Lei. Irresignada, a Defesa interpôs recurso de apelação perante o Tribunal de origem, que negou provimento ao recurso.
Busca, em suma, a concessão da ordem para que seja reformado o acórdão proferido pela autoridade coatora, bem como o reconhecimento da nulidade da audiência de apresentação por violação à ampla defesa e ao contraditório. Por fim, requer a intimação pessoal da Defensoria Pública de todos os atos e termos praticados neste habeas corpus. Liminar indeferida, às fls. 73-74. Informações, às fls. 76-77.
O Ministério Público Federal opinou, às fls. 91-98, pela concessão da ordem.
É o relatório. DECIDO.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Trata-se de ação socioeducativa promovida pelo Ministério Público Estadual por suposta prática de ato infracional análogo às condutas tipificadas nos artigos 35 e 37, ambos da Lei 11.343/06.
Narra a impetrante, em síntese, que o Paciente foi interrogado em momento anterior à colheita de provas, isto é, antes de ouvidas as testemunhas de acusação, de modo que violou o seu direito à ampla defesa e ao contraditório.
Aponta ainda que foi requerido, em audiência, que o adolescente fosse interrogado ao final do ato, mencionando a decisão do Supremo Tribunal de Justiça no HC 212693. Ademais, o prejuízo advindo da não inversão da oitiva do menor fora mencionado também em sede de apelação. A Defesa aduz, brevemente, o seguinte:
[...] reconhecida a importância da regra trazida pelo art. 400 do CPP, enquanto ato de produção de prova e meio de defesa pessoal, há evidente prejuízo ao adolescente, que deixou de ter assegurado o seu direito à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LV, da CRFB) e até mesmo ao devido processo legal, tanto sob o aspecto formal, quanto substancial (art. 5º, LIV da CRFB), pois a realização de sua oitiva no início do processo, e não ao final da instrução, subtraiu-lhe a possibilidade de manifestar-se, pessoalmente, sobre a prova coligida em seu desfavor (contraditório), mitigando seu direito à ampla defesa[..]. Desse modo, a defesa alega nulidade da audiência de instrução e julgamento decorrente da inobservância do art. 400 do CPP, alegando que há “evidente supressão da garantia constitucional à ampla defesa[...]. A sentença que impôs medida socioeducativa ao Paciente foi mantida pelo Tribunal de Justiça de origem, sendo negado provimento ao recurso de apelação, de acordo com a ementa abaixo transcrita: APELAÇÃO. Ato infracional análogo ao crime do artigo 37, da Lei 11.343/06. Procedência da Representação. Aplicação de medida socioeducativa de liberdade assistida pelo período de seis meses. Improcedência da Representação quanto ao ato infracional análogo ao crime do artigo 35, da Lei 11.343/06. RECURSO DEFENSIVO. Preliminares. Recebimento do Recurso no seu duplo efeito. Nulidade da oitiva do ora Apelante, porquanto deveria ter sido o último ato da instrução. Mérito. Improcedência da Representação: fragilidade probatória. Injustiça epistêmica. 1. Preliminares. Rejeição. 1.1 Recebimento do Recurso no duplo efeito. Não se discute o caráter eminentemente protetivo, disciplinar e educativo das medidas socioeducativas, tampouco que, ao trazer inovações ao instituto da adoção, a Lei 12.010/09 revogou dispositivo do artigo 198, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tratava do Recurso de Apelação, que em princípio, deverá ser recebido em ambos os efeitos, e não mais, apenas no devolutivo, tendo por respaldo o artigo 1.012 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). No caso, a necessidade do cumprimento imediato da medida socioeducativa, é imprescindível à proteção do adolescente, considerando não apenas suas necessidades pedagógicas, mas, principalmente, a indispensabilidade da imposição de limites para refrear a tendência de reiteração da prática infracional. 1.2 Nulidade da oitiva do ora Apelante, porquanto deveria ter sido o último ato da instrução. Sem amparo a tese, porquanto deve prevalecer a especialidade do Estatuto da Criança e do Adolescente, que possui rito próprio e se aplica ao caso, ao determinar a oitiva do adolescente como primeiro ato no procedimento de apuração de ato infracional, conforme seus artigos 184 e 186, afastando, portanto, a regra prevista no artigo 400, do Código de Processo Penal. Cumpre ponderar que, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a Acusação ou para Defesa, como prevê o artigo 563, do Código de Processo Penal, não tendo a Defesa, no caso concreto, cuidado de demonstrá-lo. 2. Mérito. Provas firmes e seguras no sentido do cometimento do ato infracional análogo ao crime do artigo 37, da Lei 11.343/06, o que se extrai das peças técnicas juntadas aos Autos e da prova oral colhida, inviabilizando a improcedência da Representação. Aplicação da Súmula 70, desse Tribunal. A pretensão do legislador, ao estabelecer o tipo penal do artigo 37, da Lei nº 11.343/06, foi abranger os atos praticados por aqueles que, normalmente, não integram a associação criminosa em suas diversas funções, mas acabam por colaborar com informações importantes para a atividade ilícita em questão, tais como, fornecer dados acerca de futuras incursões policiais em localidade de notória mercancia, ou de operações para interceptação e apreensão de drogas, ou de escutas telefônicas autorizadas judicialmente. Em matéria de sistema de valoração das provas, nosso Diploma Processual Penal adotou o Princípio do livre convencimento motivado, pelo qual o Juiz tem ampla liberdade na apreciação valorativa de qualquer prova produzida, tendo por dever principal, o de fundamentar sua Decisão. No caso, embora não tenha sido confeccionado Laudo Pericial do rádio comunicador apreendido, o ora Apelante, ao ser ouvido perante o Ministério Público, relatou que, “ao ver o carro da patrulha se aproximar, conseguiu avisar, mas não conseguiu fugir porque os policiais o apreenderam; que avisou para “geral” a proximidade dos policiais; ...que recebe cem reais para fazer a ‘visão’...”, o que foi corroborado pela declaração do Policial Militar João Alexandre de Paiva Alves. Não há, ainda, como reconhecer injustiça epistêmica. A oitiva informal do adolescente pelo Ministério Público está prevista no artigo 179, do ECA, possibilitando que este Órgão analise a conveniência ou não do oferecimento da Representação, ou, ainda, a possibilidade de remissão ou de pedido de arquivamento. A referida oitiva tem natureza de ato administrativo, antecedendo a fase judicial e, dessa forma, não está submetida aos Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ao se formar a relação jurídica processual, é dada ao menor a assistência de sua Defesa Técnica, amparada nos Princípios do contraditório e da ampla defesa, não podendo as suas declarações prestadas ao Ministério Público, serem utilizadas para, isoladamente, justificar a procedência da Representação, como no caso ocorreu. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO DESPROVIDO.
No decisum apontado como coator, a validade da oitiva do adolescente foi fundamentada no princípio da especialidade, na forma dos artigos 184 e 186 do ECA, afastando-se a regra do artigo 400 do CPP.
Nota-se que, pela leitura da Assentada à fl. 21, de fato a Defensora do menor requereu a inversão da ordem do interrogatório do adolescente a fim de que fosse resguardado seu direito à ampla defesa e ao contraditório. Entretanto, o pedido foi indeferido , com fundamentação no rito processual estabelecido pelo art. 186 do Estatuto da Criança e do Adolescente no sentido de que os jovens devem ser ouvidos no início do procedimento.
A Defesa menciona também o disposto no art. 152 do ECA, ressaltando a natureza supletiva do CPP. Com razão a Defesa. Compulsando os autos, vislumbro que em sede de audiência, foram ouvidas 2 (duas) testemunhas de acusação, os policiais militares João Alexandre de Paiva Alves e Richard da Silva Caetano (fl. 23), tendo ocorrido o interrogatório de forma prévia.
Além disso, não obstante nenhum ato deve ser declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a Acusação ou para Defesa, como prevê o artigo 563, do Código de Processo Penal, o fato é que a Defesa suscitou a nulidade no momento oportuno e ocorreu prejuízo para o Menor com a consequente condenação.
O Ministério Público Federal em seu parecer de fls. 91-98 aduziu que "...a defesa impetrou o presente habeas corpus alegando a nulidade da audiência de instrução, em virtude da inversão da ordem dos depoimentos.
Com razão. Inicialmente, cumpre destacar que, de fato, a Lei 11.719/2008 mudou o procedimento sobre a ordem do interrogatório do réu e deixou claro que o acusado deve ser interrogado por último. Justo porque o interrogatório é um ato de autodefesa, sendo assim, o prejuízo na inversão da ordem do interrogatório do réu é manifesto e decorre da própria condenação, uma vez que, ao não se dar a oportunidade ao réu de se manifestar ao final da instrução sobre os depoimentos trazidos aos autos ou sobre as provas produzidas pela acusação representa, pois, nítido cerceamento de defesa".
De acordo com a tese firmada pelo Tema Repetitivo 1114 : “O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório.
O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu”. Nesta esteira:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO MAJORADO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL. PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. INTERROGATÓRIO AO FINAL DA INSTRUÇÃO. ARTS. 152 DO ECA E 400 DO CPP. MATÉRIA NÃO ARGUIDA EM MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. ORDEM NÃO CONHECIDA. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado em favor de adolescente, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que manteve a medida socioeducativa de internação pela prática de ato infracional equiparado ao crime de roubo. A defesa alega nulidade da instrução processual devido à inversão da ordem do interrogatório, em desacordo com o art. 400 do Código de Processo Penal, e requer a nulidade dos atos processuais a partir da audiência de apresentação. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a inversão da ordem do interrogatório do adolescente, sem alegação oportuna de nulidade e sem demonstração de prejuízo, configura flagrante ilegalidade apta a justificar a concessão de habeas corpus. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio ou revisão criminal, salvo em casos excepcionais de flagrante ilegalidade. 4. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 769.197/RJ, consolidou o entendimento de que a oitiva do representado deve ser o último ato da instrução no procedimento de apuração de ato infracional. 5. Contudo, a nulidade pela inversão na ordem do interrogatório depende de sua arguição no momento processual oportuno e da demonstração de prejuízo efetivo à defesa. Precedentes desta Corte. 6. Na hipótese, a nulidade aqui trazida pela defesa não fora arguida na defesa prévia, na audiência de instrução realizada posteriormente e nem tampouco nas alegações finais, sendo suscitada apenas quando do recurso de apelação, o que evidencia a preclusão da alegação. 7. Além disso, a defesa não demonstrou efetivo prejuízo decorrente da inversão da ordem do interrogatório, o que impede o reconhecimento de flagrante ilegalidade. IV. Dispositivo 8. Habeas corpus não conhecido e, de ofício, não se vislumbrou flagrante ilegalidade. (grifei). Pela leitura do precedente acima, não obstante a nulidade pela inversão na ordem do interrogatório depende de sua arguição no momento processual oportuno e da demonstração de prejuízo efetivo , o fato é que, no caso em cotejo, a Defesa alegou a nulidade no momento próprio e de fato restou evidenciado prejuízo à defesa com a condenação, conforme já explicitado. O STJ , em linhas gerais, entende que "O interrogatório de um adolescente, em processo por ato infracional, há de ser visto também como meio de defesa, e, portanto, para ser efetivo, precisa ser realizado como ato final da instrução, a fim de que a pessoa processada tenha condições de melhor apresentar sua defesa e influenciar a futura decisão judicial. Essa ordem de produção da prova preserva os direitos e as garantias dos adolescentes, os quais não podem ser tratados como mero objetos da atividade sancionadora estatal (art. 100, parágrafo único, I, do ECA)" (HC n. 769.197/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 14/6/2023, D Je de 21/6/2023.)"
Diante de tais considerações, portanto, vislumbro a existência de flagrante ilegalidade passível de ser sanada no presente writ, na mesma linha de entendimento do Ministério Público Federal . Ante o exposto, concedo a ordem em habeas corpus a fim de anular o processo a partir da sentença e determinar ao Juiz a redesignação de audiência, para interrogatório do adolescente como ato final da instrução, antes do julgamento da representação, dando-se, ainda, ciência do julgamento ao Juízo Competente. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
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